Sophia
Sua i****a, burra! Tê-lo por perto é um erro. Você estava praticamente dizendo que o queria próximo porque o amava. Para piorar, chamou ele para sair hoje?!
Está certo que éramos amigos, que eu estava com saudade e que voltarmos à nossa rotina de amizade seria um alivio, pois nunca, jamais, iria substitui-lo, nem mesmo por LP, no entanto acabei de voltar e meu coração batia mais que um motor de carro. Minhas mãos suavam.
Depois daquele abraço, tudo ficou mais claro, bem transparente, inclusive o desejo. Queria beijá-lo e tudo que eu tivesse direito.
Então, por que não o deixei se afastar? Teria tempo para pensar e entender melhor a minha situação antes de cair sem paraquedas nessa insanidade.
Assim que voltei ao meu apartamento, pude, enfim, demonstrar o medo que tanto guardei dentro de mim. Além do mais, descobrir que ele era meu vizinho me deixou surpresa. Como Chris pôde ser tão maluco? Como se eu não o conhecesse. Christophe Morson sempre foi impulsivo e fazia besteira sem pensar. Era eu quem limpava a bagunça constantemente. Só que a bagunça do momento não dava para ser limpa, pois eu estava nela, e custaria esquecer toda essa maluquice.
Laura estava comendo a pizza que ele trouxe, e mesmo que minha barriga roncasse, não dava para eu comer nada, de tão nervosa que estava.
— Regra número um... — Fui até onde ela estava, apertando as mãos uma na outra e buscando a maneira mais fácil de falar sem parecer desesperada. — Não pode ficar seminua nesta casa. Christophe é nosso vizinho e vai ter livre acesso ao apartamento. Regra número dois: nunca, jamais, comente sobre esta paixonite i****a que tenho por ele. Isso estragaria a nossa amizade, a nossa convivência. E posso perder tudo, menos o Chris. Regra número três: você vai me ajudar a não ficar maluca. Sempre que notar que vou confessar que o amo, vai mudar de assunto. E se ficarmos nos encarando em silêncio, comece a falar alguma coisa, entre em outro assunto e não me deixe beber mais que duas taças de vinho, senão sabe que vou começar a tagarelar e dizer tudo bem na cara dele. Sou a burra que quer jogar tudo para o ar e cair de cabeça nessa loucura.
Ao encarar a minha amiga, vi que ela estava comendo a pizza como se eu não tivesse jogado a minha roupa suja na frente dela.
— Ele é o nosso vizinho? — foi o que perguntou. — Você veio morar no mesmo prédio que ele?
— Não, Laura. Ele comprou a dois dias a cobertura, e agora é meu vizinho. Vamos passar muito tempo juntos, jantar e conversar; vou cozinhar para ele... Então, estou desesperada. Você é a minha salvação. — falei, irritada.
— Ele comprou a cobertura para ser seu vizinho?!
— LP! — reclamei.
— Vocês têm uma amizade bem estranha, mas foi fofo da parte dele, simplesmente, comprar o apartamento para ser seu vizinho. — Deu de ombros. — Sabe o que eu acho? Vocês são idiotas. Está na cara que...
— Me poupe! — Levantei a mão, impedindo-a de continuar. — Chris é impulsivo, super exagerado e só quer bancar o irmão mais velho. Não tem nada de fofo. Aposto que vai dar um ou dois dias até que ele comece a me tratar como um irmão mais velho, que vai me encher o saco e fazer eu me sentir culpada por sonhar em ser sua namorada e desejar beijá-lo toda vez que estamos conversando.
— Ah, Soph! — lamentou sem sair do lugar. — Você é uma menina determinada e inspiradora, mas é uma medrosa quando o assunto diz respeito ao Christophe Morson.
Sim, era exatamente isso.
— É porque ele é a única pessoa no mundo que realmente me completa. Não quero perdê-lo. Por isso fiz toda aquela doidice em Paris. Queria esquecer a paixonite juvenil, mas não consegui. E se eu nunca conseguir, vou perdê-lo? Ele nunca vai me ver desse jeito. Estou perdida.
— Então, arranje um namorado. — Tirou a minha atenção do lamento. — Você saía com caras e encontros furados, mas nunca namorou. Acho que para esquecer e resolver, de uma vez por todas, essa situação, tem que achar alguém que te desperte algum sentimento parecido. Assim, você esquece essa loucura e não tem mais com o que se preocupar.
— Fácil falar, difícil fazer. — Deixo os ombros caírem. — Acabei de voltar. Tenho que me estabelecer, trabalhar e buscar o meu sonho. Não tenho tempo para ficar atrás de um homem para esquecer o Chris.
— Então, continue nesse martírio. Só não lamente muito, ou deixo você aqui, sozinha.
Revirei os olhos e andei, em passos largos, para o meu quarto.
***
— Achei que nunca mais fosse voltar. — a voz irritante de Jessica soou ao meu ouvido como um ruído.
Mesmo passando tanto tempo longe uma da outra, não conseguimos melhorar a nossa relação de irmãs. Era para sermos como aquelas gêmeas inseparáveis, que sentem coisas em comum, todavia éramos o oposto disso. Assim como as cargas elétricas, na física, que se repelem quando são do mesmo sinal, Jessica e eu, como gêmeas, nos repelimos.
— Mas voltou e não para de nos decepcionar. — acrescentou.
— Que bom que não me importo com o que você e o papai acham de mim. — falei, irônica, com um sorriso falso. — Não estou aqui por você, Jessica, já que nunca foi uma irmã para mim, e sim uma estranha. Foi o papai quem me chamou, e fiz um enorme esforço para vir, pois sei onde isso vai dar.
— Boa sorte. — sussurrou, sendo sarcástica, e saiu da minha frente.
Eles moravam em uma cobertura de dois andares, com uma escada na entrada que levava ao escritório e aos quartos. Cinco anos depois que mamãe morreu, meu pai se desfez da antiga casa. Dizia que não conseguia esquecê-la e que não tinha sorte de achar outra esposa porque a alma dela nunca havia saído da propriedade. Entretanto, mesmo na cobertura não deu certo. Pelo menos descobri que ele a amava de verdade, embora tentasse muito não amar ou deixar de amá-la.
Subi a escadaria com o corrimão prateado e muito bonito. Combinava com as paredes clássicas e o piso branco, que refletia o brilho do lugar. Andei em pequenos passos, pois queria demorar o máximo que pudesse, para não ouvir tudo que eu já sabia há anos: que eu era uma decepção para a família Reis.
No momento em que coloquei a mão na fechadura, lembrei-me de todas as vezes que eu era chamada para uma conversa com papai. Ele não era um péssimo pai, só era duro e sempre quis que eu fizesse Administração ou qualquer outra coisa que me levasse a trabalhar no seu banco. Contudo, não nasci para isso. Eu era boa na cozinha e me sentia feliz assim. Foi por esse motivo que fui a Paris. E, por incrível que pareça, foi ele quem me bancou e me ajudou lá, mesmo odiando a minha escolha. Portanto, eu me sentia em dívida com ele. O mínimo que eu poderia fazer era ir ao seu encontro para uma conversa.
Ao girar a maçaneta, senti um frio na barriga, como se fosse enfrentar um júri rigoroso, mas era só o homem grisalho, com cara fechada e pose de poderoso. Ele me encarou assim que dei o primeiro passo para dentro e não disse uma palavra. Fechei a porta e caminhei até a cadeira à sua frente, como se estivesse sendo testada ou em uma entrevista de emprego.
O lugar não mudou muito. Ainda havia a estante de livros, a mesa de madeira escura, a luminária no canto e a poltrona onde ele se sentava para ler. Era ali que passava a maior parte do tempo quando não estava no escritório, no banco.
Sentei-me na cadeira, com um frio na barriga, apertei o braço dela e o esperei começar, porém ele só me encarou.
— Pode começar. Eu sei que me chamou para jogar os cachorros em mim. — falei, tímida e assustada.
Eu não queria temer o meu pai, no entanto algo em mim esperava ser aprovada em algum momento, apesar de saber que isso era um caso perdido.
Encostando-se à cadeira, ele pôs a mão no queixo e abriu um pequeno sorriso, deixando-me confusa.
— Você cresceu desde a última vez que a vi em Paris. — Não estava me acusando, nem chateado. — Deixou o cabelo crescer ainda mais. Ficou bonito. E não está usando mais os óculos. O que houve?
Eu não sabia o que estava acontecendo. Nunca tinha ouvido essas coisas. Estava ficando confusa e assustada. Ele não era bonzinho. Pelo menos não me tratava da mesma forma como tratava a minha irmã.
— É... O senhor está bem? — Aproximei o meu corpo da mesa para ver se via algo que me dissesse o que estava acontecendo. — Por que me chamou aqui?
— Sou o seu pai. — Sorriu ainda mais. — Só quero saber se está bem, se chegou e se já se instalou no apartamento novo. Cuidei para estar tudo em ordem. Por mim, você iria para outro, maior e mais confortável, mas disse que não queria o Royal, então não insisti. — Eu ficava cada vez mais confusa e assustada, começando a achar que ele estava morrendo. — Puxou a simplicidade da sua mãe, e a habilidade na cozinha também. Isso me deixa orgulhoso.
— Pai, o que está acontecendo? — questionei ao me levantar. Pensei até que ele estava maluco. — Você está bem? Algo r**m com a sua saúde...?
— Sophia, não se preocupe comigo. Estou muito bem de saúde. — Tranquilizou-me e me pediu para sentar novamente. — Sei que não fui o melhor pai para você, nem para a sua irmã, Jessica.
— Você foi ótimo para a Jessica. — ironizei.
Notei que ele estava de bom humor comigo e achei que tinha estragado as coisas.
— Não, errei com ela também. — Ignorou o meu tom. — Eu a mimei demais. Ela não sabe viver sem todo o dinheiro que temos, é fútil e não tem muitas ambições. Dois namorados foram embora por não a suportarem por muito tempo. Eu a amo, mas confesso que é culpa minha.
— Saiba que está me deixando assustada. — confessei. — Nunca disse essas coisas, nem nunca admitiu que Jessica é uma mimada. Tem certeza de que está tudo bem? Pode dizer, eu vou ajudá-lo.
— Estou bem de saúde. Só tive muito tempo para pensar no que fiz em todos esses anos. Então, tento consertar agora.
Observando o meu pai, via que parecia que ele estava sendo sincero. Eu não estava acostumada a ouvir nada daquilo dele. Era como se eu estivesse sonhando.
— Achei que estava decepcionado com a minha escolha de profissão. — pensei alto. — O senhor nunca gostou da ideia de me ver como uma simples confeiteira.
— Queria que fosse como eu. Você é a mais inteligente e determinada. E sua escolha só me fazia lembrar da sua mãe. — Sua resposta me chocou, mesmo eu já sabendo a primeira parte. — Cada dia que passava, você parecia mais com ela: nos gostos, na aparência... E errei ao colocar as duas irmãs uma contra outra. Você me orgulha por insistir no que ama, por buscar o que deseja, e até na honestidade. Sua ida à Europa só me fez enxergar o meu erro. E não quero continuar errando.
Acreditei que, com certeza, isso era um sonho ou alucinação. Nunca havia visto o meu pai dizendo aquelas coisas, nem admitindo que errou.
— Ok. — falei, ainda desconfiada e com medo. — Me chamou aqui por isso ou tem mais coisa? — Esperei por uma mudança sua de humor ou crítica.
Confesso que não estava confortável com aquele seu lado amoroso. Na verdade, como nunca o tive, estava achando que era algum plano dele para descobrir um ponto fraco meu e me acertar em cheio.
Ele se levantou, saiu de trás da mesa e foi até mim, pedindo para que eu também me levantasse.
— Quero conversar mais com você, saber da viagem e, quem sabe, ajudá-la agora, que voltou. Se você quiser. — Com sua mão nas minhas costas, saímos do escritório e andamos até o hall de entrada, descendo as escadas. — Como falei, quero mudar e desejo apoiá-la em tudo.
— Isso ainda é estranho. Não quero parecer ingrata e sei que está se esforçando, mas quero começar o meu negócio do zero. — respondi, prestando atenção no caminho que fazíamos. Meu medo era cair e bater com a cara no chão. — Desde pequena venho pensando nisso e juntando o meu dinheiro. Pretendo trabalhar por um tempo na cozinha de um restaurante, só para completar com o que já tenho e, enfim, realizar o meu sonho.
Nós paramos e eu o observei antes de continuar a falar. Meu pai, naturalmente, tinha um poder no olhar que me dava medo. Ele não pareceu se importar ou ficar ofendido. Acreditei que estava achando que eu era tola por pensar daquele jeito.
— Pode parecer orgulho ou tolice, mas quero fazer isso sozinha, com meu próprio suor. E... Passamos tempo demais brigando por conta disso. Não achei que, algum dia, mudaria de ideia, então prometi a mim mesma que não precisaria do seu dinheiro.
Richard riu bem na minha cara. Pensei que era a hora de ele dizer que era tudo um teste, que me achava uma burra. No entanto, só riu e continuou me observando.
— Está rindo por me achar uma i****a?
— Estou feliz por você ser tão independente, mesmo que isso signifique que sou um péssimo pai. — Surpreendeu-me mais uma vez.
Dei um sorriso amarelo para disfarçar a minha desconfiança e estranheza. Com certeza aquilo era um sonho maluco.