Capítulo XIX

1809 Words
Quando chegou em casa naquele dia, João pegou a carteira e mostrou para Jandira. Ela leu e se espantou: - Ganhou aumento? - Ganhei. Aquele salário era do período de experiência, o salário do efetivo é esse aí. - Quando começar a receber, abre uma poupança. - A conta que o Ricardo abriu pra mim, é conta corrente e eu não vou pedir pra sair cedo de novo. - Então eu vou abrir no meu nome. - Faz isso. Está tudo em casa mesmo. - Parece que tem uma tal de conta conjunta, com mais de uma pessoa. Vou me informar e abro uma dessa. Assim fica no teu nome também. Se tiver que assinar alguma coisa, eu peço pra trazer pra casa e levo de volta no dia seguinte. - Tem muito tempo. Hoje ainda recebi o salário antigo, só na quinzena é que vem o novo. - O imposto de renda também vai ser enorme. Só aí vai mais de mil reais. - Mas o seu Renato falou, que porque eu tenho cinco filhos eles vão me devolver. - Se for verdade. Eu não conheço leis. - Mas ele conhece e eu acredito no que ele diz. Você mexeu naquele dinheiro que eu deixei no banco? - Não, ainda tá lá. - Vou te dar mil e quinhentos para as despesas, tirar algum pra ficar no bolso e depositar o resto com o que sobrou do mês. Se precisar de alguma coisa, usa o cartão. - Não vou precisar de nada. Mil e quinhentos, dá e sobra. As crianças estão sempre trazendo coisas para casa com o que ganham e quase não compro nada. - Isso não está certo. Eles não tem que sustentar a gente. Que guardem o dinheiro pra eles ou parem de trabalhar. Eu agora ganho o suficiente pra sustentar a família. - Você sabe que eles gostam de ajudar. O dinheiro da tarde é todo deles. Já compraram as TVs do quarto e as crianças adoram. Agora continuam juntando dinheiro para comprar não sei o que. - Mesmo assim, eu acho que não é justo. Se a gente precisasse, tudo bem. Mas a gente não precisa mais. Eles podem parar de dar dinheiro em casa. Vou conversar com eles. Quando as crianças chegaram, João chamou os dois e sentou com eles para conversar: - Até agora, vocês ajudaram muito com os carretos, trazendo as coisas pra casa e dando dinheiro a sua mãe, mas agora eu estou trabalhando e ganhando o suficiente para comprar o que for preciso pra casa e vocês podem parar de ajudar. Eu preferia que vocês parassem de trabalhar, mas eu sei que vocês gostam. Agora, o dinheiro é todo de vocês. Janaína falou: - Mas pai, a gente gosta de trazer as coisas também. - Mas não precisa mais filha. Gasta o dinheiro com vocês e não com a casa. - Aí vai perder a graça. Jonas falou: - Também acho. - Então não sei o que fazer. É que o papai teve aumento e não precisamos mais de ajuda. Vocês não tem vontade de ter as coisas? Junta o dinheiro pra comprar. - Nós já fazemos isso. E sobra dinheiro. As freguesas gostam da gente. E a cada dia trazemos mais dinheiro. - Mas as aulas vão começar e vocês não vão trabalhar mais a tarde por causa da escola. Quando começam? - Semana que vem. Atrasou por causa do carnaval. - Então está resolvido. A partir da semana que vem, vocês só vão de manhã e o dinheiro é todo de vocês. Só quero saber no que estão gastando. Não quero ninguém fumando e nem bebendo aqui. Jonas respondeu: - Tá bom pai. Eu detesto cheiro de cigarros e acho ridículo quem fala enrolado e troca as pernas pela rua. Pode confiar na gente. Resolvida a questão, foram se preparar para jantar. Jandira ainda dava comida para Joelma que se atrapalhava muito para comer e jogava mais comida fora do que comia. Assim que acabou de alimentar a menor, ela sentou com os outros filhos e com o marido para jantar. O jantar foi muito alegre com a notícia do aumento de João, as crianças estavam muito tagarelas e teve uma hora que João falou: - Vocês estão falando muito e comendo pouco. Comam antes que a comida fique gelada. As crianças calaram e só voltaram a conversar depois de todos os pratos estarem vazios. Depois da higiene, foram para os quartos assistir tv. Jandira acabou de limpar a cozinha e sentou ao lado de João para assistir a novela. Depois do jornal, foram deitar porque levantavam muito cedo. Quando chegou no trabalho, recebeu o recado que o patrão queria falar com ele. Subiu e bateu na porta do escritório. Entrou e perguntou: - O senhor mandou me chamar? - Queria te perguntar uma coisa. Você anda com a carteira de trabalho no bolso todos os dias? - Ando sim senhor. - É melhor deixar em casa e só trazer quando eu pedir. Senão vai acabar rasgando. - E se a polícia me parar? Vai pensar que sou vagabundo. - Pra isso tem o crachá. - Eu não tenho não. - Você não recebeu crachá ainda? - Não senhor. - Vou ver o que aconteceu e quando voltar da obra vem falar comigo de novo. - Sim senhor. - João saiu apressado para pegar o ônibus, mas ele já tinha ido levar a turma pra obra. O motorista não percebeu que João não estava nele. João voltou a sala de seu Renato e falou: - O ônibus foi embora e eu fiquei. - Será que ninguém avisou ao motorista que você estava comigo no escritório? - Parece que não. - Hoje eu não podia sair daqui. Você não sabe chegar na obra? - Sei. - Então vou te dar o dinheiro da condução e você vai. Se o mestre perguntar o porquê do atraso, explica que estava comigo e ninguém avisou o motorista. Senão ele não vai deixar você trabalhar. - Eu tenho cartão de passagens. - Esse é pra você vir trabalhar e ir pra casa. Tá aqui o dinheiro. João saiu e rapidamente chegou ao ponto de ônibus. Sabia chegar porque já estava a meses naquela obra e já sabia os ônibus que passavam por lá. Pegou a condução e quando chegou o mestre não queria deixar ele subir. João explicou: - O seu Renato me chamou no escritório e não avisaram o motorista. Eu estava na construtora e foi seu Renato quem me mandou vir. - Pode subir então. João chegou e começou a trabalhar junto com os outros. Na hora do almoço, todos desceram e ele ficou terminando sua tarefa. Quando desceu para almoçar, o mestre perguntou: - Aonde você estava? - Estava terminando a minha tarefa da manhã. Eu cheguei atrasado na obra hoje. - Mas não foi culpa sua. Sobe mais tarde depois do almoço. - Aí eu vou atrasar a tarefa da tarde. - Amanhã você termina. Foi seu Renato que te atrasou. Hora de almoço é sagrada. - João já tinha terminado de comer, quando acabou o horário de almoço de todos. Perguntou para o mestre: - Posso subir? Já acabei de comer e preferia terminar com o serviço de hoje. - Você gosta mesmo de trabalhar! Pode, mas se sentir alguma coisa, para pra descansar um pouco. O serviço é pesado e você acabou de comer. - Pode deixar, estou acostumado. - Subiu junto com os outros e trabalhou normalmente até a hora do lanche. Só tomou um cafezinho, estava sentindo o estômago muito cheio ainda. Depois do café, continuou sentado até a hora de subir de novo. Agora a digestão estava sendo feita normalmente. De volta a construtora, foi falar com seu Renato, como ele tinha mandado. Bateu na porta e quando entrou o mestre estava falando com ele. Pediu desculpas e ia saindo quando o patrão lhe chamou: - Entra João. O mestre estava me contando que você compensou o atraso da manhã no seu horário de almoço. Você não tinha que fazer isso. O ônibus não esperou você acabar de falar comigo e você não teve culpa no atraso. - É que eu não gosto de deixar tarefa sem terminar. - Mas na hora do lanche não estava se sentindo bem. - Eu estava bem sim. Só não estava com fome. O mestre falou: - Você estava passando m*l que eu vi. Estava suando muito e esbarrei em você de propósito e você estava muito gelado. - Acho que comi depressa demais e parecia que eu tinha comido um boi. Seu Renato explicou: - Sua digestão estava parada. Seu serviço é muito pesado para você acabar de comer e ir trabalhar sem um descanso. O mestre falou: - Eu mandei ele descansar, mas ele quis subir junto com os outros e estava acostumado. Seu Renato pediu: - Não faça mais isso. Coma com calma e descanse. Poderia ter tido uma congestão. - Só não queria atrasar o serviço. - E poderia ter morrido por causa disso. Aqui está o seu crachá. A partir de hoje, o ônibus só sai daqui quando eu disser que pode. - Eu não queria aborrecer vocês. - Não estamos aborrecidos com você. Mas você poderia ter morrido. Você ainda é muito novo e tem cinco filhos pequenos. Precisa ter mais cuidado. - Não vai acontecer de novo. - Vai pra casa descansar e se sentir mais alguma coisa, toma um anti-acido. - Depois do café eu fiquei melhor. - Porque o café ajuda na digestão. Pode ir agora. Até amanhã. - Até amanhã. Depois que ele saiu, o mestre comentou: - Parece que nome desse cara é trabalho. Trabalha mais que qualquer um na obra e o serviço dele é perfeito. - Eu já tinha notado. E sabe que é analfabeto? - Não brinca! Ele fala direito. - A esposa estudou um pouco e os filhos estão na escola. Na certa ensinaram. É muito amigo de um amigo meu. Foi ele que me pediu a vaga. Parece que chegou a passar fome com as crianças. Vivia de b***s. - Um profissional desse gabarito passando fome? Custo a acreditar. - Foi muito explorado por pedreiros. Mas pelo menos aprendeu a profissão e agora é o melhor pedreiro que eu tenho. - Eu gosto do trabalho dele. E não bebe e nem fuma. Os outros, param pra fumar, ele não interrompe trabalho nem pra ir ao banheiro. - Vai ficar com a gente muito tempo. Talvez se aposente conosco. - Tomara! Mas devia ter me obedecido e subido mais tarde. - Não foi por teimosia, foi porque gosta do que faz e quer fazer perfeito e terminar a tarefa. Amanhã avisa ao motorista que ele só sai com o ônibus, quando eu liberar. - Eu aviso. Até amanhã. - Até amanhã.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD