Capítulo III

1940 Words
A noite, quando o marido chegou, Marisa sentou ao lado dele e começou a conversar. - Hoje fui na casa das crianças levar as coisas que comprei para dar no Natal e fiquei muito triste de ver aonde moram. Tudo muito limpo, mas dormem os sete no mesmo cômodo, sem conforto nenhum. Ricardo perguntou: - E o que você está pretendendo fazer para ajudar? - Pensei em fazer uma campanha para arrecadar material de construção para aumentar a casa. - Tem espaço pra isso? - Tem. O terreno é grande. - Você falou que o pai deles trabalha em obra. Será que com o material, ele saberia fazer? - Acho que sim. Aquelas obras foram feitas pelos próprios moradores, em sistema de mutirão. Com certeza ele vai encontrar ajuda dos vizinhos. - Pode contar comigo. Sei o quanto você gosta daquelas crianças. Eu vou ajudar também. - Obrigada. Não poderia esperar outra coisa de você. Eu hoje conheci a mãe deles e os irmãos. Dá dó ver como moram amontoados. Fora a falta de privacidade dos pais. - Vou ver com meus amigos, quem vai querer ajudar também e você faz o mesmo com as tuas amigas. Quanto mais gente ajudar, melhor. - Você sabe que eles não têm nem fogão? Ela cozinha em um fogão de lenha. - A pobreza é uma coisa muito triste. Aos poucos, vamos tentar ajudar. Não dá pra fazer tudo ao mesmo tempo. - Eu sei, Ricardo. Só fiquei comovida. E o engraçado, é que as crianças estão sempre sorrindo, como se fossem muito felizes. Não pensei que viviam tão m*l. - Já vi que você resolveu adotar a família toda. Eu vou te ajudar e tentar arranjar mais gente para ajudar também. De princípio, vamos tentar proporcionar um natal decente para eles. Vou te dar mais dinheiro e você compra uma ceia de natal pra eles. - Boa idéia. Não tinha pensado nisso. - Estou falando de uma ceia tradicional. - Com bacalhau, perú, nozes, essas coisas? - É. Sou capaz de apostar que nunca tiveram uma ceia dessas. Se é pra fazer, vamos fazer direito. - Amanhã mesmo eu faço as compras e vou entregar. Agora eu já sei aonde é. - Não é perigoso? - Não. É um lugar de gente pobre, mas não vi nem um sinal de venda de drogas ou coisas desse tipo por perto. - Então tá bom. Vou apanhar o dinheiro no cofre e deixar com você. - É por isso que te amo. Você me apoia em tudo. - Casamento é isso. Tem que ter companheirismo. Ricardo foi ao cofre e apanhou uma grande quantia e entregou para a esposa. Quando Marisa viu a quantia, exclamou: - Tem muito dinheiro aqui. - Gaste tudo com eles. Vamos fazer essas crianças terem o primeiro natal de verdade da vida deles. - Vou gastar. Vou colocar um pouco do meu também e comprar uma roupa para a mãe. Agora que eu conheço, dá pra comprar no tamanho certo. - E o pai? - Vai comprar pra ele também? - Pelo que você disse, não é nenhum vagabundo, só não deu sorte na vida, mas corre atrás de trabalho. É justo ganhar alguma coisa também. - Mas eu não conheço ele. Não sei se é alto, baixo, gordo ou magro. - Então compra a da mulher e deixa dinheiro com ela pra comprar pra ele. - Você é muito generoso. - Só com quem merece. Marisa foi ver o jantar do marido, feliz da vida, sabendo que seus protegidos teriam a partir dali, a ajuda de Ricardo também. Na casa de Jandira, João tinha acabado de chegar em casa e ela comentava com ele. - A mulher que ajuda as crianças, esteve aqui hoje. Veio trazer eles em casa com os presentes de natal. Você precisava ver: Que mulher bonita. E tomou café no copo sem fazer cara de nojo. - Nojo porquê? O copo não estava limpo? - Claro que estava, mas rico só toma café em xícara. - Conheço gente que é rica, mas é simples. Deve ser o caso dessa senhora. Depois dessa conversa, foram todos jantar e dormir para se recuperar para a jornada do dia seguinte. No dia seguinte, logo de manhã, Marisa saiu para fazer as compras encomendadas pelo marido. Primeiro foi comprar o vestido que pretendia dar a mãe das crianças e depois foi para o mercado, comprar os produtos da ceia. Comprou tudo do melhor e não deixou de lado latas de doces em calda. Depois das compras feitas, chamou os dois para ajudarem a carregar e tomou o caminho da casa deles. Sem entender, Janaína perguntou: - A senhora vai lá em casa? - Essas compras são para vocês. Eu e meu marido, queremos que tenham um natal de verdade. - Poxa! Minha mãe vai ter um troço. - Porquê? - Ela nunca compra essas coisas. - Não compra porquê não pode, mas garanto que ela vai gostar. - Gostar não. Vai adorar! Jonas que estava assistindo, deu uma olhada nas bolsas e perguntou: - É tudo pra gente mesmo? - É. - Nossa! Tem comida aqui para muitos dias. - Não. É tudo para a ceia de natal. Vocês vão ter uma mesa muito bonita. Chegaram na casa das crianças e Jandira veio atender. Quando Marisa entregou as compras, Jandira se emocionou e chorou. Foi abraçada por Marisa, que prometeu: - A partir de agora as coisas vão melhorar. Falei com o meu marido e vamos ajudar vocês. - A senhora é uma santa. - Não. Sou uma pessoa comum. Só dei mais sorte que vocês. Mas estamos dispostos a ajudar, porque são trabalhadores. Se fossem vagabundos, não faríamos nada. Estamos fazendo porque vocês merecem. Quero que a partir de agora, as crianças possam viver melhor. Eu trouxe um presente pra você. E entregou o embrulho com o vestido. Quando Jandira abriu, se emocionou de novo. Marisa já estava ficando sem graça diante da humildade da mulher e falou: - Não comprei um calçado porque não sabia o número, mas vou deixar um dinheiro com você, pra você comprar e também roupas para o teu marido. Não pude comprar porque não conheço. Foi presente do Ricardo, meu marido. - Vocês são muito bons. Que Deus os abençoe. - É só disso que precisamos, das bençãos de Deus. Se despediu de Jandira e perguntou as crianças: - Vocês já vão ficar em casa? - Não. Vamos voltar para o mercado. Ainda é muito cedo. Jandira falou: - Porque vocês não ficam em casa? Temos as coisas e vocês não precisam se sacrificar. Foi Jonas que respondeu: - Não é sacrifício, a gente gosta. É bom a gente trabalhar. Eu gosto. Janaína completou: - Eu também gosto de trabalhar. E saíram juntos com Marisa, rumo ao supermercado. Ainda fizeram alguns carretos naquele dia. Quando chegaram em casa, a mãe falou: - Fui guardar as coisas que a Dona Marisa deu e têm coisas ali que eu nunca comi. Janaína respondeu: - Se ela deu, só pode ser coisa boa. Estou doida para o Natal chegar. A mãe respondeu: - Faltam poucos dias. Daqui a três dias, será natal. O primeiro natal das nossas vidas. Até dinheiro para comprar roupas para o seu pai, ela deixou. Falando nisso, quando começam as férias de vocês? Jonas respondeu: - Eu tinha esquecido. Já não tem aula hoje. - Mas vocês tinham que ter me avisado. Vou já preparar a comida. Jandira correu para o fogão pra aumentar a quantidade da comida. A partir daquele dia, as duas crianças comeriam em casa, mas agora tinha alimento suficiente para todos. Depois do almoço, os dois avisaram: - Vamos voltar para o mercado. Dá pra fazer mais uns carretos hoje. A mãe perguntou: - Porque não ficam em casa brincando ou descansando? Vocês já trabalharam hoje. Janaína respondeu: - Nossa brincadeira é fazer nossos carretos. Nós gostamos. E saiu com Jonas. Naquela tarde, fizeram mais carretos do que esperavam e Jonas ao ver o dinheiro que tinham ganho, perguntou para a irmã: - Vamos comprar uns bifes para o jantar? - E se a mamãe brigar? - Ela não vai brigar não. Nem queria que a gente viesse. - Então vamos. Eu não sei comprar. - A gente pede ajuda pro homem do açougue. Entraram e o atendente do açougue, ajudou na escolha das crianças. Depois de pesado, viram que ainda ia sobrar dinheiro e resolveram levar uma bandeja de filé de frango também. O resto do dinheiro, entregariam a mãe. Naquela tarde, todos os carretos que fizeram, foram muito bem pagos. As pessoas estavam mais generosas. Chegaram em casa e entregaram as compras que haviam feito e o resto do dinheiro para a mãe, que não acreditou: - O dinheiro da tarde deu pra tudo isso? Jonas respondeu: - Deu. A Janaína ficou com medo da senhora brigar. - Não tenho esse direito. Quem ganhou o dinheiro foram vocês e é justo que comprem o que tiverem vontade. Janaína perguntou: - A senhora não ficou braba? - Claro que não. Essa carne já está cortada em bifes. Que carne é essa? Jonas respondeu: - O moço falou que é colchão mole. - Tem ovos em casa. Vou fazer uns bifes a milanesa. Seu pai não vai nem acreditar. Janaína perguntou: - Dá pra fazer com batata frita? - Não temos batatas. Jonas falou: - Se a senhora me der o dinheiro eu vou buscar. - Aproveita e trás um quilo de farinha de trigo também, e da padaria um saquinho de farinha de rosca. Deu o dinheiro para as crianças. Estavam saindo do mercado com as compras, quando viram Marisa na fila do caixa logo ao lado da fila que entraram. Marisa chamou eles e perguntou: - Pra quem são essas compras? - Pra minha mãe. Eu pedi a ela pra fazer batatas fritas. - Então deixa que eu p**o. Pega um pacote de batatas congeladas. É melhor de fazer. Jonas respondeu: - A minha mãe deu o dinheiro. - Devolve a ela que eu vou pagar. Faço questão. Janaína foi no fundo da loja e voltou com um pacote pequeno de batatas congeladas e Marisa falou: - Esse não. Pega um maior, vocês são muitos. Janaína fez a troca e Marisa pagou as compras das crianças. Quando chegaram em casa e devolveram o dinheiro para a mãe, ela perguntou: - Vocês não pagaram pelas compras? Janaína explicou: - A dona Marisa estava no mercado e fez questão de pagar. O Jonas mostrou que estava com dinheiro, mas ela mandou devolver pra senhora. Ainda fez eu trazer essas batatas de pacote, disse que e melhor. - Essa senhora é uma santa. Ainda bem que ela viu que vocês não estavam de armação. - Foi ela que chamou a gente. Jandira foi preparar o jantar que as crianças e Marisa tinham patrocinado. Quando João chegou em casa e viu o que tinha para comer, perguntou: - Estamos festejando alguma coisa? Janaína respondeu: - O meu aniversário. Estou fazendo oito anos hoje. Todos ficaram envergonhados com o esquecimento. Era a correria e o excesso de filhos. Mas a criança não estava sentida. Apesar de pequena, já compreendia o problema dos pais. João voltou para a rua e quando chegou, foi com refrigerantes e um pequeno bolo. A noite virou uma festa. Mais tarde, Jonas confessou: - Eu me lembrei, por isso gastei o dinheiro comprando uma comida de festa. O pai reclamou: - E porque não lembrou a gente? Ela deve ter ficado chateada. Janaína respondeu: - Não fiquei não. Foi o melhor aniversário da minha vida.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD