VALIENT
Lina me intriga profundamente, por esse motivo durante a sua estadia livre na minha mansão fiquei na espreita, notando cada ação daquela menina, vislumbrando as imagens férteis que ainda tinha dela naquela época de criança. Vinham com bastante força, numa velocidade alarmante. Golpeando sofregamente meu coração sofredor.
Daqui do alto podia contemplar a meiguice dela ao pegar uma rosa vermelha de uns dos meus jardins. Mandei cultivar exclusivamente para ela, e seu gosto por essa flor com o talo tão espinhento.
Toda a minha vingança foi baseada nela, por ela que venho nutrindo as dores do passado, mas também tinha outros planos para o segundo da lista, este agora está recebendo via fax as fotos da sua queridíssima filha, supostamente raptada uns anos atrás.
Enquanto Catalina Avants, era muito bem tratada pelo seu inimigo número um, ele se descabelava para encontrar seu malote de negócios. O velho quase faliu por não ter conseguido juntas as empresas, mas uma nobre doação para cobrir um rombo da sua empresa foi devidamente enviado, isso, um ano depois de ter trazido sua principal herdeira para Espanha. Aliás um homem de posses devia manter as riquezas dessa família.
Meus interesses escusos confundem toda uma geração de mafiosos, mas eles deixaram essa situação nas minhas próprias. Enquanto soubesse lidar sem chamar atenção da mídia eles não iriam intervir. Logicamente que não chegaria a esse ponto.
Continuei olhando a bela mulher que havia se tornado, andando graciosamente até encontrar um lago de cisnes, ficando absurdamente encantada. Parou cruzando os braços, de costas para a minha visão. Lina usava um vestido longo, solto e florido. Não marcava as poucas curvas que aquele corpo miúdo obteve ao decorrer de sua vida, mas mesmo que achasse suas medidas femininas indignas de apreciação, eu a achava perfeita, e mais, a sua imagem atrapalhava meus objetivos. Tanto que a todo momento reformulava meus planos em minha mente. Catalina devia pagar, tanto, quanto seu pai pedófilo.
Em memória, sabia perfeitamente que ela me abandonou para viver sozinho aquele sofrimento, invés de me socorrer. Sei que não deveria esperar ajuda de uma criança de apenas seis anos presenciando algo tão monstruoso. Contudo ela nunca mais voltou para saber de mim, foi como se aquilo tivesse sido culpa minha. E todo aquele amor, ternura e amizade, que um dia senti caiu por terra, virando uma profunda sede de vingança.
A cada atitude do pai dela, cada cena de horror, humilhações e abusos de alto escalão cometidos, se transforma numa nova e vivida ferida. A maior delas a dor da rejeição.
Já havia analisado a lista mentalmente para conseguir obter a punição máxima, o que houve hoje pela manhã se encaixava na minha coerência. Todavia acabei sentindo um sentimento que não estava previsto; o remorso. Sobretudo fui forte o suficiente para passar por cima e darei continuidade no que tenho que fazer, mesmo que tenha que buscar atalhos para achar o efeito final, aquele que vai premiar o clímax da minha retaliação.
CATALINA
Depois de uma manhã tempestuosa perambular pelos arredores da gigantesca propriedade, dava-me uma mera sensação de relaxamento. Sinto o ar puro, fora daquelas paredes da mansão ou daquele duplex, podia até imaginar como seria ter uma vivência normalizada.
Com a minha infância rebuscada, e juventude interrompida, me transformei numa prisioneira de mim mesma. Tinha consciência das limitações impostas pelo meu defensor, e do quanto ele dizia para me manter longe de encrencas, ser vista com moderação e do quanto era primordial se afastar dos holofotes. Dando a entender que a socialização era proibida. Naquela época não queria criar barreiras com a figura sem máculas que havia construído dele, mas agora me arrependo amargamente de não ter infligindo algumas de suas regras idiotas.
Sento-me olhando os cisnes sobre as águas límpidas da lagoa, queria alimentá-los com pão, mas mesmo se estivesse em minhas mãos o alimento, não poderia. A placa de proibição estava bastante evidente no cercadinho.
Frustrada por não os dar um pouco de conforto sentei de frente a eles, olhando-os, como eram lindos, nadando pelas laterais, trazendo o bico até o liquido e se refrescando com ele. Criaturas felizes, embora vivam encarceradas naquele espaço reservado originalmente para elas. Foi praticamente impossível não comparar o meu destino desses simpáticos cisnes ao meu. Infelizmente teria que habitar com aquela decepção, nem ao menos sabia seu nome. O justiceiro continuava misterioso diante dos meus olhos, enquanto sua versão sombria vinha à tona, roubando um pouco daquilo que adquiri ao longo da minha solitária vida.
Ainda perdida em pensamentos, sufocando a vontade que tinha de experimentar a verdadeira liberdade, uma questão fabulosa foi iluminada em meu cérebro; pela primeira vez depois de anos havia misteriosamente pegado no sono a noite toda, talvez foi a bebida alcoólica em minha corrente sanguínea ou... Droga! Sim! Claro! Ele colocou algo naquele bolo, bebida ou utensílio, qualquer coisa, podia ter substancia para me fazer apagar, até nas pontas ou cabos dos talheres! Como fui tola em confraternizar com a maldade em pessoa, em carne e osso, sem coração.
Desanimada me levantei ajeitando o cabelo na frente do rosto, na mesma hora olhei para cima, notando o causador das minhas preocupações olhando-me diretamente nos olhos. E ali surgiu a pergunta que ficou sozinha no ar... Esse ser abusou de mim enquanto eu dormia toda nua? Ele me despiu!? Tirou as fotos ou mandou uma das empregadas?
Nos fitamos friamente, cada um nutrindo algum estilo de idealização sórdida sobre o outro. Preferi acreditar que o meu falso salvador não tenha se aproveitado, contudo, ainda considero sua atitude abusiva, mesmo que não tenha ralado a mão. Sei que deve ter passado a madrugada xeretando as fotos para seu animalesco prazer masculino, nunca vou perdoar!
- Maldito seja!
O carcereiro meneou a cabeça, como se aprovasse minhas palavras de fel. Em seguida adentrou em seu quarto, ali era sua ala reservada. A sacada da onde ele poderia ter me vigiado o dia inteiro. Infeliz!
Raivosamente entrei, sendo delicadamente conduzida para a sala de jantar pela governanta que não aceitava “não” como resposta.
- Por acaso tem veneno dessa vez?
- Senhorita, não compreendo.
Mostrou-se inocente perante minha acusação arredia.
Sentei a mesa sozinha, contemplando um almoço completo para duas pessoas, e um dos empregados pediu licença. Depois provou cada comida antes de começarem a me servir. Fico tranquila por poder comer sem me preocupar em ser morta ou dopada novamente, e contente por ser avisada que o chefe somente almoçaria logo após a minha pessoa, pudendo enfim, degustar de uma boa refeição em pleno sossego.