LINA
Ao retornar para o duplex percebi que já era noite, a doutora estendeu seu horário para que pudesse dar detalhes da minha visão pesadelo. Ela me incentivou a voltar na mansão do meu pai, achando que a sua paciente era uma espanhola nativa. Devo isso aos meus traços, as pessoas daqui sempre me complementava achando que era da terra deles, isso era bom, uma maneira fácil de ludibriar qualquer um que tentasse se aproximar. Enquanto não soubessem que sou brasileira estava perfeito para mim, e logicamente para o meu salvador. Ele me dava dicas de como encobrir meus rastros também.
O dia de folga estava acabando. Às sextas passavam rápido ainda mais em dia de consulta.
O frio arrepiou os ossos, deveria ter saído prevenida, anos morando em Madri e não havia aprendido. O jeito era procurar uma cafeteria na esquina, tomar um elegante capuccino e me esquentar um pouco antes de prosseguir viagem.
Além de tomar um copo aproveitando a quentura que me animava, pedi outro. Já que passaria mais uma noite em claro. O local vendia uma variedade de doces, portanto saí dali carregando uma sacola contendo um bolinho, ninguém daqui sabia, muito menos suspeitava que hoje era o meu aniversário de vinte e um anos. Bom, o desconhecido protetor tinha me enviado um presente, todos os anos ele fazia a mesma coisa, contudo dessa vez deixei para desembrulhar o embrulho quando chegasse em casa.
Nunca podia sair para comemorar, isso era uma recomendação primordial, poderia chamar atenção desnecessária, o truque era passar desapercebida no meio da multidão. Ou seja, minha última comemoração de aniversário foi aos dezoito, e mesmo assim não curti muito, pois havia o peso nas costas. O matrimônio que o grande senhor Avants queria me impor de qualquer maneira.
Quando chegasse no espaço da qual apelidei de lar estaria finalmente segura e comemoraria...
Meus pensamentos foram interrompidos ao sentir, como das trezentas vezes, aquela sensação de perseguição. E não era coisa da minha cabeça atormentada, podia senti-lo, tinha fortes esperanças de ser ele, o meu salvador. Contudo ao respirar fundo, vendo a fumaça que saíra da minha boca, cruzei os braços, tentando me esquentar novamente. Parei de caminhar, virando minimamente o rosto para trás. Vendo a rua completamente deserta, só tinha uns gatos pingados que estavam alheios ao que uma simples menina loira de olhos grandes fazia. Me virei voltando a caminhar, porém de novo a sensação veio... mais forte. Estanquei virando-me totalmente, a única presença agora era de uma limosine preta com vidro fume. No país rico onde vivo, era perfeitamente normal esbarrar em automóveis desse porte. Aqui existia muitos milionários, contudo resolvi mudar de endereço, buscando andar perto da ponte, onde passava um rio limpo. Não se via mendigos, os agentes de polícia não permitiam, achavam que sujava a beleza rustica da cidade. Deixando os pobres afortunados em abrigos, dando ajuda. A regência daqui podia ser vista como rígida, mas existia para manter uma ordem. Dessa forma os visitantes podiam andar livremente pelas vielas, ruas fechadas, da cidade.
Olhando em volta achava que havia me distanciado daquele carro, virando a esquina dando uma leve averiguada acabei movendo o pescoço notando o mesmo veículo de antes, mais perto... motor ligado.... sem placa.
- Mas o que é isso...
Esbarrei num peitoral duro, derrubando os meus pertences no chão, mas antes de levantar o olhar fui interceptada por detrás, sendo encapuzada igual no pesadelo. E rapidamente o da frente pegou minhas mãos e me amarrou de forma genial, não me deu tempo de correr, só de implorar pela minha vida. Quando fiz isso fui arrastada com certa rudeza na direção de algum carro, com certeza era aquele que vi duas vezes.
Minha respiração saia em lufadas fortes, mesmo que tentasse buscar respirar com calma, o nervosismo bateu e eu só ficava no modo piloto automático, para sair dessa sem arranhões.
Sentada no estofado pude sentir duas presenças, cada um nas extremidades no banco detrás. Eles dois não falavam absolutamente nada, muito menos ouvia suas respirações. Tive medo, mas precisava saber quem eram.
- Vocês trabalham para o meu pai? Estão me levando para ele?
Ouvi um suspirou meio cansado, imediatamente virei a face na direção do som. Tentando em vão ver alguma coisa, algo que me trouxesse uma explicação.
- Menina... - A voz grave, dedurando a idade do indivíduo entoou em meus tímpanos. - ... quando levarmos a sua pequena figura infantil para o nosso líder terá suas respostas sanadas, por enquanto agradeceríamos se fizesse a gentileza de não importunar a nós com suas perguntas tolas.
Pelo menos mostrou gentileza, de algum jeito. Tinha esperanças que não fosse o meu patriarca que havia me encontrado, porém, outro questionamento ganhava vida dentro de mim, acalentando minha alma ao mesmo tempo que fazia meu coração disparar. Era ele? O meu anjo protetor?
- Ande! - O seu companheiro ordenou.
Em seguida o veículo ganhou partida.
Durante o trajeto fiquei pensando na minha vida e se ela estava por um fio de ser exterminada, existia em meu ser uma depressão sem tamanho, então seja como for o meu destino estaria pronta, não aguentava mais viver na escuridão sozinha.
Mentalmente calculei que havíamos passados mais de uma hora nesse carro, entramos em muitas ruas, devido minha sensibilidade em me manter tranquila em certas situações obviamente que os capangas do chefe não tiveram problema comigo. Mas quando as rodas do automóvel fizeram o favor de frear, o pânico se instalou na alma, e o grito agonizante ficou socado na garganta.
Não foi preciso convite para sair daquele aperto entre dois armários, assim que uma das portas se abriram dei o meu jeito de pôr os meus dois pés para fora, mesmo que caísse pois, não via absolutamente nada, estava pondo os meus outros sentidos que foram incrivelmente aguçados segundo as orientações do meu protetor misterioso, automaticamente meu braço foi puxado e logo romperam a corda com uma faca, liberta, puseram um lenço sedoso em meus dedos dizendo para fechar os olhos para que tirassem o capuz, obedeci de imediato, por mais que a minha vida fosse viver numa incerteza sem fim, não colocaria tudo em risco, não com essa pulga atrás da orelha da qual tanto me cercava a respeito desse misterioso sequestro. E assim o fizeram, dei uma boa respirada e imediatamente eu mesma me vendei, logo senti duas mãos nos meus ombros redirecionando meus passos, controlando minhas ações, levando-me para onde quer que fosse. De qualquer forma sentia que nunca mais seria a mesma.
***
Meia hora depois, já desvendada, tomada banho e estranhamente sendo obrigada pelo dono do casarão que ainda não havia mostrado as caras, usava esse elegante vestido amarelo em tom pastel, delicado com detalhes bordados em ouro, formando desenhos em espiral. Decote profundo, mas devido os s***s minúsculos para uma mulher da minha idade até que não revelava tanto do inapropriado, no entanto a f***a frontal que vinha desde as coxas, era o que mais me incomodava nessa vestimenta que embora seja de gala se revelava uma imensa ousadia em mostrar partes do meu corpo que eu mesma não fazia questão de olhar. Uma delas era a grossura das minhas coxas nuas, o tornozelo adornado pela tornozeleira de prata com um pingente de algemas que um dos diversos empregados que foram apresentados para mim na chegada como se fossem orientados para fazerem isso, puseram na cama ao lado da caixa de presente que havia deixado na minha casa. O calçado todo cravejado de ouro foi posto nos meus pés pela governanta, tudo precisava seguir o protocolo do magnifico...
- Senhorita.
Olhe pelo reflexo do imenso espelho dessa suíte, aqui seria meu novo lar, disseram-me sem perguntar minha opinião.
- Se estiver totalmente pronta como imagino e espero que esteja, o patrão aguarda sua ilustre presença no salão principal.
- Estou pronta.
Avisei dando meia volta, despertando o interesse do mordomo. Quando cheguei aqui parecia uma ratinha assustada tendo que receber os comprimentos de todos os cinquenta empregados dessa incrível propriedade. Uma verdadeira fortaleza de janelas altas, compondo grades que nem o corte mais afiado serraria, pensamentos para uma possível fuga, já que o homem que me raptou desconfiava seriamente que não era o meu pai. O desconhecido poderá pedir algo em troca por todos esses anos ter me protegido? Matutava enquanto caminhava com este senhor de meia idade, calvo e de aparência limpa, polida.
Caminhamos por dois corredores e três alas aleatórias, parecia um castelo, mas não igual das histórias de princesas, aqui reinava o frio, uma escuridão estampada nos olhos tristes dessas pessoas.
- Aqui senhorita.
Ele gentilmente abriu uma porta alta, solicitando para que eu entrasse, novamente fiz exatamente como havia sido pedido, estava ficando estressante, todavia ao olhar fixamente para a mesa larga daquele intrigante ambiente de... festa, meus olhinhos tremeram ao dar um giro de 360 graus, constatando fielmente que aquela preparação sem sombra de dúvidas era para Catalina Avants, bom as cartas em letras rabiscadas em forma de grafite não combinando com a decoração dizia claramente...
- Não somos pichadores, que fique bem claro, senhorita Cristal.
Me virei temerosa na direção da voz que arrepiou todos os meus cabelos do braço. Mas quando meus olhos bateram na imagem do homem na minha frente, reparei que não combinava com sua fisionomia jovial, ele somente tinha uns anos há mais que eu.
- Quem é você? Por que seu pai me raptou? E ele que vem me ajudando desde a minha fuga ou vocês são contratados do meu pai? Responda-me! - Falei a última palavra lotada de raiva, mas o rapaz todo elegantemente vestindo roupas pretas ficava lá parado, me fitando com aqueles olhos azuis nada angelicais. Parecia haver um lance misterioso naquela tonalidade sombria.
- São... tantas perguntas sem nexos, ou no máximo sem ligação. Mas antes de descobrir quem sou ou o que desejo da sua pobre alma. Sente-se. - Apontou para a ponta da cadeira que mais parecia um trono do rei de midas.
- Recuso-me a sentar na mesa com desconhecidos.
Busquei ser valente não podia abaixar a cabeça, no entanto sua expressão pálida e sem demonstrar sentimentos me lançava arrepios em lugares estranhos do meu corpo.
Ele se adiantou, andando na direção do seu assento, na outra extremidade da ponta. Tocou a parte proeminente daquele objeto, suas mãos mais brancas quanto a minha deslisou no entalhado da peça, revelando essa sugestão de anatomia, masculina, algo perfeita, nunca fui fã disso, mas a dele despertava o interesse.
- Definitivamente sou impedido de força-la...
- Então acaba logo com isso.
- Como? Só estou começando senhorita Catalina Avast. - Pronunciou meu nome olhando-me dentro dos olhos, enviando-me uma carga pesada através deles.
- Me dê algo...
- Estou lhe dando uma festa de aniversário, por hoje, ao menos não seria mais fácil ceder ao favor de uma estranho, que na realidade sabe mais do que você sobre sua vida do que o seu próprio pai?
Bom... me parece que ele não trabalha para o grande empresário.
Resolvi ceder e acabei sentando no meu lugar, analisando a mesa novamente; o bolo de três andares, os docinhos, e outras guloseimas para uma adolescente gordinha.
- Obrigado por ceder, gosto quando me obedecem sem precisar usar da minha capacidade de persuasão.
Convencido.
Em seguida fomos servidos, invés de refrigerante, veio champanhe, vinho e outras bebidas que me deixavam alegrinha.