Depois que as crianças se deitaram, Jandira mostrou para o marido, as compras de Natal que Marisa havia levado e falou que ela havia deixado dinheiro para comprar roupa nova de presente para ele.
João ficou cismado e perguntou:
- Pra porquê? Ela nem me conhece.
- Por isso deixou o dinheiro. Se te conhecesse traria as roupas. Pra mim trouxe um vestido lindo e deixou dinheiro para comprar um calçado porque não sabia o número que eu calço.
- Porque ela está fazendo isso?
- Ela falou que é porque somos trabalhadores, mas não tivemos sorte. Se fossemos vagabundos ela não daria nada e também porque gosta das crianças.
- Acho muito estranho uma desconhecida ajudar alguém assim. Estou com medo que ela queira ficar com as crianças pra ela.
- Não é nada disso. É uma pessoa boa que pode ajudar alguém e escolheu a gente.
- Tomara que seja só isso. As crianças estão cada vez mais apegadas a ela.
- Mas continuam amando e respeitando a gente.
- Se isso for verdade, essa mulher é uma santa.
- Eu disse isso pra ela e ela respondeu que é uma pessoa comum que apenas teve mais sorte na vida que a gente e ainda prometeu que vai continuar ajudando, porque somos trabalhadores. E você fez muito bem, comprando o bolo pra Janaína. Ela guardou um pedaço pra levar pra dona Marisa amanhã.
- A gente tem que fazer tudo que estiver ao nosso alcance para retribuir tanta generosidade. Fala pra ela que se precisar de qualquer conserto em casa, mandar recado pelas crianças que eu faço questão de fazer.
- Eu falei pra Janaína que era pra falar pra ela que eu faria umas limpezas na casa dela em retribuição e a Janaína falou que duvidava que ela aceitasse qualquer serviço de graça. Faz questão de pagar tudo.
- Assim fica difícil retribuir.
- Também acho. Agora vamos dormir que amanhã é dia e eu tenho que sair para comprar as tuas roupas e uma sandália pra mim. A minha está muito gasta. O dinheiro que ela deixou dá pra comprar roupa de luxo.
- Prefiro então que você compre roupas comuns em maior quantidade. Roupa a etiqueta bacana veste do mesmo jeito que as de loja de rua.
- E se ela pedir pra ver?
- Você mostra as roupas que comprou.
Deitaram e logo pegaram no sono.
No dia seguinte, Janaína foi logo cedo na casa de Marisa entregar o pedaço de bolo que tinha guardado.
Quando entregou, Marisa perguntou:
- O que é isso.
- Um pedaço de bolo que guardei para a senhora.
- Foi aniversário de alguém?
- Eu fiz oito anos ontem.
- Porque você não me disse? E trabalhou o dia inteiro.
- A senhora já nos deu muita coisa e eu gosto de trabalhar.
- É por isso que eu estou ajudando vocês. Entra um pouco.
- A senhora está precisando que eu faça alguma coisa?
- Não.
- Então eu vou ficar com o Jonas na porta do mercado. Ontem fizemos tanto carreto que tivemos até bife para comer. As gorjetas dos carretos andam maiores.
- Que bom. Boa sorte, então.
Janaína foi para junto do irmão e fizeram diversos carretos. Perto da hora do almoço, foram pra casa. Encontraram a mãe na cozinha, preparando a refeição.
Assim que entraram a mãe falou:
- Não vou dizer pra vocês não irem mais hoje, porque sei que não vai adiantar. Então com o dinheiro da tarde, façam como fizeram ontem. Tragam o que vocês estiverem com vontade de comer. Mas a comida de hoje já está decidida. Vou ensopar aquele filé de frango que trouxeram com batata. A metade dele é suficiente.
Jonas declarou:
- Pode fazer todo, que vamos trazer mais. O pessoal está nos dando gorjetas maiores e já que é pra gente comprar o que quiser, vamos trazer mais bandejas de frango.
Assim que acabaram de almoçar, voltaram para o trabalho que rendeu ainda mais que no dia anterior.
Voltaram para casa, carregando três bandejas de frango, alguns legumes e um pedaço de carne de segunda para a mãe fazer seus ensopados.
No dia seguinte, véspera de natal, o mercado fecharia mais cedo e eles ganhariam menos. Por isso, gastaram todo o dinheiro, comprando as coisas que gostavam.
Quando entregaram as compras para a mãe, ela afirmou:
- A tarde rendeu bastante. Esse ano não vamos precisar de comprar mais nada. Apenas óleo e extrato de tomates.
Jonas respondeu:
- Pode deixar que amanhã a gente trás. Nós vamos ficar até o mercado fechar. Vai fechar duas horas amanhã.
- Mas vocês vão ficar com fome.
- A gente faz um lanche lá. Depois vamos ficar em casa.
Jandira guardou as compras, agradecendo a Deus a fartura que estava a geladeira, único objeto de luxo que possuía.
Tinha ganho, já usada de uma de suas freguesas de faxina.
Era usada, mas semi nova e com o cuidado que ela tinha, ainda ia durar por muito tempo. Era uma duplex. Assim tinha como congelar o que as crianças estavam trazendo.
Colocou o frango e foi dividir a carne para congelar em porções, assim só descongelaria o que ia usar em cada dia.
Estava acabando de arrumar as coisas na geladeira, quando João chegou e peguntou:
- O que é isso? Mais presentes daquela senhora?
- Não. Foram as crianças que trouxeram com o dinheiro que ganharam na parte da tarde. Eu mandei eles comprarem o que quisessem e eles trouxeram isso e mais frango e legumes.
- Eles ganham bastante dinheiro nos carretos. Acho que vou largar a obra e ficar fazendo carreto na porta do mercado também.
- Mas não é todo dia que ganham tanto. O povo está generoso por causa do natal. Depois vai minguar de novo. Por isso estou guardando o que posso.
- Eu também. Faço duas limpezas de caixas d'água por dia e guardo uma. Quando a obra acabar, tenho uma reserva até aparecer outra. E deve terminar antes do ano novo. Está quase tudo pronto.
E mostrou para a mulher, a bolsa que havia ganho na obra. Era uma cesta básica que havia sido distribuída pelos donos do terreno, aos trabalhadores, como presente de natal. Ainda tinha um Chester para cada um. O vinho, ele já havia dado a um companheiro de trabalho, já que não bebia.
Jandira guardou tudo e João foi se aprontar para o jantar.
Depois do jantar, Jandira avisou a Jonas:
- Não precisa comprar nada amanhã não. Teu pai ganhou uma cesta básica no trabalho e o óleo e o extrato de tomate já estão em casa.
Jonas perguntou:
- Quer que traga mais carne?
- Não teria aonde guardar. O freezer está cheio.
- Mas a senhora vai fazer o perú e o bacalhau amanhã. Vai abrir espaço.
- Isso é verdade. Comprem o que vocês quiserem.
Janaína perguntou:
- Podemos comprar refrigerantes?
O pai respondeu:
- Os refrigerantes quem vai comprar sou eu. Amanhã vou largar cedo e trago.
- Nós também. O mercado fecha duas horas amanhã.
- Mas pode deixar que eu trago.
E perguntou para Jandira:
- Você vai fazer bacalhau e perú no mesmo dia?
- Foi a dona Marisa que pediu para fazer uma mesa farta com tudo que ela trouxe.
- Não é melhor fazer o perú e deixar o bacalhau para a virada do ano?
- Eu prometi que faria. Estou achando que na virada do ano ela vai trazer mais alguma coisa. Senão não faria questão que eu fizesse tudo no mesmo dia.
- Faz do jeito que prometeu então. Tem o Chester para a virada. Se ela não trouxer nada, a gente assa o Chester.
Foram dormir.
No dia seguinte, Marisa levou um embrulho na porta do mercado e entregou a Janaína. A menina perguntou:
- O que é isso?
- Teu presente de aniversário. Você não me avisou e estou tendo que dar atrasado.
Janaína abriu o embrulho e separou com alguns livros de contos infantis. Agradeceu a Marisa e deixando Jonas na porta do mercado, correu em casa para guardar o presente.
Logo depois estava na porta do mercado de novo.
Trabalharam muito aquele dia. Ganharam bastante gorjetas e entregaram tudo para a mãe.
O pai já tinha chegado e perguntou porque tinham demorado tanto.
Jonas explicou que depois de duas horas, não podia entrar mais ninguém, mas muita gente entrou pouco antes do mercado fechar e demoraram a sair.
A mãe perguntou:
- Vocês lancharam?
- Não deu tempo. Mas não estamos com fome.
O pai reclamou:
- Vocês não podem ficar sem comer nada até a noite.
Jandira avisou:
- Vou botar o prato de vocês e vocês vão comer.
Janaína reclamou:
- Mas se a gente comer agora, não vai ter fome de noite para comer as gostosuras que a dona Marisa deu.
Jandira ponderou:
- Isso é verdade. Mas pelo menos vão fazer um lanche.
A ceia da família não iria ser feita a meia noite, conforme a tradição, porque tinham crianças pequenas que precisavam comer na hora de costume. Jandira já estava com quase tudo pronto, quando João lembrou:
- E as rabanadas?
- Não veio pão de rabanada.
- Vou na padaria comprar. Precisa de mais alguma coisa?
- Canela em pó e essência de baunilha.
- É só isso?
- Só.
Logo João estava de volta e empolgado com a fartura que tinham na casa naquele natal, ficou na cozinha ajudando a mulher a preparar as coisas.
Na hora do jantar, quando a mesa ficou pronta, todos se emocionaram. Só tinham visto uma mesa daquelas na televisão que assistiam de vez em quando na casa de algum vizinho.
Se fartaram aquela noite e chegou a hora de abrir os presentes que estavam guardados.
As crianças ficaram muito alegres com os brinquedos que ganharam de Marisa e do pai, que apesar de serem mais modestos, agradaram a todos.
Como Marisa havia pedido, as crianças tiveram o primeiro natal de verdade das suas vidas.
Até os pais estavam contagiados com a alegria dos pequenos e foi muito depois da meia noite, que finalmente foram deitar para descansar.
Mas no dia seguinte, podiam dormir até mais tarde. O João não teria que ir para obra e o mercado não abriria.
Até Jandira estaria de folga, uma vez que sobrou tanta coisa, que não teria que fazer comida no dia seguinte e talvez nem no outro.
Assim todo mundo foi se deitar totalmente relaxado e satisfeito.