Quando João chegou em casa, estava preocupado e foi logo ver a menina.
Viu que estava bem e foi encontrar com Jandira na cozinha.
- Me deram o dinheiro das passagens que gastei nessas duas semanas e pra pagar a condução até o fim do mês.
Estava pensando em ir a praia domingo. O que você acha?
- Estamos devendo isso as crianças. Naquele dia, acabamos tendo que ir pra Quinta. Vamos sim. E nem precisa comprar refrigerantes. Sobrou muito do churrasco e eu não deixei eles tomarem durante a semana.
- Agora a gente pode comprar alguma coisa por lá. Não precisamos levar nada.
- Eu ainda não mexi no dinheiro do churrasco do ano novo e daqui a uns dias, o mês acaba e eu vou receber.
- É. Nossa vida mudou muito.
- Eu queria que a Janaína e o Jonas parassem de ir para o mercado, mas eles gostam tanto.
- E foi indo para o mercado, que conheceram a Dona Marisa e nossa vida mudou.
- É verdade. Se não fosse isso, estaria parado e desesperado agora com a falta das coisas.
- Deixa eles. Se divertem e ganham o dinheirinho deles. Sempre ajuda em alguma coisa.
- Mas eu agora estou ganhando bem!
- Mas eles gostam de ir. E se sentem bem dando uma parte do dinheiro para ajudar nas despesas da casa.
- Como assim? Uma parte? O que fazem com o resto?
- Compram o que tem vontade. Um dia traziam carne, no outro frango, frutas, coisas assim.
- E agora que tem tudo em casa, o que estão fazendo com o dinheiro?
- Estão guardando para se precisar de alguma coisa. Já tem um bom dinheirinho guardado. O Jonas falou que vai comprar uma televisão de segunda mão para o quarto dele e do Júnior. A Janaína gostou da idéia e quer uma também.
- E dá pra tudo isso?
- Essas tvs antigas são baratas. Daqui há pouco eles vão ter o suficiente.
- Ainda bem que não pagamos luz, senão meu salário não ia dar.
- É estranho que a companhia de luz ainda não esteve aqui. Isso aqui não é favela.
- Vai ver eles não sabem disso.
Quando os irmãos chegaram, João avisou da ida a praia naquele domingo. Todos ficaram muito animados.
Domingo, saíram cedo e foram para a Avenida Brasil, pegar o ônibus. Tinham convidado Renata para ir com eles e ela estava ajudando a carregar as coisas, que acabaram levando.
João pagou as passagens da moça e ela lanchou com eles.
As crianças pediram sorvetes e João comprou para todos.
No fim da tarde voltaram para casa.
Renata agradeceu pelo dia e entrou em casa.
Na disputa pelo banheiro, João falou:
- Acho que precisamos de mais um banheiro. É muita gente pra um banheiro só.
- Não inventa moda. Tá pensando que está rico?
Jandira acabou de falar e foi dar o banho em Joelma, depois foi a vez de Júnior. Os outros tomavam banho sozinhos.
De vez em quando, ela verificava atrás das orelhas e outros pontos, para ver se estavam se lavando direito.
Depois das crianças, Jandira tomou seu banho e foi para a cozinha preparar o jantar, enquanto João tomava seu banho, na saída, perguntou:
- Você acha que numa casa de sete pessoas, dois banheiros é luxo?
- Não é luxo, mas a gente se vira com um mesmo. Não inventa obra de novo. Tudo está muito caro.
- O mais caro é a mão de obra. Isso você tem de graça.
- Vai chamar o pessoal para mutirão de novo?
- Um banheiro eu faço sozinho. Até a fundação eu faço. Nao
pretendo fazer muito grande, mas com chuveiro e vaso para uma necessidade.
- Tá, compra o material que eu te ajudo.
- O único problema é aonde fazer. Vai ter que ser no quintal.
- E a caixa para o esgoto?
- Você tem razão. Vamos nos virar com um só.
Jantaram e foram deitar. Todos estavam cansados, mais muito felizes com o passeio.
E não tinha saído caro.
De vez em quando ia programar passeios com as crianças.
Até Janaína e Jonas tinham se divertido.
Começou outra semana e na quinta-feira, João foi chamado para receber o p*******o.
Seu Renato falou:
- Foram dezessete dias de trabalho, mil e setecentos reais, menos o INSS que foi cento e trinta e seis, sobrou mil quinhentos e sessenta q quatro. Pode conferir. Você conhece dinheiro.
- Conheço sim senhor, e já sei assinar também.
- Então assina, mas vai ter que botar o dedo também, porque foi isso que você pôs no livro. Para a justiça do trabalho, o que conta agora é o dedo. Mês que vem, basta assinar. Gostou de ter aprendido?
- Gostei muito. Ela vai me ensinar a ler.
- Como ela fez?
- Escreveu o meu nome num papel e mandou eu copiar um monte de vezes. Até eu fazer sem olhar o papel que ela tinha feito.
- Não é a maneira tradicional, mas deu certo. Parabéns. Aqui está o cartão das passagens. Sabe usar?
- Não.
Pegou o cartão, virou e mostrou a ele.
- Você encosta esse lado aqui na máquina que tem perto da roleta. Tem o lugar certo para encostar. Se você se atrapalhar, pede ajuda a alguém.
- Pode deixar. Mas e a comida, não é descontada e nem as passagens?
- Não. Isso é despesa da construtora. Mês que vem, você vai ser descontado em imposto de renda, trinta por cento do que passar de dois mil reais, mas como tem muitos dependentes, ano que vem recebe tudo de novo, de uma vez só.
- Imposto caro esse. Trinta por cento?
- É. Eu também acho caro, mas praticamente vai ser compensado pelo salário família. A diferença vai ser pouca. Menos de cem reais.
- Não estou reclamando, mas achei um imposto muito alto.
- Mas ano que vem, você vai receber de volta. E vai ser mais do que o seu salário aqui.
- Isso é bom!
- Vai ser como se você tivesse fazendo uma poupança. Nosso contador faz a declaração de todos os empregados daqui de graça. Você não precisa se preocupar com nada. Só tem que abrir uma conta em banco.
- Vou pedir pro Ricardo me ajudar. Nunca tive uma conta.
- Com certeza ele te ajuda, se não eu mesmo te levo no banco e a gente abre.
- Mas o banco só funciona quando estou trabalhando.
- Fecha quatro horas. Se você sair na hora do café da tarde dá tempo.
- Eu não gosto de faltar e nem de sair cedo.
- Mais é preciso. Eles só devolvem o dinheiro a quem tem conta.
- Depois a gente vê isso. Era só isso?
- Era. Pode ir, que amanhã também vai ser puxado. E estou fechando outra obra pra fazer logo depois dessa. Um shopping center de três andares, fora garagem subterrânea.
João chegou em casa e deu o dinheiro a Jandira. Ela olhou o contra cheque e perguntou:
- Vai me dar o dinheiro todo? E você?
- Eu tenho o dinheiro do churrasco. É incrível, mas até agora não consegui gastar esse dinheiro. Parece que ele se apegou a mim e não sai.
- Você tem cada uma. Dinheiro não se apega a ninguém. As pessoas é que se apegam a ele.
- Tenho que pedir um favor ao Ricardo. Vou tomar um banho e vou lá falar com ele.
- O que é?
- O seu Renato, mandou abrir uma conta no banco pra receber a devolução de imposto de renda. A partir do mês que vem, vou ser descontado, mas como temos muitos filhos, vão me devolver depois de um ano.
- Pra abrir conta, é preciso fazer depósito.
- Você sabe de quanto?
- Não sei, mas não é pouco não. Deve estar uns mil reais.
- Eu tenho esse dinheiro e ainda sobra.
- Dá pra fazer as tuas despesas até o final do outro mês?
- Claro que dá. Estou com o cartão de passagens e faço as refeições no trabalho. Não preciso de dinheiro pra nada.
- Isso é porque não tem vícios. Se bebesse ou fumasse não ia dar.
- Deixa eu tomar banho, que vou falar com o Ricardo.
Depois de se arrumar, foi na casa de Marisa e Ricardo veio atender. Explicou a ele e ele disse:
- Posso ir sim. Marca o dia e eu te apanhou na obra as três.
- Você sabe quanto precisa?
- Cada banco tem um valor diferente, e tem banco que nem pede depósito inicial.
- Vamos nesse que não pede, mas eu vou depositar. O que mais eu tenho que levar?
- Identidade, CPF e comprovante de residência.
- Isso é problema. Nós não temos comprovante.
- Tem que pegar na associação. Eles dão o comprovante.
- Mas quando eu chego, a associação já está fechada.
Marisa opinou:
- Pede a Jandira pra fazer isso. Ela pode ir durante o dia.
- Boa idéia. Vou falar com ela.
E pra Ricardo:
- Vai ter que ficar para semana que vem. Lá na obra o horário de lanche.
- Eu sei. Quando você marcar o dia, eu te pego as três. Não vai dar pra voltar.
- O seu Renato sabe disso, mas falou que é preciso abrir a conta.
- Se você quiser, eu passo antes na tua casa e pego o comprovante com a Jandira e vamos amanhã mesmo. Você leva a carteira de identidade e o CPF.
- Acho melhor. Seu Renato disse que era pra abrir a conta e eu quero obedecer o mais rápido possível.
- Então amanhã as três eu te espero na obra.
- Pode ser as três e quinze?
- Porquê? Quer lanchar antes?
- Não. É pra mudar de roupa. Não vai querer que eu vá sujo e de macacão com você num banco.
- Não é vergonha nenhuma ser trabalhador e que eu saiba, na obra não tem como tomar banho pra trocar de roupa.
- Não tem mesmo não. Como vai ser?
- Vai de macacão mesmo João. Por mim, não tem problema nenhum.
Combinaram assim e João voltou para casa. Quando chegou Jandira perguntou:
- E aí? Combinou com ele?
- Vamos amanhã na hora do lanche. Mas preciso que você pegue um comprovante de residência na associação logo cedo no meu nome. Ele vai passar aqui e apanhar contigo.
- Pode deixar, assim que abrir, eu vou lá. E quanto ao depósito, perguntou?
- Ele disse que cada banco pede um valor diferente, e tem uns que nem pedem. Vou levar mil reais e depositar. Junto com o resto do dinheiro das limpezas que fiz e o que vai sobrar do dinheiro do churrasco, ainda vou ficar com uns oitocentos para uma emergência.
- Se precisar de alguma coisa, eu também tenho dinheiro guardado. Desde que a dona Marisa cruzou o nosso caminho, não se gasta dinheiro nessa casa. Tem o dinheiro que as crianças me dão e o que você estava me dando.
- Por incrível que pareça é verdade. Nosso problema agora é excesso de dinheiro. As crianças agora vão viver bem melhor e dado por nós.
- Dona Marisa vai continuar ajudando.
- Nós não precisamos mais. Ela pode ajudar outra família.
- Mais ela gosta das nossas crianças.
- Pode continuar a pagar os carretos a eles, mas as nossas compras, nós temos como fazer. Até as crianças podem parar e brincar de trabalhar e brincar como crianças.
- Eles gostam. A brincadeira de criança deles é o trabalho e eu não vou proibir.
- Nem eu. Basta quando eu quiser fazer um passeio, eles irem sem fazer cara feia.