Capítulo I
Uma moradia comum que abrigava sete pessoas em apenas três cômodos. Apesar das dificuldades, era uma família feliz, porque o principal, não faltava naquela casa.
Os pais, criados sem instrução, faziam de tudo para nada faltar, mas não tinham preparo para alcançar um bom emprego, assim se viravam como podiam.
João, o pai, fazia b***s de ajudante de pedreiro, quando aparecia trabalho e a mãe, Jandira, a mãe, as vezes conseguia alguma faxina ou roupas para passar.
De certo, não tinham nada. Todo o dia que amanhecia, era uma nova luta a ser vencida.
Dos cinco filhos, três ainda não haviam completado cinco anos de idade. Os mais velhos, ainda tinham pouca idade para ajudar. Mas havia uma criança que logo cedo, começou a procurar uma maneira de arrumar algum dinheiro.
Tinha apenas sete anos de idade, mas já carregava bolsas, lavava loucas e tomava conta de crianças menores, em troca de algum trocado ou algum mantimento para levar para casa.
Na primeira vez que chegou em casa com dinheiro, a mãe preocupada, fez a menina lhe levar até a casa da mulher que lhe havia p**o para ajudar a carregar algumas bolsas de compras até em casa, para conferir a versão da menina.
Como a mulher, confirmou que havia dado o dinheiro a criança por merecimento, a mãe satisfeita, passou a dar mais liberdade a menina para sair em busca de alguma coisa para fazer. Mas não abria mão de que ela continuasse a frequentar a escola. Não era porque não tinha estudado, que ia querer a mesma vida de sacrifícios para os filhos.
O irmão de Janaína, a menina, vendo que ela conseguia levar algum dinheiro para casa todos os dias, se animou em procurar alguma coisa para fazer também, afinal era mais velho que ela e se ela podia trabalhar para ajudar em casa, ele, menino e mais forte devia fazer o mesmo.
Assim o casal de irmãos, passou a sair todos os dias.
Ficavam na porta do supermercado, aguardando a oportunidade de arrumar alguma compra para carregar.
Aos poucos, foram ganhando a simpatia dos fregueses e até dos empregados do supermercado.
Todos os dias, ganhavam alguma coisa para levar para casa.
Gostavam muito, quando ao invés de dinheiro, ganhavam alguma compra.
Muitas vezes, os gêneros que recebiam, eram coisas que não entravam em sua humilde casa e se tornava dia de festa.
Uma das freguesas, chamou Janaína para entrar em sua casa, quando chegaram com as compras, para ajudar a guardar as coisas e lavar alguma louça que estava na pia.
Deu a Jonas, o menino, uma bolsa com compras pelo carreto, e levou Janaína até a cozinha.
Janaína ficou espantada com o luxo da residência e enquanto guardava as coisas e lavava a louça, a freguesa puxou conversa:
- Você e seu irmão estão todos os dias na porta do supermercado. Vocês não estudam?
- Vamos pra escola a tarde, dá pra fazer alguma coisa pra ganhar dinheiro de manhã.
- E os pais de vocês? Eles trabalham?
- Meu pai trabalha em obra, quando tem e minha mãe faz limpeza e passa roupas de vez em quando. Não aparece trabalho todos os dias.
A mulher ficou mais tranquila, percebendo que era apenas um caso de gente muito pobre, mas parecia que tinham dignidade suficiente para correr atrás de serviço. Tinha ficado com medo, que aquelas crianças, estivessem sendo vítimas de pais, que para sustentarem seus vícios, os tivessem explorando.
Marisa, era assistente social e trabalhava junto ao Conselho Tutelar. Sabia que trabalho, para criança daquela idade, não era permitido, por lei. Mas como proibir aqueles dois irmãos de trabalhar honestamente, para ajudar a família, os condenando a passar fome?
O trabalho infantil era proibido, mas nada se fazia para ajudar as famílias carentes.
Portanto, decidiu fazer vista grossa e continuar ajudando conforme pudesse.
Quando Janaína acabou com o serviço, deu uma boa quantia de dinheiro a ela e avisou que sempre que tivesse alguma coisa para fazer na sua casa, iria lhe chamar lá na porta do supermercado.
Janaína foi para casa contente. Não queria continuar trabalhando com aquele dinheiro no bolso e pretendia deixar o dinheiro com a mãe e sair de novo, para carregar mais algumas bolsas.
Quando chegou em casa, a mãe estava toda satisfeita com as compras que havia recebido das mãos do filho.
Quando Janaína lhe entregou o dinheiro que havia recebido, ela nem acreditou em tanta sorte.
Na bolsa havia um pouco de cada coisa dos mantimentos que eram tão necessários em uma refeição que alimentasse.
Arroz, feijão, óleo, açúcar, café e alguns enlatados, o que já daria uma festa. Resolveu guardar o dinheiro, para comprar um frango para domingo.
Não queria que os filhos voltassem para a porta do mercado naquele dia. Já tinham ajudado bastante, mas os pequenos, alegando que estavam em dia de sorte, voltaram para lá e depois de algumas horas, voltaram entregando mais alguns trocados para a mãe e uns pacotes de biscoitos que haviam ganho.
Na hora que João chegou, também entregou um dinheiro para Jandira. Ela estranhou, porque sabia que o companheiro só recebia aos sábados.
Ele explicou que havia limpado uma caixa d'água na hora do almoço e tinha recebido na hora.
Jandira exclamou:
- Hoje foi um dia de sorte aqui. Os meninos ganharam uma bolsa de compras e dinheiro com os carretos de hoje. Temos até feijão, arroz e salsicha para comer.
- Eu não gosto que eles trabalhem. É contra a lei.
- Eles fazem porque querem. Nós não obrigamos.
- Pra lei, isso não conta.
- Eu também não gosto. Mas desde que começaram, estamos comendo melhor.
E foi até o seu fogão de lenha, que João havia feito, ultimar a refeição da família.
Naquela noite, todo mundo dormiu pesado. A fraqueza tinha dado em todos.
No dia seguinte, João saiu para trabalhar, agradecendo a Deus pela família que tinha. Não era nenhum vagabundo. Somente não tinha nascido em uma família bem constituída e não tinha estudado. Era filho de viciado em drogas e tinha passado muita fome.
Tomou horror a elas, tanto que nem fumava.
Ver seus filhos, tão pequenos, trabalhando, ao mesmo tempo lhe enchiam de orgulho, como lhe davam uma impressão de fracasso.
Queria poder ser o protetor de todos. Aquele que levava tudo pra casa.
Mas sem instrução, só conseguia b***s para fazer. A única
coisa que lhe restava era se resignar. Pelo menos as crianças gostavam do que faziam.
Saíam para porta do mercado todos os dias, sorrindo como se o trabalho fosse uma brincadeira.
Nos dias que seguiram, a sorte continuou e tanto as crianças como o pai, conseguiram uma quantia que não era normal entrar naquela casa.
Estavam se aproximando as festas de fim de ano e o supermercado estava sempre cheio.
Assim como a quantidade de caixas d'água que apareceram para limpar foram muitas.
O dono da casa aonde havia feito a primeira limpeza, comentou com os vizinhos e muitos procuraram João, solicitando o serviço também.
Chegou em casa mais tarde diversas vezes, porque limpava uma na hora do almoço e outra depois do expediente.
Assim, todos os dias, estava levando dinheiro para casa.
Um dia, chamou Jandira e falou:
- Este mês, ganhei muito mais e quero que você compre roupas e calçados para você as crianças. Tá chegando o Natal e quero que eles tenham roupas novas.
- Já tinha pensado nisso. Amanhã mesmo eu compro. Ainda bem que vocês estão dando sorte, porque eu não tenho conseguido nada. Parece que todo mundo passou a limpar a própria casa e passar as suas roupas. Até aquela madame que me chamava sempre, nunca mais deu sinal de vida.
- Esse é o risco de trabalhar por conta própria. Nem sempre aparece serviço. Agora no final de ano, tem muita obra. Mas quando o ano terminar, as obras vão diminuir e vai vir o tempo de passarmos necessidade novamente.
- Pelo menos, o carreto dos meninos é o ano todo.
Já prevendo que no princípio de ano ninguém fazia obras, João passou a guardar parte do dinheiro que estava ganhando para quando ficasse parado, não faltar pelo menos o essencial dentro de casa.
Ficava muito triste, quando um filho pedia alguma coisa que não podia dar.
Resolveu que guardaria o dinheiro de uma limpeza de caixa para o tempo das vacas magras.
Ao mesmo tempo, Jandira fazia a mesma coisa. Gastava só uma parte do dinheiro que estava entrando.
Pelo menos o teto, era próprio. Participaram de uma invasão e todos juntos haviam construído em mutirão, antes que fossem obrigados a sair.
Apesar de estar entrando mais dinheiro dentro de casa, Jandira continuou a fazer a comida simples que estavam acostumados, reservando para os domingos, o luxo de um frango ou um pedaço de carne.
As crianças ganhavam bastante biscoito e o café da manhã estava garantido.
Não falou ao companheiro que estava guardado dinheiro, porque sabia que iria entristece-lo. Ele ficava muito deprimido quando não arrumava trabalho.
Quando aparecia algum para ela, Jandira tinha que deixar as crianças nas mãos das vizinhas ou na associação de moradores. Todos os meses, pagavam uma pequena quantia para a manutenção da associação e nela, tinha uma sala que ficavam as crianças enquanto os pais trabalhavam. Só tinham que levar o lanche de casa. Lá não ofereciam comida.
Mas ainda era melhor do que deixar com as vizinhas, que cobravam a metade do que ela ganhasse. Porém as crianças não gostavam de ficar lá.
Janaína e Jonas não ficavam na casa de ninguém. Iam para o trabalho logo cedo e quando dava a hora da escola, tomavam banho e vestiam o uniforme sem ter que ninguém mandar. Comiam na escola.