Eu me arrumei para trabalhar, olhei pela janela um milhão de vezes, para ver se eu o via.
E a cada momento eu me convencia mais de que aquilo havia sido um sonho, patético, desesperado e vergonhoso! Mas ainda sim um sonho. Me repreendi, aquilo jamais deveria acontecer, era completamente inapropriado, ainda mais para alguém como eu, que jurou dizer a verdade dos fatos, estava agora me deixando levar por um cara que me ameaçou diretamente? Um louco criminoso!
O meu celular tocou em minha mesa, eu estranhei, mas me senti aliviada quando vi que era a Letícia. Vou dar um plano de fundo sobre ela, é minha melhor amiga. Um pessoa maravilhosa, e faz questão de mesmo sem querer, esfregar esses detalhes na minha cara vez ou outra. Dona de um corpo maravilhoso, ela saiu ou sai regularmente com metade da cidade, sem nunca se sentir culpada sobre isso, e com razão. Quantas vezes ela teve o coração partido? Muitas. Então era aceitável aquela atitude dela, o envolvimento emocional, como ela dizia, causava a ela certa alergia.
Atendi com felicidade na voz, eu não havia dito que estava desempregada, como eu contaria? Migrei de emprego? Parecia ser aceitável para aquela advogada impiedosa. p***a, mais um motivo para me esmagar debaixo do sapato Prada dela, ela tinha uma profissão respeitável, e eu garanto a vocês, não gostaria de enfrentar Letícia em nenhum tribunal do mundo, ela era uma fera... Raivosa e sempre pronta a atacar. E qualquer marido infiel da cidade sabia disso, se a sua esposa procurou Letícia Liamz, você provavelmente ia se f***r, e ia se f***r MUITO MESMO. Por isso a amava, brutalmente sincera, era o raio de luz no meio de tanta porcaria e sujeira mental.
- Oi, não me ligou mais... Achei que tinha morrido! - Falei com um tom cômico
- O que me conta de novo? Liguei para saber novidades, e não vem com choradeira por causa de artigo que eu desligo e só volto a ligar semana que vem!
- Ah vai se f***r Leti, vou te contar uma novidade.. Eu troquei de emprego!
- Trocou tipo, levou uma bicuda na b***a e foi obrigada ou você trocou mesmo por livre e espontânea vontade?
- E isso faz diferença? - Sim fazia, Letícia estava a anos me infernizando para que eu tomasse vergonha e finalmente me lançasse em novos desafios, então SIM, tinha toda a diferença.
- Tudo bem, não vou mais fazer pergunta difícil, Você me conta tudo hoje, a gente bebe em algum lugar e depois pede pizza aí na sua casa, que tal?
- O que houve? Não conseguiu alguém para detonar o coração na noite de hoje?
- Seja boazinha e aceite! Pode ser?
- Eu estava pretendendo me enterrar no meu sofá depois do trabalho, com uma tigela de pipoca para assistir Keeping Up With the Kardashians, se você não se importa...
- Eu me importo sim, eu fui a milhares de jantares e eventos daquele jornal de merda POR VOCÊ - A v***a tinha dado ênfase, que ódio - Então você vai se arrumar hoje e vai sair comigo. E me faz um favor, nada de terninho! Beleza?
- Tá bom Letícia, aonde e que horas?
- Te mando a localização e o horário depois, beijinhos... Eu amo você!
- Eu te amo mais.
Desliguei e me apressei, não havia tempo a perder de jeito nenhum, eu não poderia me atrasar para o meu primeiro dia.
Me olhei no espelho do saguão do condomínio antes de sair confiante, o carro já me esperava, e minha fatura do cartão de crédito também, depois de tanto pegar carro de aplicativos.
Quando finalmente entrei no prédio eu notei a quantidade de magrelas com terninhos caros e salto alto, eu ia demorar para me ajustar aquela realidade totalmente nova e inesperada para mim. Eu até ficava bem, mas no meio de um bando de gente feia. Aqui eu seria pisoteada sem dó. Na recepção um rosto conhecido, GRAÇAS A DEUS.
- Oi, desculpa te atrapalhar, mas é meu primeiro dia e...
- Não se preocupa querida, vamos entrando. - Eu a segui como um cão, era moça do RH, ainda bem que eu a encontrei dando sopa por ali. - Ali fica a sua sala, se instale e logo mando alguém vir falar com você, apresentar onde guardamos o café, sua chefe direta é a Raquel não é? Bom, nesse caso, alguém vem te apresentar onde guardamos bebidas, ou armas, você decide. Decore da forma que quiser, você passará muito tempo aqui. Ah... eu já ia me esquecendo, Seja bem vinda!
Ela saiu depois de me bombardear de informações, não tive nem a chance de pensar no que responder. A sala era diferente de qualquer coisa que eu já havia visto, ou não, já que se parecia com um filme que eu vi uma vez, era tão, mas tão linda! As paredes de vidro, a mesa decente, o fato de não ter mais que ficar dentro de um cubículo o dia todo... Era o sopro de ar fresco que eu precisava. Deveria agradecer o palhaço traficante? Talvez!
Quando sentei em minha mesa, apenas tirei da minha bolsa um porta retratos, uma foto minha e de Letícia de uma festa qualquer, quantas vezes me incentivou, e eu nem ao menos dei a chance de dizer ela que estava certa. Eu sorri para mim mesma, quando pensei em tudo o que passei para estar exatamente ali, aquele era o meu lugar.
Uma menina magra e alta entrou dentro da minha sala, loira demais para o meu gosto, ela se sentou sem ser anunciada, mas tudo bem, a novata era eu.
- Oi eu sou Raquel, você deve ser a moça nova... Desculpa?
- Laura, meu nome é Laura.
- Então, sou eu quem vai aprovar ou não suas matérias, e eu vou designar para você sobre o que vai escrever. Equipe de reportagem a disposição dia e noite, só me traga material de qualidade de verdade, três bolas fora e RUA, você vai seguir com a pesquisa de campo não é?
Eu estava atordoada, ela não me deixava falar nem por um momento.
- Então Laura, eu já tenho a primeira. Está tudo aqui, qualquer dúvida... Interpreta sozinha, por que eu não sou babá de jornalista beleza? O Luiz te ajuda no que precisar, quero essa matéria até sexta. - O olhar arrogante dela, me olhou dos pés a cabeça como se eu fosse nada e nem ninguém.
- Tudo bem Raquel eu me viro. - Eu ofereci um sorriso, que ela não retribuiu. Apenas saiu e me deixou falando sozinha.
Me debrucei sobre o trabalho, meu coração ficou a mil, quando li a p***a da ideia para a matéria, morro de novo? Cartel? Eu não poderia.
Senti o meu estômago revirar, não poderia dar conta daquilo, eu já havia sido pessoalmente ameaçada, como eu poderia subir lá de novo? A matéria havia sido publicada pelo jornal, eu não podia plagiar a minha obra, o que eu poderia fazer a seguir? Que inferno que era minha vida.
Um medo terrível me invadiu, eu tinha que desistir. Mas no primeiro dia? E se eu simplesmente dissesse que fui ameaçada? Talvez entendam, mas nunca saberia se não fosse sincera.
Me levantei confiante com o resumo nas mãos, e bati três vezes na sala de Raquel, que me olhou como se eu fosse o próprio d***o em pessoa.
- O que faz aqui novata? Não te avisei...
- A matéria, eu não posso... Eu.... - Gaguejei para falar.
- Você não dá conta? Tudo bem, passo para outra. Quando a Babi te contratou eu sabia que seria problema, você tem cara de quem questiona demais a chefia. Obrigada por me mostrar que mais uma vez eu estava certa!
- Não! Eu vou fazer a matéria! - Respondi em um misto de confiança com preciso pagar o aluguel.
- ótimo, boa sorte! - Ela sorriu cinicamente para mim.
Voltei a minha sala ainda petrificada, bem a tempo da mensagem de Letícia sobre o local e o horário.
Era bom, eu ia precisar tomar uma mesmo.
Uma não, talvez várias para aprender a lidar com um sentimento tão novo e único para mim.