Dorotéia procurou a máquina de corte no armário dela, mas tinha desaparecido.
_ Você jogou fora, Rebeca
_ Não. Eu acho que precisa deixar o cabelo crescer, mas não jogaria fora, Dorothy.
Lucrécia não mexia nas coisas delas.
_ Foi ele, Rebeca.
Dorotéia passou a mão na cabeça, já podia sentir os fios começando a surgir.
Se encolheu na cama.
Rebeca se deitou ao lado dela.
_ Deixe o cabelo crescer.
_ Vão ficar me olhando, Rebeca. E não estou pronta para isso.
_ Nunca vai estar pronta se não começar. E eu acho que não podemos mais fugir.
_ Por que eles não desistem, Rebeca, por que?
_ Outros homens teriam desistido, teriam procurado mulheres menos problemáticas.
Teriam, mas não Callebe e Salomão.
Salomão queria Dorotéia.
Callebe desejava Rebeca
E os dois médicos sempre tinham exatamente o que queriam.
(....)
Salomão estava fazendo o dever de casa com Estela.
_ Papai..
_ Falta só uma questão, Estela.
_ mas..
_ Olhe. Eu já não mando você para a escola tradicional..
A menina estudava em casa
_ Eu tenho problemas todo mês, por isso. Compreende isso?
_ Compreendo papai. Eu devia estar na escola como as outras crianças. E ir todo dia de uniforme.
_ Exatamente, mas não vou obrigar você.
A menina tinha aulas em casa, e assistia aulas online também.
Estava matriculada em uma escola regular, e as tarefas precisavam ser devolvidas, mas por causa disso Salomão tinha um processo correndo.
A frequência na escola era obrigatória, mas a menina se recusava veementemente, e depois do aconteceu, não a obrigou.
_ Deveria, Estela, mas nisso podemos fazer combinados, mas as atividades, e as provas que precisa ir na escola, não posso abrir mão. Certo.?
_ Certo, papai.
Ela terminou a atividade.
Guardou o caderno, mas voltou com um diário grande, com capa de motoqueiros.
_ O que é isso?
_ Eu escolhi com a mamãe Doroteia. A terapeuta me fez perceber que o senhor também precisa de um diário.
_ Preciso é?
Ela entregou o diário
_ Quando eu me sentar para escrever, precisa escrever também papai.
_ É mesmo?
_ É, faz parte da minha terapia.
Isso o convenceu.
_ As lembranças ainda estão aí?
_ Estão, papai. Eu acho que não vão embora.
Estelinha era nova, não havia completado quatro anos quando aconteceu o @buso, cinco anos depois, ela ainda se lembrava de tudo.
Algumas crianças bloqueavam as lembranças. Estela recriou na imagem de um homem m@u.
_ Eu sinto muito por não ter evitado que fosse machucada, minha filha.
Ela tinha lhe dito uma vez que a culpa era dele, que foi machucada porque o papai dela não estava lá.
Salomão sabia que era uma revolta infantil, mas aquilo o fez se sentir o piior pai do mundo.
_ Eu aprendi que o senhor não teve culpa. A tia Liliane me fez aprender. O senhor me perdoa?
Liliane era a terapeuta e psicóloga dela.
Salomão colocou a filha no colo dele.
_ Está tudo bem. Mas eu errei, eu deixei você com a sua mãe. Mas eu fiz isso porque achava que era o melhor para você, crescer perto da sua mãe, todo mundo disse que sim,e eu acreditei.
_ Mas ela me deixou sozinha, com o homem r**m.
_ Foi, mas ela não sabia o que ele ia fazer, sabe disso?
Lutava para não deixar transparecer ai raiva que sentia de Lindinalva, mas era difícil.
_ Eu sei, mas ainda não posso desculpar a mamãe Lindinalva.
Salomão podia ter instruído a psicóloga a trabalhar de outra maneira com a filha, mas queria que sua menina crescesse forte, que soubesse os erros dele e da mãe biológica e que escolhesse perdoar ou não.
Tinha errado em deixá-la com a mãe, e precisava pagar a penitência por isso.
A menina o abraçou.
Ele precisou de muitos e muitos exercícios para poder ser pai.
Estudou tudo o que podia, fez cursos de educação positiva, e lia tudo que o fazia ser um pai melhor, mas era a área mais difícil de sua vida,porque lutava para esconder a sua verdadeira natureza da filha.
E para Callebe como tio, também não era fácil, mas juntos faziam o possível para a menina ser feliz.
E infelizmente, Estelinha amadureceu rápido demais pelo @buso sofrido.
Ela não tinha real noção, mas sabia que foi machucada, que doeu, que ela tinha chorado,e criou em sua mente, a ideia de um homem m@u que machucava crianças.
Hoje, ela sabia que não podia ser tocada em partes íntim@s, e que podia contar qualquer problema para o pai, para o tio , para a mãe Dorotéia e para a tia Rebeca, mas o elo com a mãe biológica estava quebrado.
E ele não fazia questão que se reformasse.
Salomão sabia que em algum momento, a filha perguntaria o que houve com o homem m@u que a machucou, e não mentiria para filha.
_ O senhor vai escrever no diário?
_ Vou, Estela. No final se semana nos sentamos. Enquanto você escreve no seu, o papai escreve no dele.
_ Tá bom
_ Mas as memórias do papai você não pode ler.
_Por que?
_ Por que alguns pensamentos de adultos não podem ser lidos por crianças.
_ Papai, todos os outros homens são m@us?
Salomão guardou o diário que ganhou
_ A maioria. Você só pode confiar no papai e no tio Callebe. Existem homens que não machucam crianças, mas enquanto não sabemos quem são, você fica longe de todos eles.
_ Posso ir ficar com a mamãe?
_ Pode, mas dorme em casa.
A mamãe era Dorotéia.
(...)
Casa de Lucrécia Frank.
Conhecendo o anjo rígido de Dorotéia.
Dona Lucrécia estava na cozinha, fazia torta e bolo.
A senhora não conversava muito, não era de abraçar os netos, ou de choro. Ela não chorou nem mesmo quando o marido morreu, mas foi por seis meses diariamente visitar o túmulo dele, não se desfez da aliança e ainda ouvia todos os dias uma música que a fazia lembrar dele, eram cinco anos de viuvez, mas ela parecia não se esquecer, mas ao mesmo tempo sentia de modo diferente dos outros.
Quando Salomão e Callebe se aproximaram, enfrentaram a força de Lucrécia, se fosse outros homens teriam desistido.
Mesmo que o acordo fosse para salvar a vida do filho e de Lucrécia, ela não deixou que as meninas fossem presas fáceis.
Havia regras na casa dela.
Horário de entrada de quem morava, mas os irmãos foram persistentes.
Os dois irmãos cortavam os recursos delas, mas ofereciam outros.
Rebeca era enfermeira, trabalhava em dois hospitais.
Fizeram com que fosse demitida.
E agora só estava na no hospital que eles eram donos.
Rebeca vivia sob o olhar constante e desafiador de Callebe.
Era um cerco de guerra.
O carro estacionou na porta.
Era Salomão Martins.
Dorotéia correu para a porta.
Assim que abriu a porta, Estelinha pulou no colo dela.
Por muito pouco, Dorotéia não caiu. A menina, agora, já tinha oito anos completos. Daqui a pouco faria nove anos.
E planejavam uma festa.
_ Obrigado por trazê-la.
_ Ela não quis ficar com Callebe e minha mãe. Vá dizer bom dia para a tia Rebeca, filha.
Estela foi.
Salomão se voltou para Dorotéia quando ficaram sozinhos.
_ Você quer a minha filha, mas sabe que leva o combo completo. Eu não preciso de uma babá.
_ Disse que precisava
_ Disse, mas era mentira. Eu quero uma mulher, e se quiser bancar a mãe da minha filha, tem que aceitar o pai também.Podia me dar um beijo. Estou indo trabalhar..
Dona Lucrécia apareceu na porta.
_ A porta da minha casa não é porta de boate, Salomão Martins.
Salomão não respondeu, nunca respondia, porque tinha se comprometido que seria respeitoso com Lucrécia,e ele só tinha uma palavra. Se jurou respeito teria, mesmo que em sua mente, a resposta era ferina e perigosa.
Lucrécia se sentou na sala com uma bíblia.
E Salomão partiu.
Aquela casa agora só era habitada por Rebeca, Doroteia e Lucrécia, os outros netos da senhora tinham se mudado..
Salomão sabia que na casa de Lucrécia Frank a filha estava segura, mas sempre tinha dois homens dele vigiando a entrada.
Nenhum homem passava pela porta.