Bonus da Alanis
Quando me perguntavam o que eu gostaria de ser, sempre respondi: modelo. Eu, como toda criança, queria brincar de boneca, mas não podia, então sobrava me divertir fingindo estar na passarela. Agora, pensem numa menina que não tinha bicicleta, boneca, essas coisas. Coisas que para mim, nunca existiram. Amigas de escola era raro eu ter, sabe por quê? Fui criada para ser a modelo perfeita, e isso incluía não me misturar muito. Minha mãe sempre sonhou que quando tivesse uma filha, ela seria modelo, e como eu amava a minha mãe, decidi realizar seus ideais. Os anos foram passando e nisso eu me transformei numa garota mimada. Ganhei muitos contratos e esses contratos geraram muito dinheiro. Minha mãe ficou feliz em ver como tinha dado certo, mas ao mesmo tempo ela queria que eu fosse trabalhar na televisão para ser atriz, só que nunca me perguntou o que eu gostaria de fazer. A verdade é que ela era obcecada por ter uma celebridade como filha.
Quando eu tinha onze anos, uma agência de talentos me convidou para ser modelo deles, o que eu — no caso minha mãe — aceitei.
Comecei a trabalhar em campanhas e mais campanhas, e com o passar dos anos fui me superando e virando a queridinha de todos.
A infância e o que eu não tive dela foi deixada para trás, assim adentrei a adolescência e até consegui ter algumas amigas, com a aprovação da minha mãe, que dizia que elas seriam boas aliadas.
Na época fazia sentido humilhar as pessoas, mostrar que eu era superior... tudo por causa de meros contratos.
Minha mãe se tornou minha empresária e juntas começamos a acumular muito dinheiro, com o qual compramos uma casa maravilhosa, carros de luxo, roupas de marca, joias, e tudo que só o dinheiro podia proporcionar.
Na fase adulta eu não tinha mais vida.
Vivia cansada pelo número de desfiles que precisava fazer, ficava horas e até dias sem comer, e tudo com o apoio da minha mãe, que era a principal responsável pelo que eu era e fazia da minha vida.
Ela controlava tudo, o tempo todo.
Qualquer deslize meu, dizia que eu ficaria gorda, que não conseguiria trabalhos...
Eu a amava demais, mas em dados momentos queria estar o mais longe dela possível.
Passei a ser uma pessoa m*l-humorada, nervosa, não tinha paciência com nada. Até que um dia eu conheci o homem mais perfeito do mundo, Damion Filip. A gente se conheceu num dos jantares que minha mãe adorava dar para pessoas ricas e famosas, e foi nesse dia eu me apaixonei completamente por ele.
Damion nem imagina como eu me arrependia de tudo que fiz. Mas eu pagava com um preço bem alto.
Nós começamos a namorar, e é claro que minha mãe aprovou, afinal ele já era um juiz famoso. Para ela era bom que meu nome circulasse sempre nas revistas e na internet como a namorada de um juiz. Como todo namoro, logo noivamos e casamos. Mas o que eu pensei que seria a minha felicidade, se transformou num pesadelo. Eu engravidei. Antes de me tornar modelo eu pensava em casar e ter filhos, mas depois veio a profissão e minha mãe dizia aquelas coisas sobre engordar, os contratos que eu ia perder, e então, desde o primeiro momento eu detestei estar grávida. Para mim, aquilo era o fim do mundo.
Claro que Damion ficou feliz, já eu, me achava nova demais para ser mãe. Queria curtir mais a vida e manter meu corpo esbelto. Não que eu não amasse o Damion. Nossa, como amava! Ele foi meu primeiro homem, aquele que me transformou em uma mulher de verdade. Mas uma criança definitivamente não estava nos meus planos de vida.
Rapidamente ele começou a idealizar nomes e logo decidiu por Cristal se fosse menina. Conhecendo-o como conhecia, sabia que a criança seria muito mimada, e que eu não poderia competir com ela. Queria o Damion só para mim, e isso fez de mim uma neurótica. Cheguei a tentar abortar, mas ele descobriu e ficou louco de raiva de mim, passando a me vigiar como se fosse um cão de guarda. Os meus contratos foram diminuindo e minha mãe ficava no pé dizendo que eu era uma irresponsável por ter engravidado antes do tempo. Eu mesma não sabia como tinha acontecido, mas aconteceu e pronto, engravidei. Passaram meses sem o Damion me procurar e com isso o aumento do meu ódio pela criança que iria nascer.
Quando nasceu, dei graças a Deus por aquela menina ter finalmente chegado. Estava com estrias na barriga, nas pernas... fiquei horrorosa. Tive depressão pós-parto e não queria que o Damion trouxesse a menina para mim, então aquilo foi nos distanciando. Me senti sufocada com o tempo e quando pude voltar ao trabalho, usava os desfiles que eu tanto odiava, como oportunidade para sair de dentro de casa.
Odiava ouvir o choro da Cristal, odiava ter que dar de mamar a ela toda hora, bem como ver meus s***s ficando caídos. As mudanças me incomodavam muito e me senti m*l ao ver como eu passei por mudanças. O sexo não acontecia mais, e era notório que ele me evitava. Só aparecia para eu cumprir minhas obrigações com a criança, e depois sumia com ela.
Assim foi durante muitos meses, até Cristal completar um ano. Eu não aguentava mais aquela pressão dentro da minha cabeça. Saía de casa quando Damion estava e ia me encontrar com algumas amigas e dessas amigas eu conheci um rapaz que se chamava Leonardo.
Era um homem lindo, também, claro que não tanto quanto Damion, mas enfim, ele me dava a atenção que meu ex já não dava mais.
Pedi a separação e eu abri mão da nossa filha, indo viver com Leonardo. Levei uma bela bolada no divórcio, saindo definitivamente vida de Damion e de Cristal, seguindo com a minha.
Minha mãe continuou me controlando, e o Leonardo foi um homem que me mudou radicalmente. Voltei a ser uma adolescente que adorava curtir uma balada e com ele eu fiz de tudo por um longo período.
Com o passar do tempo, comecei a passar m*l e escondi isso da minha mãe, até que descobri que eu estava com leucemia. Foi um choque saber da doença depois da bateria de exame que tive que fazer.
Começou, então, a minha luta. Entrei para a fila de transplante e sabia que seria uma peregrinação. O Brasil ainda era muito precário de doadores.
As pessoas que se diziam amigas, evaporaram. Leonardo, no início, não aceitou bem, ficando transtornado, mas por fim me deu a uma maior força. Minha mãe, por sua vez, virou uma outra pessoa. Deixou de querer ser celebridade às minhas custas, e me ajudava muito.
Ela e Leonardo fizeram o teste e descobriram que não eram compatíveis, na mesma época comecei a fazer a quimioterapia. Inicialmente eu vomitava, tive febre e o arrependimento por minhas atitudes começou.
Um dia, conversando com Leonardo, ele me perguntou por que eu não iria falar com Damion sobre a minha situação e quem sabe ele pudesse também fazer a doação.
Na primeira ligação que fiz para ele, percebi que estava se relacionando com alguma pessoa pelo modo como atendeu a chamada.
O que eu esperava?
Muito tempo havia se passado, afinal.
Fiquei aliviada quando ele concordou em se encontrar comigo, mais ainda por ele ter demonstrado não me odiar durante a nossa conversa, apesar de tudo que eu fui para ele depois da gravidez.
Damion foi cordial e provou ser o homem bom por quem me apaixonei anos atrás, prometendo doar a fim de me ajudar, ainda reunir seus amigos e, o melhor, promover meu encontro com Cristal, a quem eu precisava também pedir perdão.
Minha mãe se sentia constantemente arrependida pelo jeito como me tratava e pela mulher fútil que sua obsessão me tornou. Culpava-se, ainda, pela minha separação de Damion, que de alguma forma, realmente tinha seu dedo, diante das tantas coisas que me incentivava a fazer para ser a modelo perfeita.
Leo não reclamou pelo fato de eu ter marcado o almoço com Damion, e ainda concordou em me levar ao restaurante, ficando pacientemente aguardando por mim enquanto eu conversava com meu ex marido.
Ele me confidenciou ter ficado aliviado por eu ter ligado, pois era mais uma opção de alguém que poderia doar e talvez ser compatível
Quando ele disse isso, me emocionei e declarei meu amor, recebendo um “eu te amo” de volta.
Aquele foi um dia bom para mim, porque tive a concretização do homem que por um bom tempo fez parte da minha vida, a promessa de ver minha filha em breve, e tudo isso com o apoio do meu amor, Leonardo.