Inimiga ou aliada

1610 Words
No QG, o ambiente estava silencioso, exceto pelo som ocasional de um dos capangas se movendo ou limpando sua arma. O espaço, habitualmente preenchido por estratégias frias e decisões impiedosas, parecia mais denso naquela manhã, como se o próprio ar estivesse carregado de algo diferente. Coringa, sentado à sua mesa, olhava para o nada, sua mente longe das operações do dia. A organização estava em funcionamento automático, os homens faziam o que precisavam fazer, mas seu líder estava perdido em pensamentos — algo incomum para um homem sempre tão controlado. A imagem de Thais o atormentava. Ele tentava afastá-la, focar nos problemas urgentes, mas era impossível. Ela estava em sua cabeça, dominando seus pensamentos de uma maneira que ninguém jamais conseguira. Ele suspirou, encostando-se na cadeira de couro desgastado, fechando os olhos por um momento. Tudo em Thais era intenso, desde o jeito como ela o olhava, até a forma como ela reagia a ele — sem medo, sem hesitação. Ela não recuou, mesmo quando viu o lado mais sombrio dele, e isso era raro, quase inédito. Na noite anterior, ela tinha visto o pior dele. Coringa se lembrava da raiva que queimava em seu peito, a fúria que o fazia querer destruir tudo à sua volta, mas Thais não fugiu. Mesmo quando acordou naquela manhã, seus olhos não estavam cheios de medo ou decepção. Ela não o olhou com desprezo, como muitas outras mulheres fariam. Não, Thais o aceitou, e não apenas o Coringa que todos temiam, mas também o homem que ele escondia por trás daquela máscara. Esse tipo de aceitação era raro no mundo brutal em que vivia. Ele abriu os olhos e se levantou, caminhando até a janela para olhar a favela que se estendia abaixo dele. O morro estava calmo, uma paz inquietante, como se o próprio lugar estivesse aguardando a próxima tempestade. Coringa sabia que esse sossego era temporário, um intervalo entre os confrontos que ainda viriam, mas naquele momento, a única coisa em sua mente era Thais. Ele estava completamente, loucamente apaixonado por ela, e admitir isso a si mesmo foi como uma lâmina cortando todas as suas defesas. Thais era uma mulher em um milhão, uma mulher que não se deixava intimidar, que não via apenas o monstro em sua frente, mas o homem escondido nas sombras. Ela o havia desarmado de uma maneira que ninguém jamais conseguiu. A decisão veio a ele com uma clareza surpreendente: ele se casaria com Thais. Ela seria sua, não apenas como a mulher que amava, mas também como sua parceira em tudo. Ele queria que ela fosse a rainha ao seu lado, tanto como Coringa, o dono do morro, quanto como Eduardo Coimbra, o promotor de justiça. Mas havia um obstáculo em seu caminho. Zé Pequeno. Esse nome era um espinho em sua carne, um problema que precisava ser resolvido antes que pudesse garantir a segurança de Thais. Coringa sabia que enquanto Zé Pequeno estivesse vivo, Thais estaria em risco. O traidor que ele ainda não havia identificado era apenas uma parte do problema; Zé Pequeno era a raiz de tudo. Era ele quem puxava as cordas, manipulando os acontecimentos, tentando minar sua autoridade e destruir o que ele havia construído. Coringa se afastou da janela, sentindo a determinação crescer dentro dele. Ele acabaria com Zé Pequeno, de uma vez por todas. Esse era o próximo passo, e ele já sabia como faria isso. Precisava ser preciso, rápido e implacável. Uma vez que Zé Pequeno estivesse fora do caminho, ele poderia finalmente focar em Thais, em construir algo sólido com ela, sem as sombras ameaçadoras do passado interferindo. Ela merecia isso — merecia mais do que viver no medo, esperando que a próxima bala fosse para ela. Assim que Zé Pequeno estivesse eliminado, ele contaria a verdade a Thais. Ele revelaria que Coringa e Eduardo eram a mesma pessoa, o homem que ela amava e o homem que ela pensava conhecer como dois seres distintos. Ele sabia, por causa da noite anterior, que ela o aceitaria mesmo assim. Thais já havia provado ser mais forte do que ele imaginava, mais compreensiva do que qualquer um que ele conhecera. Mesmo assim, essa revelação seria um teste, um desafio para ambos. Mas, no fundo, Coringa tinha certeza de que ela ficaria do seu lado. Ele precisava dessa certeza. Thais era a primeira mulher a ver através dele, a primeira a encarar a verdade sem fugir, e ele não poderia deixá-la escapar. Coringa estava acostumado a conseguir o que queria, e ele queria Thais. Não só por desejo, mas porque ela era a única que o compreendia de verdade, a única que poderia ser sua igual, sua parceira em um mundo onde a confiança era rara e o amor, quase inexistente. Mas primeiro, ele precisaria terminar o que começou. Zé Pequeno morreria, e só então ele poderia começar o próximo capítulo de sua vida com Thais. O pensamento de vê-la ao seu lado, sabendo de toda a verdade, aquecia seu coração de uma maneira que ele não esperava. Era uma visão quase impossível de ignorar, e a partir daquele momento, Coringa soube que faria qualquer coisa para tornar essa visão realidade. Thais seria sua, completamente e sem reservas, assim como ele já sabia que pertencia a ela. Coringa estava absorto em seus pensamentos, ainda sentindo o peso das decisões que precisava tomar, quando decidiu que era hora de começar a agir. Ele precisava acabar com Zé Pequeno, e isso significava eliminar qualquer ameaça ou oportunidade que estivesse ligada ao nome dele. Com isso em mente, ele chamou Menino, o jovem que estava sob sua tutela, alguém que ele considerava promissor, mas que ainda precisava provar seu valor. Diego, conhecido por todos no morro como Menino, entrou na sala de Coringa um pouco depois. Ele estava sempre atento, mas naquele momento parecia ainda mais cauteloso. Menino sabia que Coringa não o chamaria para uma conversa casual, e o respeito que ele nutria por seu líder vinha acompanhado de um certo temor. Ele via em Coringa um mentor, alguém a ser seguido, mas também temia o lado sombrio que já havia testemunhado em várias ocasiões. Coringa estava sentado à mesa, com os olhos fixos em Menino quando ele entrou. O jovem parou na porta por um segundo antes de avançar, e mesmo antes de abrir a boca, Coringa já podia sentir a tensão no ar. Ele sabia que o que estava prestes a discutir não seria fácil, mas precisava ser feito. “O que me diz da tal Tauany?” Coringa perguntou diretamente, seus olhos nunca deixando o rosto de Menino. Diego exasperou, os ombros caindo levemente ao ouvir o nome: “Uma i*****l, onde já se viu vir atrás de cueca,” ele respondeu, quase que automaticamente, deixando escapar sua frustração. Coringa arqueou as sobrancelhas, curioso para ver até onde Diego iria com essa linha de pensamento. Diego, percebendo que talvez tivesse falado mais do que devia, tentou se explicar: “Juro, chefe, o máximo que fiz lá foi roubar um beijo. Nunca imaginei que ela viria atrás de mim.” Coringa sentia vontade de rir, mas conteve o impulso. Era óbvio que Menino estava em conflito com os próprios sentimentos em relação a Tauany, a irmã de Zé Pequeno. A situação era complicada, e Diego estava lidando com algo que ele próprio não compreendia completamente. Mas Coringa não estava interessado nas emoções pessoais de Menino; o que ele precisava saber era se Tauany representava um trunfo ou um peso na guerra que estava prestes a enfrentar. “Menino,” Coringa começou, sua voz firme e direta, “Eu preciso saber se essa garota vai ser um problema ou se pode ser útil pra gente. Não é hora de brincadeiras ou sentimentos. Você acha que ela poderia ser usada contra o Zé Pequeno?” Diego hesitou, passando a mão pelos cabelos curtos enquanto pensava na resposta. Ele sabia que essa era uma pergunta complicada, e qualquer resposta errada poderia custar caro. Finalmente, ele olhou para Coringa e respondeu com sinceridade: “Chefe, ela é cabeça-dura, mas... ela tem um ponto fraco por mim. Acho que, se a gente souber jogar, pode usar isso a nosso favor. Mas também acho que ela é perigosa, sabe? Não dá pra subestimar.” Coringa observou Diego com atenção. Menino estava claramente dividido, mas também parecia ter uma boa leitura da situação. Tauany era, de fato, uma variável incerta, e precisava ser manuseada com cuidado. Coringa considerou as palavras de Diego, ponderando as possibilidades. Ele não queria subestimar ninguém, muito menos alguém que poderia se tornar uma aliada ou uma inimiga poderosa. “Certo,” Coringa finalmente disse, quebrando o silêncio que havia se formado na sala. “Vamos manter essa menina debaixo de olho. Se ela der qualquer sinal de que pode ser útil, vamos usá-la. Se não... você sabe o que fazer.” Diego assentiu, sentindo o peso da responsabilidade em seus ombros. Ele sabia que Coringa confiava nele para lidar com a situação, e não podia errar. “Pode deixar, chefe. Vou cuidar disso.” Coringa observou enquanto Diego saía da sala, a mente ainda trabalhando nas possíveis estratégias que poderia usar. Ele sabia que estava cercado de perigos e traições, e precisava de todos os recursos disponíveis para garantir sua vitória. Zé Pequeno não era apenas um inimigo; ele era um obstáculo que precisava ser removido, e Coringa não deixaria nada ao acaso. Com um último olhar para a porta por onde Diego havia saído, Coringa voltou a se concentrar em seus planos. A guerra estava se aproximando, e ele estava determinado a sair vitorioso, com Thais ao seu lado.
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