Janaína chegou em casa naquele dia pensativa. Estava achando estranho a conversa que tinha tido com Marisa. Apesar de muito pequena, era uma criança muito inteligente e madura. A vida que tinha levado até pouco tempo, tinha lhe roubado a infância e a inocência, consciente desde muito cedo da necessidade de ajudar os pais a criar os irmãos. Isso lhe tinha dado maturidade suficiente para saber quando alguém estava lhe sondando com alguma intenção não declarada.
Confiava muito em Marisa, mas sentiu que tinha alguma intenção escondida naquela conversa.
Sua mãe, percebendo que a menina estava muito pensativa, se preocupou e perguntou:
- No que você está pensando tanto?
- Não é nada.
- Você está pensativa sim. Não quer contar para a mamãe o que está preocupando você?
- Não quero falar, porque primeiro pode ser uma surpresa e eu estragar tudo e segundo pode não ser nada.
- Vamos tentar descobrir juntas. Me conta o que é que eu te ajudo a pensar.
- Mas e se for uma surpresa e eu estragar.
- Vai ficar entre nós duas. Afinal, sou ou não sou a tua mãe?
- A senhora está mandando eu contar?
- Não. Só quero que você saiba que pode confiar em mim e me contar tudo o que passa na sua cabecinha. Mas você só fala se confiar e quiser.
- E se eu estragar uma surpresa? Eu estou achando que é isso.
- Só eu e você vamos saber que eu já sabia. Foi dona Marisa que te deixou assim?
- Foi. Ela veio com umas perguntas hoje, que eu estou achando que vai fazer outra surpresa.
- Agora eu fiquei curiosa. O que foi que ela perguntou?
- Eu vou te dizer, mas você não conta pra ninguém? Nem pro papai?
- Prometo que não conto. Pode falar!
- Ela me perguntou como era esse negócio de mutirão para obras aqui.
- Sei. E daí?
- Queria saber se alguém fosse fazer obras na casa já pronta se teria ajuda dos outros moradores.
- Ela não tem casa aqui. Está parecendo mesmo uma surpresa pra gente.
- Pois é. É o que eu estava pensando.
- Se for, uma hora vai aparecer. Vamos parar de imaginar e esperar. Agora para de pensar nesse assunto e vai ver tv com teus irmãos.
Janaína obedeceu e a mãe ficou pensando: Não parecia uma criança de oito anos. Deveria ter tido menos filhos e ter dado uma vida melhor pra eles.
Cada filho que chegava era uma felicidade, mas as crianças não mereciam ter que fazer sacrifícios para ajudar. Sua menina tinha virado adulta muito cedo.
A partir de agora faria de tudo para que ela voltasse a ser criança. Não podia tirar ela do mercado, porque seria como um castigo, mas iria fazer ela brincar mais. Era muito cedo para ter tanta responsabilidade em cima.
Foi para a cozinha e quando João chegou, comentou com ele:
- Temos que dar um jeito da Janaína voltar a ser criança.
- Como assim?
- A gente conversa com ela e parece que está falando com um adulto. É muito adulta para oito anos.
- É só uma menina inteligente.
- Não n**o isso, mas não é só isso. Sinto que ela perdeu a infância.
- Isso não é bom. Vamos proibir ela de ir para o mercado.
- Seria pior. Ela iria sofrer achando que é castigo. Ela adora ir pra lá.
- Então não sei o que fazer.
- Nem eu. Mas temos que fazer ela se interessar mais em brincar e menos em trabalhar.
- Vamos ver como fazer isso. Vou pensar.
João foi para sala e sentou com os filhos, observando a menina o tempo todo. Realmente, não parecia uma menina tão pequena. Jonas que era mais velho, era mais infantil do que ela. Todas as vezes que os irmãos menores precisavam de alguma coisa, ela levantava e atendia como se fosse responsável por eles. Nem chamava a mãe.
Jandira tinha razão. Sua filha tinha perdido a infância. O que fazer para lhe devolver essa fase da vida? Não queria uma adulta de oito anos dentro de casa. Queria que sua filha fosse feliz.
Estava se sentindo culpado. Se tivesse um emprego regular, nada disso estaria acontecendo. Sua menina sentiu a necessidade de trabalhar muito cedo e isso tinha lhe prejudicando muito. Novamente, a sensação de fracasso acometeu o pai da criança. No seu modo de ver, a filha era infeliz.
Mas muito longe disso, Janaína era muito feliz. Adorava poder ajudar seus pais. A maturidade dela, não veio com a necessidade. Era um dom do espírito.
João estava pensando no que poderia fazer para mudar isso!
Jandira estava certa. Não poderia proibir o trabalho que ela adorava, mas tinha que achar um jeito.
Talvez programar alguns passeios com eles em lugares que não precisariam de muito dinheiro. Era isso! Tinha muitos lugares em que poderiam levar o próprio lanche e saía barato. Ia ver como fazer. O problema era sair com os cinco e apenas dois adultos para olhar todos ao mesmo tempo em um lugar estranho. Mas tinha colegas que passavam pelo mesmo problema e sabiam como fazer. Iria conversar com eles e tentar aprender.
Resolvido assim, foi tomar o banho e se preparar para o jantar.
O perú estava de volta a mesa.
Jandira tinha feito uma salada de batatas para acompanhar.
Já estavam comendo aquele perú há quatro dias e todos estavam enjoados, mas não jogavam nada fora. Assim, fizeram força e finalmente acabaram com a ave.
Agora iam passar a comer o bacalhau, mas seria mais rápido. Jandira acreditava que um dia era suficiente para acabarem com ele também.
Apesar de estarem enjoados com a repetição da comida por tantos dias, estavam dando graças a Deus pela fartura. Se Jandira fosse mais preparada, teria congelado e diversificado mais as refeições.
João continuava preocupado com Janaína. Falou com vários colegas que deram várias sugestões de passeios baratos e quanto ao fato de serem cinco crianças para dois adultos tomarem conta, o segredo era fugir de aglomerações. Procurar ficar sempre em locais com poucas pessoas para não perderem os filhos de vista.
João chegou em casa e mandou Jandira preparar um bom lanche porque passariam o dia fora. Iriam a uma praia.
Depois de muito pensar, decidiu ir para o piscinão de Ramos. onde poderia deixar as crianças sem perigo de afogamento.
Bastava irem para a Avenida Brasil e pegar um ônibus para Ramos. Pegaram uma caixa de isopor emprestada com um vizinho e colocaram refrescos, refrigerantes e água. E numa bolsa, Jandira carregava sanduíches e biscoitos.
No caminho, encontraram com um vizinho, que opinou:
- Eu não levaria crianças para a praia nessa época do ano. A praia está cheia de oferendas e as crianças podem pegar alguma coisa r**m. Era melhor vocês irem pra outro lugar e deixar a praia para outro dia.
Jandira perguntou:
- O senhor acredita nessas coisas?
- Acredito. Um amigo meu uma vez, pisou sem querer num despacho, chegou a pedir desculpas, mas abriu uma ferida na perna dele que não fechava por nada.
- Então é melhor não arriscar.
João estava pensando na decepção das crianças. Como sair daquela situação agora?
Foi Janaína que deu a idéia:
- Já que estamos com tudo pronto, porque não fazemos um piquenique?
Jandira perguntou:
- Mas aonde?
João respondeu:
- Tem o parque de Madureira ou a Quinta da Boa Vista.
- E onde é melhor?
- Não sei porque não conheço nenhum dos dois.
O vizinho, que ainda estava ali, novamente deu seu palpite:
- Se fosse eu que fosse passear com as crianças, levava pra Quinta. Tem mais coisas para ver e bastante lugar para brincar e se você tiver uns trocados, ainda podem ver os animais.
Janaína gritou:
- Oba! Vamos lá pai. Eu queria conhecer. A minha colega da escola vai sempre e diz que é muito legal.
Foi o suficiente para resolverem e todos partiram para a estação de trem, rumo a São Cristóvão.
João estava levando o dinheiro das economias que havia feito durante aquela semana nas limpezas de caixas d'água e daria para as crianças conhecerem os animais. O museu ainda estava em obras por causa do incêndio, mas daria para se divertirem bastante, afinal eram crianças muito pequenas ainda. Teriam muito tempo para conhecer o museu depois.
Quando chegaram, se espantaram com o tamanho do lugar. Não estava muito cheio, até pelo contrário. Por causa das festas de final de ano e a epidemia que assolava o mundo, o local estava quase vazio, mas passearam bastante e depois se sentaram no chão de um gramado. Jandira estendeu a toalha de banho e dispôs a refeição que havia levado. As crianças estavam muito alegres. Até fizeram amizade com um casal de irmãos da idade de Jonas e Janaína.
Os pais desse casal de crianças, não tinham levado lanche e se assustaram com o preço cobrado ali. Estavam pensando em sair cedo do local e ir almoçar em casa. Mas Jandira tinha levado lanche suficiente para todos e juntos fizeram a refeição.
Depois de descansar um pouco, Janaína pediu:
- Vamos ver os bichos?
João respondeu:
- Vamos.
E para o casal:
- Vocês não vão?
- Não. O dinheiro que trouxemos não é suficiente. Aqui tudo é muito caro.
- Se vocês deixarem, nós levamos as crianças e vocês esperam a gente. Podem ficar tomando conta da caixa e das bolsas.
O pai da criança respondeu:
- Nós ficaríamos muito agradecidos. Eles estavam tristes por não ver os animais. Deixa as coisas aqui com a gente e podem ir. Vou lhe dar o dinheiro que tenho para ajudar na entrada deles.
- Não tem necessidade. Pode deixar que eu p**o as entradas.
Entraram na área dos animais e gostaram bastante.
Janaína se encantou com as peraltices dos macacos e Jonas com a imponência do leão.
As crianças do casal eram muito comportadas. Brincavam mas de maneira branda e assim, o passeio demorou bastante e deu a hora do parque fechar.
Saíram e encontraram o casal a espera dos filhos.
Com os pais, as crianças eram mais expansivas e foi com muita euforia que contaram o que tinham visto.
O casal agradeceu muito e todos foram para estação de trem, trocando endereços para o início de uma amizade.
Quando chegaram em casa, as crianças estavam cansadas e foi com muito custo, que Jandira conseguiu que todos tomassem banho e escovassem os dentes para irem dormir.
Quando finalmente conseguiu, todas se acomodaram e logo estavam em sono profundo.
João se comoveu ao perceber que Janaína tinha dormido com um sorriso no rosto.
Pelo menos, naquele dia, a menina tinha sido feliz.
Resolveu que sempre que fosse possível, fariam esses passeios, afinal, nem tinha saído tão caro assim. Do dinheiro que havia levado, não gastou nem um quarto. Ainda tinha sobrado bastante da economia que havia feito e sabia que Jandira, também estava guardando.
A obra ia encerrar e esperava arranjar logo outra, mas por enquanto ainda tinha alguns serviços por fora marcados e daria para levar sem grandes preocupações.