ACORDA LAURA
Levantei mais um dia para trabalhar, e apesar de amar mais do que tudo o meu trabalho, às vezes me sentia tão sufocada dentro daquela realidade paralela onde eu vivia.
Tomei um gole de café para não me atrasar, com certeza não era fácil ver as coisas sob um prisma tão igual, mas eu tentava me manter otimista.
Mal cheguei a droga do escritório e minha mesa já estava cheia, milhares de crimes que precisavam ser noticiados de qualquer maneira, milhares de anunciantes precisando de aprovação, e meu editor chefe fazia vista grossa a essas urgências.
Uma matéria especifica está em cima da minha mesa a pelo menos duas semanas, a pessoa que foi morta nesse crime bárbaro já teve o seu corpo velado e enterrado sem que, o que de fato aconteceu, jamais viesse a público. Aquilo me enchia de ódio em um grau que não conseguia nem pensar direito.
Eu tenho esse defeito, o pior de todos... Nunca consigo ficar com a p***a da boca calada!
Bati na porta dele algumas vezes, esperava ser atendida o mais rápido possível.
- Entra... - Disse ele sempre de m*l humor, de certo modo ele sabia que eu iria reclamar de alguma coisa.
- Bom dia Amaral... Bom, vamos lá...
- Calma Laura! Sempre assim acelerada... Cara eu acabei de acordar e estou com uma ressaca do c*****o, então por favor, pega leve!
O meu patrão era um i****a, com todas as letras... Um verme rastejante que só ocupava aquele importante cargo ( que deveria ser meu ) porque era filho de alguém importante, um traste da pior espécie.
Eu m*l conseguia olhar para ele, aquele cheiro de bebida forte e de quem não tomava banho misturado a um cheiro adocicado de alguma prostituta me faziam enjoar.
- Amaral... a Matéria sobre o traficante... quero saber por que ainda não saiu para aprovação! Te mandei à duas semanas.
- Especulação Laura... Pura especulação, tudo o que o jornal simplesmente não pode ter nesse momento. Você nem sabe nada sobre esse tal "traficante" que você pintou como assassino, nem uma foto vinculada, você não tem nada! Só entrevistas e histórias!
- Você está brincando? O que você me diz da foto dos corpos? Pessoas claramente afirmando que existe essa violência por lá! Não é um traficante comum... Analisa o cara! É tráfico internacional, e quem sabe, algo pior ! Isso foi definitivamente queima de arquivo, eu tenho certeza! Fiz o meu trabalho cara, eu verifiquei fontes, fiz pesquisas, entrevistei pessoas e entreguei um arquivo bastante contundente! Por que você está ignorando tudo isso? Pensei que nossa função como jornalistas era entregar a verdade dos fatos! E não vender anúncio de biscoito no jornal!
- E é... claro que é! Mas ainda sim, precisamos pagar as contas do jornal no final do mês Laura, e aposto que sua matéria não fará isso. E outra, você tá mexendo com gente da pesada! Te orienta! Você ultrapassa esses limites sempre... Então não! Essa matéria não pode ser publicada, escreva sobre alguma coisa mais pé no chão, mais feminino... Que tal se eu te der um artigo sobre moda pra escrever?
Machista do c*****o!
- Mas Amaral... - Falei tentando ser algo que eu não era... doce!
- Não tem mais Laura , esqueça essa história e esqueça qualquer outra história que você esteja pensando em vincular a esse caso. Você entendeu?
Eu nem me dei ao trabalho de responder, estava tão irritada e frustrada... Todo o meu trabalho bem feito jogado as traças, simplesmente por um oportunista vagabundo de olhos esbugalhados.
Mas eu tenho contas a pagar, e ficar calada era essencial. Me sentei na minha mesa tão triste, me senti insignificante naquele momento.
Quando me formei em jornalismo, a duras penas, fui bastante criticada por minha família, que consideravam qualquer profissão, que não fosse da área financeira, algo totalmente sem objetivo e vergonhoso para a sociedade.
Triste e real.
E todas as vezes que me deparava com isso, com aquela realidade nua e crua da minha profissão, eu sentia que ia afogar em minhas próprias lágrimas.
Mas eu havia aprendido desde pequena a não chorar para fora, e sempre me deixar inundar por dentro, demonstrar qualquer reação de fraqueza era proibido para alguém como eu.
Então lidava com aquilo como conseguia.
Tinha uma raiva tão latente de qualquer traficante, que eu chegava a ofegar de ódio, não acreditava que eu jamais conseguiria colocar algo se quer contra essa maldito doente!.
Quando o dia finalmente acabou, me dirigi ao bar na frente do serviço, o ambiente era legal, eu adorava ir até lá, poderia fofocar a vontade com pessoas que não eram nada íntimas a mim sobre as insalubridades de nosso oficio. E enquanto eu bebia algo, as palavras saíam da minha boca sem que eu percebesse, ia ficando cada vez menos inibida.
Não sei se chamo atenção ou não, nunca parei para reparar nisso, não era exatamente o meu foco principal.
Era apenas algo que ficava desfocado em minha mente, quando eu levava algum homem para o meu apartamento, normalmente eles saíam pela manhã sem lembrar o meu nome. E isso para mim era perfeito, envolvimento emocional é uma bela merda, e estraga o que realmente é bom: sexo.
Se bem que, eu não sabia o que era isso tinha algum tempo.
Ah eu tive um noivo, um dia, um i****a de marca maior, daqueles que preferem ter uma mulher na cozinha e não na cama. E depois dele... Mais ninguém! Uma vazio que eu preenchia trabalhando sem parar, talvez um dia eu fizesse a minha estrela brilhar, mesmo que todo o resto fosse vazio e sem emoção.
Cheguei ao meu apartamento aquela noite cambaleando um pouco, liguei a televisão para assistir algo que estava passando naquele momento, algo confortável apenas para pegar no sono abraçada ao meu gato.
Bem da forma como minha mãe me disse milhares de vezes que eu acabaria, enquanto ela jogava na minha cara a vida bem sucedida de meu irmão mais velho, e o bom casamento que minha irmã havia conquistado com uma gravidez "acidental".
Todos viviam em completa harmonia, dentro dessa bolha de falta de conhecimento e comodidade.
Mas eu, Laura, não era assim! Não havia nascido para ser mais uma no mundo, e como qualquer mulher que se preze, eu tenho a maior boca do mundo para falar o que eu quiser, quando eu quiser. Mas é claro que ser forte o tempo todo tinha os seus percalços, e tinha que supera-los.
Passei os canais sem muito divertimento, a verdade é que eu estava procurando um fundo para o meu sono. Quando eu finalmente cai no sono , não consegui descansar, e como eu poderia?
Minha mente girava em torno daquela matéria maldita! Eu tenho certeza que aquele marrento desgraçado era envolvido com milícia, e que mataria ainda mais pessoas! Isso me assolava, será que um dia eu iria conseguir ver esse desgraçado atrás das grades?
Nunca tive sentimento de ódio, mas o sentimento de falta de poder diante de dinheiro e de posição, me levavam a uma loucura extrema!
Me levantei com dor no estômago, talvez fosse ódio, ou os coquetéis haviam caído m*l, e quando eu olhava sobre minha pasta e via minha matéria abandonada lá... Eu sentia um frio percorrer a minha espinha.
"Talvez essa seja a sua primeira impotência Laura, terá que se conformar" - Pensei.
Mas eu gostava mesmo era de me desafiar, e dessa vez não seria diferente.
Eu me arrumei confiante para o trabalho, o outro dia estava ali, lindo e cheio de possibilidades, que eu não conseguiria viver dentro da minha caixa de vidro, durante pelo menos nove horas do meu dia, em frente a um computador, com certeza. Não me deixariam mais investigar, quando sugeri aquela matéria, eu sabia, que sofreria boicotes de todos os lados.
Talvez eu tivesse que ter pensado em toda essa merda antes, talvez eu devesse ficar com a minha boca um pouco mais calada, talvez eu devesse sumir.
Era o que eu pensava enquanto respondia aos meus e-mails, era terrível a minha falta de habilidade em esconder o que eu sinto.
Voltei para casa, dormi, acordei e nada mudou.
Que ostracismo do c*****o!