Capítulo XVIII

2000 Words
No dia seguinte, Jandira arrumou as crianças e ia saindo, quando Renata perguntou: - Vai sair com eles? - Vou na associação pedir um comprovante de residência para o João abrir uma conta no banco. A empresa está pedindo. - Vou com a senhora então. Ajudo a olhar eles. - Então vamos. Chegaram na associação e logo o papel estava nas mãos de Jandira. O presidente da associação perguntou: - Pra que é o papel? - Foi o trabalho dele que pediu. - Mas ele já levou uma para o trabalho. Mudou de emprego? - Não. É que tem que abrir uma conta no banco e estão exigindo comprovante de residência. - Tá aí o papel. Pode levar. Eu soube que a casa de vocês ficou muito boa. - Ficou sim. O pessoal caprichou. - Mas segundo eu fiquei sabendo, o pessoal recebeu para trabalhar. - O João deu uns trocados a eles sim. Foi a pessoa que fez a campanha que mandou ele dar. - Quem é essa pessoa? Aqui tem muita gente que precisa de ajuda. - Isso eu não posso dizer. Nós não pedimos nada. Ela fez porque quis e eu não tenho autorização de dizer quem foi. - Isso é egoísmo. - Eu estou lhe dizendo que nós não pedimos nada a ela. Ela fez porque tomou amizade primeiro pelas crianças e depois por nós. Eu não vou dizer quem é, porque vocês vão ficar batendo na porta dela pedindo coisas. - Tá bom. Eu vou descobrir. - Isso é ser interesseiro. Virou as costas e foi embora. Renata que estava com Joelma no colo, a seguiu e comentou: - Se ele descobrir o casal que ajudou vocês, não vai dar mais paz a eles. - Vou mandar recado para a dona Marisa evitar de vir aqui, pelo menos por um tempo. - Se a senhora quiser eu vou lá e explico pra ela. - Coisa muito chata, ter que pedir uma pessoa pra não vir mais na nossa casa. - Por isso eu estou falando, eu vou lá e explico a situação e ela faz o que achar melhor. - Faz esse favor. O Seu Ricardo, vai vir aqui buscar o papel. - Eu levo e deixo com a dona Marisa. - É melhor. Renata apanhou o papel e seguiu para casa de Dona Marisa. Tocou o interfone e Marisa veio atender. A moça explicou: - Nós fomos na associação pegar o papel e o presidente queria saber quem estava ajudando a família da dona Jandira. Quando ela se negou a dizer, ele chamou ela de egoísta e falou que outras pessoas alí precisavam de ajuda. E que ele ia descobrir quem era. A dona Jandira pediu pra senhora evitar de ir lá. - Eu não vou evitar de ir num lugar que me sinto bem. Me leva nessa associação que eu vou colocar esse presidente no lugar dele. - Vão ficar batendo na sua porta toda hora. - Não depois do que ele vai escutar. Marisa pegou o carro e Renata indicou o caminho. Chegando na associação, pediu pra falar com o presidente. Assim que ele se apresentou, Marisa falou: - Sou eu quem ajuda a família do seu João e não adianta bater na minha porta para pedir nada. Faço por quem eu quero e acho que merece. Não dou licença de ninguém me procurar para pedir nada. - Mas aqui tem muita gente pobre que merece ajuda. - A família do seu João era a única que morava numa casa de três cômodos. Todas as outras casas daqui são grandes e não vou dar nada a ninguém. Quando vi aquelas crianças trabalhando, fui verificar se estavam sendo vítimas de pais exploradores e viciados. Encontrei uma família sofrida, cujo o pai analfabeto vivia de b***s e crianças que nem sempre tinham uma comida decente para comer. Eles nunca me pediram nada. Por isso eu ajudo e seu João não fuma e nem bebe. E faz o que pode pelos filhos. Agora está bem empregado e não precisa mais da minha ajuda. Mas vou continuar visitando eles e não quero ser incomodada. Fui clara? - Foi sim senhora, ninguém vai bater na sua porta. Para Renata: - Vamos embora. Quando entraram no carro, as duas caíram na gargalhada. Marisa perguntou: - Viu a cara que ele ficou? - Vi. A senhora colocou ele no lugar dele. - Não é porque ajudo uma família que sou obrigada a ajudar outras. Se eu encontrar uma família nas mesmas condições e resolver ajudar é problema meu, mas por imposição não. Se seu João tivesse vícios, eu não teria ajudado também. - Os únicos que não bebem e nem fumam por aqui, são Seu João e meu pai. O resto, todo mundo enche a cara. - Mas vocês precisam de alguma coisa? - Não. Meus pais trabalham e ganham bem. - Ainda bem. Se vocês precisarem de alguma coisa, podem ir lá em casa, mas gente que bebe eu não ajudo. Gastam no botequim o que deviam gastar no supermercado. - Isso é verdade. Marisa parou o carro na porta de Jandira e tocou a campainha. Renata foi pra casa. Jandira veio atender e perguntou: - A Renata não passou na sua casa para dar o meu recado? - Passou sim e já resolvi o problema. Coloquei aquele presidente da associação no lugar dele. - A senhora falou com ele aonde? Ele foi na sua casa? - Não. Eu é que fui na associação e me apresentei. - Agora, a senhora vai ficar se aborrecendo com gente toda hora na sua porta pedindo coisas. - Não vou não. Falei pra ele que quem ajudou vocês fui eu. Mas porque vocês merecem e não tem vícios. São trabalhadores que não deram muita sorte e nunca me pediram nada. Que mesmo eu tendo condições, não sou obrigada a dar nada a ninguém e proibia de qualquer pessoa me procurar para pedir alguma coisa. Que se eu ajudasse mais alguém, seria porque eu achava que a pessoa merece e seria uma escolha minha e não aceitava a imposição de ninguém. - Ele deve ter ficado uma fera. - Não gostou de ouvir, mas não veio de grosseria. Engoliu a raiva e não disse nada. Eu não vou ajudar uma família que gasta no botequim o que devia gastar no supermercado. Não tenho intenção de patrocinar o vício de ninguém. E nem vou deixar de vir aqui. Gosto muito de vocês e me sinto bem quando estamos juntos. - Obrigada. Eu fiquei com medo da senhora ter problemas com gente na sua porta toda hora. - Ele já foi avisado. Ninguém vai bater lá e nem me procurar aqui. Pode ficar tranquila. Esse assunto está encerrado. E fica com o papel, que o Ricardo vem buscar aqui. Não é bom ele saber dessa história. - Tá bom. Não quer entrar para um cafezinho? - Não. Quando a Renata falou comigo, saí do jeito que estava e tenho coisas para fazer em casa. - Desculpa, se atrapalhei a senhora. É que fiquei com receio da senhora se aborrecer atendendo gente pedindo toda hora. - A idéia dele era essa. Mas, agora não vai mandar ninguém lá, até porque eu disse que se eu tiver que ajudar mais alguém, será por escolha minha e eu não ajudo gente que tem vícios. E pelo que a Renata me disse, aqui todos têm. Agora eu vou pra casa, que o serviço está parado. Logo depois do almoço, Ricardo foi apanhar o papel com Jandira, e ficou em casa fazendo hora para ir encontrar com João. Na hora marcada, pegou João e levou ao banco, aonde abriram a conta. João depositou o dinheiro, apesar de não ser cobrado nenhum depósito inicial e recebeu um cartão provisório para movimentar a conta. Ricardo ensinou ele a fazer o depósito no caixa eletrônico e deu algumas explicações de como usar o cartão para sacar o dinheiro, quando precisasse. João perguntou: - Nesses caixas que tem na farmácia e no supermercado, também dá pra mexer? - Dá, mas você não pode esquecer a sua senha. - Não vou esquecer não. Coloquei a data do dia que conheci a Jandira e a gente começou a namorar. - Não deve falar para ninguém a senha. Qualquer pessoa pode sacar com ela e o cartão. - Só a Jandira vai saber. Pode deixar. Os colegas me disseram que era pra não colocar a data do meu nascimento porque tava muito na cara, mas do começo do namoro, ninguém sabe. Ricardo deixou João em casa e foi para a sua. João entrou, e falou para Jandira: - A conta foi aberta, e eu depositei mil reais. O cartão está aqui. Guarda e se precisar, você tira na farmácia ou no mercado. A senha é o dia, mês e ano que começamos a namorar. - E você lembra? - Claro que eu lembro, e só nós dois sabemos. - Vou guardar aonde só eu mexo. Mas não vou precisar de dinheiro não. Temos tudo em casa e com fartura. Se precisar comprar alguma coisa, compro com o dinheiro que você me deu ontem. Vai durar até o próximo p*******o. - Eu também fiquei com dinheiro, mas não tenho gastos, só uma fruta ou verduras para os meninos. As crianças ainda não vieram? - Você deixou eles ficarem até começar a escurecer, você chegou mais cedo hoje. - É que fui com o Ricardo ao banco e até que resolvemos rápido. Ele me ensinou a mexer no caixa eletrônico. Esse cartão paga compras também. - Deixa esse dinheiro lá. Não estamos precisando dele. - Quem tem crianças em casa, nunca sabe quando vai ter uma emergência. Mas eu ainda acho que precisamos de mais um banheiro aqui. É muita gente para um banheiro só. - Você cismou com isso! - É chato chegar da praia e fazer fila para o banho. - Mas pra fazer outro, vai ter que mexer no encanamento de esgoto. - Ou fazer outro caminho que também vá até a caixa. - Vai gastar muito dinheiro. A gente não vai a praia sempre, vamos nos contentar com o que temos. E olha que temos muito. Quando imaginamos que teríamos uma casa assim? - É verdade. A casa ficou uma beleza. Até as crianças ficaram mais confortáveis. Temos que agradecer a Deus. Passaram um fim de semana calmo. Choveu os dois dias, e a família ficou em casa. Nem as crianças foram para o mercado fazer carretos. Na segunda-feira, ainda chovia quando João saiu para o trabalho. O tempo correu e logo João estava fazendo três meses no emprego. Foi chamado por Seu Renato, que disse: - Seu tempo de experiência acabou. Trás a sua carteira, que você vai ter aumento de salário. - Vou ganhar mais? - Esse salário que você recebia era do período de experiência, o do profissional efetivado é o dobro. - Eu vou ganhar o dobro? - Vai. Trás a carteira amanhã que precisamos anotar o aumento nela. - A carteira está aqui comigo. - Então me dá, logo mais, quando vier da obra, eu te entrego. João não estava acreditando. Ainda ia ganhar mais. Foi trabalhar mais feliz ainda naquele dia. Até os colegas perceberam. Um mais chegado perguntou: - O que houve João? Tú tá rindo o tempo todo? Mais um bebê a caminho? - Não. Já tenho cinco e chega. A mulher toma remédio. É que tive aumento de salário. - Já acabou a tua experiência? - Já. Fiz três meses há mais de dez dias. - A empresa só paga o salário de profissional depois da experiência. Todos nós tivemos aumento quando terminou. É regra. - Mas eu não sabia e já estava satisfeito com o salário antigo, agora então é pra rir o tempo todo mesmo. - Que bom. Nós estamos aprendendo muito com você. Você trabalha muito bem e agora é efetivo. Não vai deixar a gente tão cedo. - Espero que não.
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