Capítulo VII

2040 Words
No dia seguinte, de volta a rotina, João saiu para a obra e logo depois, as crianças para o mercado. Marisa, que estava a espera deles, avisou: - Amanhã é véspera de ano novo e eu vou viajar com meu marido e ficar uns dias fora. Vou comprar as coisas para vocês fazerem um churrasco na casa de vocês na hora da virada. Janaína na sua inocência: - Nós não temos churrasqueira. - Seu pai pode fazer uma de tijolo. Não e difícil, principalmente pra ele. - Ah! Ele deve saber fazer. - Vou comprar bastante coisa, para se aparecer algum amigo. Entrou no mercado e comprou tudo que estava na lista que havia feito previamente. Ainda acrescentou alguns itens em que não havia pensado. No final das compras, falou para as crianças: - Vou ter que ir em casa, pegar o carro. Não tem como levar essas coisas todas, só nós três a pé. Fiquem tomando conta das bolsas. Marisa foi em direção a sua casa, enquanto as crianças com curiosidade, olhavam o que tinha ali. Tinha comida para um batalhão. Ela tinha comprado até uma churrasqueira portátil que estava em promoção no mercado. Além de muita carne, que leram no pacote, contra-file, ainda havia linguiça, asas de frango, costelinha de porco, coração de frango, queijo e outras coisas mais que nem conheciam. Ainda tinha tido o cuidado de comprar bastante refrigerantes. Ela já estava encostando o carro e chegou a ver a curiosidade das crianças, que achou natural. Colocaram as coisas no carro e partiram rumo a casa das crianças. Quando chegaram lá, Jandira veio atender e se espantou com a quantidade de coisas que havia sido compradas e sem maldade comentou: - Só falta o carvão. Marisa notou que não tinha intenção de cobrança e respondeu: - É mesmo. Espera um pouco que eu vou buscar. Jandira envergonhada pela gafe cometida, disse: - Não precisa dona Marisa. A gente compra. - Eu quero dar o churrasco a vocês. É que eu esqueci do carvão. Daqui a pouco eu volto. Foi novamente no mercado e comprou cinco sacos de carvão dos grandes. A verdade é que como Jandira cozinhava em fogão de lenha, pensou que não seria necessário, mas talvez ela estivesse com pouca lenha e fazia questão de dar tudo. Aproveitou e comprou arroz, farinha, maionese e legumes para eles. Voltou para entregar e Jandira ainda estava envergonhada. Pediu desculpas: - A senhora me desculpa de ter falado no carvão. Saiu sem eu querer. - Eu sei. Não tem do que se desculpar. Cuidado com os espetos. Coloca em local bem alto por causa das crianças. Eles podem querer brincar de espadas e se machucar. - Pode deixar. Vou esconder. Depois que Marisa foi embora com as crianças, Jandira foi ver como poderia guardar tudo até o dia seguinte. Não precisava congelar, mas tinha que arrumar tudo na geladeira até o dia seguinte. Quando João chegou a noite, se espantou. Foi abrir a geladeira assim que chegou porque estava com sede e se separou com as coisas do churrasco. Perguntou: - Está guardando coisas aqui para algum vizinho? - Não. É nosso. - De onde veio tudo isso? - Dona Marisa. - Ela deu tudo isso pra gente? Tem coisas aqui para uns cinco ou seis churrascos. - E ainda trouxe a churrasqueira e cinco sacos grandes de carvão. - Porque ela faz isso? - Segundo ela, porque pode e nós merecemos! - Como ela pode saber se merecemos ou não? Não convive com a gente. - Convive com as crianças. Principalmente com a Janaína e faz muitas perguntas a ela. - Perguntas do tipo: Seus pais trabalham, bebem, vocês estão na escola? - Ah! Então ela sabe que somos gente de bem. - E por isso nos ajuda. - Queria poder fazer alguma coisa para retribuir tanta bondade. Mas parece que a mulher não precisa de nada. - Se Deus quiser, ainda vai chegar a hora de podermos ajudar em alguma coisa. Nem que seja a amizade sincera. - Amizade não custa dinheiro. Pra que três peças de carne? Ainda por cima carne de primeira! - Quem fez as compras foi ela e comprou o que quis. - Uma peça só dá pra fazer muito churrasco. Até pra chamar vizinhos, porque ainda tem as outras coisas. - A intenção dela foi essa. Se quisermos chamar alguém não vai faltar nada. - Você quer chamar alguém? - Só uma mocinha que no outro dia ficou com os pequenos pra eu ir comprar a tv e não cobrou. - Você sabe aonde ela mora? - Claro! Você acha que eu ia deixar as crianças com uma desconhecida? - Então chama, com a família. Mas avisa que só temos refrigerantes, aqui ninguém bebe. Se quiserem beber, tem que trazer a bebida. - Acho que lá também não. Nunca vi o pai dela bêbado. Mas vou falar. Marco pra que horas? - Podemos começar lá pelas seis, por causa dos pequenos e tem quantidade para varar a noite. - O problema vai ser congelar o que não vai ser usado. - O engraçado é que nunca tivemos esse problema antes. Nunca faltou espaço. - Sinal que Deus está olhando por nós. O que eles não sabiam, é que o pessoal que havia participado da campanha da obra, tinha também dado a ideia do churrasco da família. Como Marisa já tinha essa intenção, deu pra comprar tudo e ainda sobrou dinheiro, que Marisa entregaria as crianças antes de viajar. Não entregou nas mãos de Jandira, para não envergonhar a mulher. Sempre faltava alguma coisa de última hora. Quando as crianças chegaram e deram o dinheiro dos carretos na mão da mãe, ela agradeceu e já ia saindo para guardar o dinheiro. Janaína chamou a mãe novamente e falou: - Ainda tem esse aqui, que dona Marisa falou que era pra se faltasse alguma coisa de última hora. A menina tirou o embrulho de jornal que Marisa havia feito para disfarçar. Era muito dinheiro para ficar nas mãos das crianças na rua. Jandira abriu o embrulho e quase caiu pra trás. Tinha mais de mil reais ali. Chamou João que veio correndo assustado com o grito da mulher: - O que foi? Alguém se machucou? - Não. Olha o que a dona Marisa mandou pra gente. E entregou o dinheiro nas mãos do marido. Ele contou e perguntou: - A troco de que tudo isso? Janaína que respondeu: - Ela falou que era pra dar pra mamãe pra se faltasse alguma coisa de última hora. - Mas tem muito dinheiro aqui. Essa senhora alguma vez fez alguma coisa diferente com algum de vocês? - Fora dar dinheiro e presentes, nada. Ah! uma vez ela me deu um lanche depois que eu arrumei as compras e lavei a louça pra ela. - Foi só isso? - Só. - Ela não fica agarrando vocês não? - Não. João estava cada vez mais desconfiado que tinha alguma coisa por trás daquilo. A mulher já tinha gastado muito dinheiro com as compras e ainda deu aquele dinheiro todo. Procuraria conhecer ela e tentar descobrir qual era a verdadeira intenção dessa senhora. A obra tinha terminado naquele dia e houve até uma comemoração. Mas ele não participou porque não bebia e foi para seus serviços extras mais cedo. Adiantou inclusive, limpando mais duas caixas naquele dia, no total de quatro. A partir do princípio do ano, fora esses servicinhos extras, que até que lhe rendiam um bom dinheiro, teria que procurar trabalho. Mas antes, procuraria conhecer essa senhora e descobrir o que de verdade estava por trás daquela bondade toda. Estava ficando com medo que fosse uma pessoa m*l intencionada com seus filhos. Se fosse o caso, daria queixa. Perguntou para Jandira: - Está faltando alguma coisa? - Não, o que não tem, eu tenho o dinheiro para comprar. - Faz uma lista que eu vou buscar amanhã de manhã cedo. - É pouca coisa. Pão, alho e maionese e as coisas para fazer aquele molho. - Campanha? - Esse mesmo. - Amanhã cedo eu vou buscar. Jandira ia pegar o dinheiro e João falou: - Não precisa. Recebi o restante da obra e limpei quatro caixas hoje. E ainda tenho uma porção marcada para o princípio do ano. Guarda esse dinheiro e não mexe nele. Quero descobrir qual é a intenção dessa senhora. Ninguém é tão boa assim sem segundas intenções. - Confesso que hoje também me assustei. - Infelizmente, se ela estiver com intenção nas crianças, eu vou dar queixa dela. - Vai com calma. Pode não ser nada. - Você acredita nisso? - Eu conheço ela pessoalmente e apesar de ser muita, acho que é bondade mesmo. Afinal, quem tem intenção r**m, não aparece para os pais e ela já esteve aqui diversas vezes. - Pode ser, mas é estranho e eu tenho que cuidar da segurança das crianças. - É um direito teu, mas vai com calma. Pode botar tudo há perder por nada. - Pode deixar. Vou dar um jeito de conhecer e conversar com ela. Se notar que é apenas bondade, beijo as mãos dela e pronto. João estava disposto a fazer qualquer coisa para proteger os filhos, mesmo que tivesse que perder a ajuda daquela senhora. Iria averiguar o que estava acontecendo. Realmente, a mulher tinha razão. Se quisesse fazer alguma coisa errada com as crianças, já tinha tido diversas oportunidades e não iria aparecer para os pais. Seria possível que alguém fosse tão bom assim? Pelo sim, pelo não, procuraria conhecer essa dona Marisa. Jandira saiu e foi na casa da mocinha fazer o convite. Os pais dela ficaram encantados com a atenção e aceitaram, marcando de estar lá no dia seguinte as seis horas. As crianças, no dia seguinte, tiveram que bater pé para irem para o mercado. João queria que ficassem em casa para brincar, mas eles fizeram questão de ir. E avisaram que não viriam almoçar porque ia fechar cedo. João foi junto, para comprar o que faltava. Perguntou para Janaína: - Aonde mora essa dona Marisa? Janaína apontou para uma casa enorme há duas quadras do mercado e falou: - Naquela casa grande ali. Porquê? - Quero conhecer ela. - Mas ela não está em casa não. Foi viajar com o marido e só volta daqui há alguns dias. Foi pra casa de praia dela. - E não convidou vocês? - Não. Só deu as coisas do churrasco e o dinheiro que eu dei pra mamãe. - Tá bom. Ano que vem, eu conheço ela. Mas encucado ficou. Se tivesse alguma intenção nas crianças, teria convidado. Foi levar as compras para a mulher e ficou ajudando na preparação do churrasco de logo mais. As crianças chegaram do mercado as três horas alegando que haviam feito lanche e estavam sem fome. Ficaram com os pais ajudando a descascar os legumes e cortando os ingredientes do molho. Jandira lembrou que o molho levava azeite e ela não tinha. Falou com o marido: - Esqueci do azeite. - A padaria ainda está aberta. Vou lá comprar. - Mas lá é muito mais caro. - Mas o mercado já fechou. Vai ter que ser lá mesmo. E saiu. Aproveitou para passar em frente a casa de Marisa. Ao lado, tinha um prédio de apartamentos com porteiro, que notando que ele estava olhando para casa com interesse, se aproximou e oerguntou: - Está procurando alguém? - Não. Curiosidade. É que a senhora que mora aqui, vive dando coisas para os meus filhos e eu queria conhecer ela, mas sei que viajou. - O senhor é o pai daquelas crianças que ficam no mercado? - Sou. É que ela exagera tanto nas coisas que dá que eu estou ficando com medo que ela tenha segundas intenções. - Quanto a isso pode ficar tranquilo. É gente de bem. Trabalha de assistente social no Conselho Tutelar e o marido é empresário. Agradeça aos céus por ela ter se encantado com seus filhos. - Conselho Tutelar, então ela pode estar querendo denunciar que eu tenho crianças que trabalham. - Não acredito. Se fosse isso, já teria feito. Ela realmente gosta muito dos seus filhos. João agradeceu e foi para a padaria, comprar o azeite.
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