No dia seguinte, de volta a rotina, João saiu para a obra e logo depois, as crianças para o mercado.
Marisa, que estava a espera deles, avisou:
- Amanhã é véspera de ano novo e eu vou viajar com meu marido e ficar uns dias fora. Vou comprar as coisas para vocês fazerem um churrasco na casa de vocês na hora da virada.
Janaína na sua inocência:
- Nós não temos churrasqueira.
- Seu pai pode fazer uma de tijolo. Não e difícil, principalmente pra ele.
- Ah! Ele deve saber fazer.
- Vou comprar bastante coisa, para se aparecer algum amigo.
Entrou no mercado e comprou tudo que estava na lista que havia feito previamente.
Ainda acrescentou alguns itens em que não havia pensado.
No final das compras, falou para as crianças:
- Vou ter que ir em casa, pegar o carro. Não tem como levar essas coisas todas, só nós três a pé. Fiquem tomando conta das bolsas.
Marisa foi em direção a sua casa, enquanto as crianças com curiosidade, olhavam o que tinha ali. Tinha comida para um batalhão. Ela tinha comprado até uma churrasqueira portátil que estava em promoção no mercado. Além de muita carne, que leram no pacote, contra-file, ainda havia linguiça, asas de frango, costelinha de porco, coração de frango, queijo e outras coisas mais que nem conheciam. Ainda tinha tido o cuidado de comprar bastante refrigerantes.
Ela já estava encostando o carro e chegou a ver a curiosidade das crianças, que achou natural.
Colocaram as coisas no carro e partiram rumo a casa das crianças.
Quando chegaram lá, Jandira veio atender e se espantou com a quantidade de coisas que havia sido compradas e sem maldade comentou:
- Só falta o carvão.
Marisa notou que não tinha intenção de cobrança e respondeu:
- É mesmo. Espera um pouco que eu vou buscar.
Jandira envergonhada pela gafe cometida, disse:
- Não precisa dona Marisa. A gente compra.
- Eu quero dar o churrasco a vocês. É que eu esqueci do carvão. Daqui a pouco eu volto.
Foi novamente no mercado e comprou cinco sacos de carvão dos grandes. A verdade é que como Jandira cozinhava em fogão de lenha, pensou que não seria necessário, mas talvez ela estivesse com pouca lenha e fazia questão de dar tudo. Aproveitou e comprou arroz, farinha, maionese e legumes para eles.
Voltou para entregar e Jandira ainda estava envergonhada.
Pediu desculpas:
- A senhora me desculpa de ter falado no carvão. Saiu sem eu querer.
- Eu sei. Não tem do que se desculpar. Cuidado com os espetos. Coloca em local bem alto por causa das crianças. Eles podem querer brincar de espadas e se machucar.
- Pode deixar. Vou esconder.
Depois que Marisa foi embora com as crianças, Jandira foi ver como poderia guardar tudo até o dia seguinte. Não precisava congelar, mas tinha que arrumar tudo na geladeira até o dia seguinte.
Quando João chegou a noite, se espantou. Foi abrir a geladeira assim que chegou porque estava com sede e se separou com as coisas do churrasco. Perguntou:
- Está guardando coisas aqui para algum vizinho?
- Não. É nosso.
- De onde veio tudo isso?
- Dona Marisa.
- Ela deu tudo isso pra gente? Tem coisas aqui para uns cinco ou seis churrascos.
- E ainda trouxe a churrasqueira e cinco sacos grandes de carvão.
- Porque ela faz isso?
- Segundo ela, porque pode e nós merecemos!
- Como ela pode saber se merecemos ou não? Não convive com a gente.
- Convive com as crianças. Principalmente com a Janaína e faz muitas perguntas a ela.
- Perguntas do tipo: Seus pais trabalham, bebem, vocês estão na escola?
- Ah! Então ela sabe que somos gente de bem.
- E por isso nos ajuda.
- Queria poder fazer alguma coisa para retribuir tanta bondade. Mas parece que a mulher não precisa de nada.
- Se Deus quiser, ainda vai chegar a hora de podermos ajudar em alguma coisa. Nem que seja a amizade sincera.
- Amizade não custa dinheiro. Pra que três peças de carne? Ainda por cima carne de primeira!
- Quem fez as compras foi ela e comprou o que quis.
- Uma peça só dá pra fazer muito churrasco. Até pra chamar vizinhos, porque ainda tem as outras coisas.
- A intenção dela foi essa. Se quisermos chamar alguém não vai faltar nada.
- Você quer chamar alguém?
- Só uma mocinha que no outro dia ficou com os pequenos pra eu ir comprar a tv e não cobrou.
- Você sabe aonde ela mora?
- Claro! Você acha que eu ia deixar as crianças com uma desconhecida?
- Então chama, com a família. Mas avisa que só temos refrigerantes, aqui ninguém bebe. Se quiserem beber, tem que trazer a bebida.
- Acho que lá também não. Nunca vi o pai dela bêbado. Mas vou falar. Marco pra que horas?
- Podemos começar lá pelas seis, por causa dos pequenos e tem quantidade para varar a noite.
- O problema vai ser congelar o que não vai ser usado.
- O engraçado é que nunca tivemos esse problema antes. Nunca faltou espaço.
- Sinal que Deus está olhando por nós.
O que eles não sabiam, é que o pessoal que havia participado da campanha da obra, tinha também dado a ideia do churrasco da família. Como Marisa já tinha essa intenção, deu pra comprar tudo e ainda sobrou dinheiro, que Marisa entregaria as crianças antes de viajar. Não entregou nas mãos de Jandira, para não envergonhar a mulher. Sempre faltava alguma coisa de última hora.
Quando as crianças chegaram e deram o dinheiro dos carretos na mão da mãe, ela agradeceu e já ia saindo para guardar o dinheiro. Janaína chamou a mãe novamente e falou:
- Ainda tem esse aqui, que dona Marisa falou que era pra se faltasse alguma coisa de última hora.
A menina tirou o embrulho de jornal que Marisa havia feito para disfarçar. Era muito dinheiro para ficar nas mãos das crianças na rua.
Jandira abriu o embrulho e quase caiu pra trás. Tinha mais de mil reais ali. Chamou João que veio correndo assustado com o grito da mulher:
- O que foi? Alguém se machucou?
- Não. Olha o que a dona Marisa mandou pra gente.
E entregou o dinheiro nas mãos do marido.
Ele contou e perguntou:
- A troco de que tudo isso?
Janaína que respondeu:
- Ela falou que era pra dar pra mamãe pra se faltasse alguma coisa de última hora.
- Mas tem muito dinheiro aqui. Essa senhora alguma vez fez alguma coisa diferente com algum de vocês?
- Fora dar dinheiro e presentes, nada. Ah! uma vez ela me deu um lanche depois que eu arrumei as compras e lavei a louça pra ela.
- Foi só isso?
- Só.
- Ela não fica agarrando vocês não?
- Não.
João estava cada vez mais desconfiado que tinha alguma coisa por trás daquilo. A mulher já tinha gastado muito dinheiro com as compras e ainda deu aquele dinheiro todo. Procuraria conhecer ela e tentar descobrir qual era a verdadeira intenção dessa senhora.
A obra tinha terminado naquele dia e houve até uma comemoração. Mas ele não participou porque não bebia e foi para seus serviços extras mais cedo. Adiantou inclusive, limpando mais duas caixas naquele dia, no total de quatro.
A partir do princípio do ano, fora esses servicinhos extras, que até que lhe rendiam um bom dinheiro, teria que procurar trabalho. Mas antes, procuraria conhecer essa senhora e descobrir o que de verdade estava por trás daquela bondade toda.
Estava ficando com medo que fosse uma pessoa m*l intencionada com seus filhos. Se fosse o caso, daria queixa.
Perguntou para Jandira:
- Está faltando alguma coisa?
- Não, o que não tem, eu tenho o dinheiro para comprar.
- Faz uma lista que eu vou buscar amanhã de manhã cedo.
- É pouca coisa. Pão, alho e maionese e as coisas para fazer aquele molho.
- Campanha?
- Esse mesmo.
- Amanhã cedo eu vou buscar.
Jandira ia pegar o dinheiro e João falou:
- Não precisa. Recebi o restante da obra e limpei quatro caixas hoje. E ainda tenho uma porção marcada para o princípio do ano. Guarda esse dinheiro e não mexe nele. Quero descobrir qual é a intenção dessa senhora. Ninguém é tão boa assim sem segundas intenções.
- Confesso que hoje também me assustei.
- Infelizmente, se ela estiver com intenção nas crianças, eu vou dar queixa dela.
- Vai com calma. Pode não ser nada.
- Você acredita nisso?
- Eu conheço ela pessoalmente e apesar de ser muita, acho que é bondade mesmo. Afinal, quem tem intenção r**m, não aparece para os pais e ela já esteve aqui diversas vezes.
- Pode ser, mas é estranho e eu tenho que cuidar da segurança das crianças.
- É um direito teu, mas vai com calma. Pode botar tudo há perder por nada.
- Pode deixar. Vou dar um jeito de conhecer e conversar com ela. Se notar que é apenas bondade, beijo as mãos dela e pronto.
João estava disposto a fazer qualquer coisa para proteger os filhos, mesmo que tivesse que perder a ajuda daquela senhora.
Iria averiguar o que estava acontecendo.
Realmente, a mulher tinha razão. Se quisesse fazer alguma coisa errada com as crianças, já tinha tido diversas oportunidades e não iria aparecer para os pais.
Seria possível que alguém fosse tão bom assim?
Pelo sim, pelo não, procuraria conhecer essa dona Marisa.
Jandira saiu e foi na casa da mocinha fazer o convite. Os pais dela ficaram encantados com a atenção e aceitaram, marcando de estar lá no dia seguinte as seis horas.
As crianças, no dia seguinte, tiveram que bater pé para irem para o mercado.
João queria que ficassem em casa para brincar, mas eles fizeram questão de ir. E avisaram que não viriam almoçar porque ia fechar cedo.
João foi junto, para comprar o que faltava. Perguntou para Janaína:
- Aonde mora essa dona Marisa?
Janaína apontou para uma casa enorme há duas quadras do mercado e falou:
- Naquela casa grande ali. Porquê?
- Quero conhecer ela.
- Mas ela não está em casa não. Foi viajar com o marido e só volta daqui há alguns dias. Foi pra casa de praia dela.
- E não convidou vocês?
- Não. Só deu as coisas do churrasco e o dinheiro que eu dei pra mamãe.
- Tá bom. Ano que vem, eu conheço ela.
Mas encucado ficou. Se tivesse alguma intenção nas crianças, teria convidado. Foi levar as compras para a mulher e ficou ajudando na preparação do churrasco de logo mais.
As crianças chegaram do mercado as três horas alegando que haviam feito lanche e estavam sem fome.
Ficaram com os pais ajudando a descascar os legumes e cortando os ingredientes do molho.
Jandira lembrou que o molho levava azeite e ela não tinha.
Falou com o marido:
- Esqueci do azeite.
- A padaria ainda está aberta. Vou lá comprar.
- Mas lá é muito mais caro.
- Mas o mercado já fechou. Vai ter que ser lá mesmo.
E saiu.
Aproveitou para passar em frente a casa de Marisa. Ao lado, tinha um prédio de apartamentos com porteiro, que notando que ele estava olhando para casa com interesse, se aproximou e oerguntou:
- Está procurando alguém?
- Não. Curiosidade. É que a senhora que mora aqui, vive dando coisas para os meus filhos e eu queria conhecer ela, mas sei que viajou.
- O senhor é o pai daquelas crianças que ficam no mercado?
- Sou. É que ela exagera tanto nas coisas que dá que eu estou ficando com medo que ela tenha segundas intenções.
- Quanto a isso pode ficar tranquilo. É gente de bem. Trabalha de assistente social no Conselho Tutelar e o marido é empresário. Agradeça aos céus por ela ter se encantado com seus filhos.
- Conselho Tutelar, então ela pode estar querendo denunciar que eu tenho crianças que trabalham.
- Não acredito. Se fosse isso, já teria feito. Ela realmente gosta muito dos seus filhos.
João agradeceu e foi para a padaria, comprar o azeite.