A noite, quando o marido chegou, Marisa sentou ao lado dele e começou a conversar.
- Hoje fui na casa das crianças levar as coisas que comprei para dar no Natal e fiquei muito triste de ver aonde moram. Tudo muito limpo, mas dormem os sete no mesmo cômodo, sem conforto nenhum.
Ricardo perguntou:
- E o que você está pretendendo fazer para ajudar?
- Pensei em fazer uma campanha para arrecadar material de construção para aumentar a casa.
- Tem espaço pra isso?
- Tem. O terreno é grande.
- Você falou que o pai deles trabalha em obra. Será que com o material, ele saberia fazer?
- Acho que sim. Aquelas obras foram feitas pelos próprios moradores, em sistema de mutirão. Com certeza ele vai encontrar ajuda dos vizinhos.
- Pode contar comigo. Sei o quanto você gosta daquelas crianças. Eu vou ajudar também.
- Obrigada. Não poderia esperar outra coisa de você. Eu hoje conheci a mãe deles e os irmãos. Dá dó ver como moram amontoados. Fora a falta de privacidade dos pais.
- Vou ver com meus amigos, quem vai querer ajudar também e você faz o mesmo com as tuas amigas. Quanto mais gente ajudar, melhor.
- Você sabe que eles não têm nem fogão? Ela cozinha em um fogão de lenha.
- A pobreza é uma coisa muito triste. Aos poucos, vamos tentar ajudar. Não dá pra fazer tudo ao mesmo tempo.
- Eu sei, Ricardo. Só fiquei comovida. E o engraçado, é que as crianças estão sempre sorrindo, como se fossem muito felizes. Não pensei que viviam tão m*l.
- Já vi que você resolveu adotar a família toda. Eu vou te ajudar e tentar arranjar mais gente para ajudar também.
De princípio, vamos tentar proporcionar um natal decente para eles. Vou te dar mais dinheiro e você compra uma ceia de natal pra eles.
- Boa idéia. Não tinha pensado nisso.
- Estou falando de uma ceia tradicional.
- Com bacalhau, perú, nozes, essas coisas?
- É. Sou capaz de apostar que nunca tiveram uma ceia dessas. Se é pra fazer, vamos fazer direito.
- Amanhã mesmo eu faço as compras e vou entregar. Agora eu já sei aonde é.
- Não é perigoso?
- Não. É um lugar de gente pobre, mas não vi nem um sinal de venda de drogas ou coisas desse tipo por perto.
- Então tá bom. Vou apanhar o dinheiro no cofre e deixar com você.
- É por isso que te amo. Você me apoia em tudo.
- Casamento é isso. Tem que ter companheirismo.
Ricardo foi ao cofre e apanhou uma grande quantia e entregou para a esposa.
Quando Marisa viu a quantia, exclamou:
- Tem muito dinheiro aqui.
- Gaste tudo com eles. Vamos fazer essas crianças terem o primeiro natal de verdade da vida deles.
- Vou gastar. Vou colocar um pouco do meu também e comprar uma roupa para a mãe. Agora que eu conheço, dá pra comprar no tamanho certo.
- E o pai?
- Vai comprar pra ele também?
- Pelo que você disse, não é nenhum vagabundo, só não deu sorte na vida, mas corre atrás de trabalho. É justo ganhar alguma coisa também.
- Mas eu não conheço ele. Não sei se é alto, baixo, gordo ou magro.
- Então compra a da mulher e deixa dinheiro com ela pra comprar pra ele.
- Você é muito generoso.
- Só com quem merece.
Marisa foi ver o jantar do marido, feliz da vida, sabendo que seus protegidos teriam a partir dali, a ajuda de Ricardo também.
Na casa de Jandira, João tinha acabado de chegar em casa e ela comentava com ele.
- A mulher que ajuda as crianças, esteve aqui hoje. Veio trazer eles em casa com os presentes de natal. Você precisava ver: Que mulher bonita. E tomou café no copo sem fazer cara de nojo.
- Nojo porquê? O copo não estava limpo?
- Claro que estava, mas rico só toma café em xícara.
- Conheço gente que é rica, mas é simples. Deve ser o caso dessa senhora.
Depois dessa conversa, foram todos jantar e dormir para se recuperar para a jornada do dia seguinte.
No dia seguinte, logo de manhã, Marisa saiu para fazer as compras encomendadas pelo marido. Primeiro foi comprar o vestido que pretendia dar a mãe das crianças e depois foi para o mercado, comprar os produtos da ceia.
Comprou tudo do melhor e não deixou de lado latas de doces em calda. Depois das compras feitas, chamou os dois para ajudarem a carregar e tomou o caminho da casa deles.
Sem entender, Janaína perguntou:
- A senhora vai lá em casa?
- Essas compras são para vocês. Eu e meu marido, queremos que tenham um natal de verdade.
- Poxa! Minha mãe vai ter um troço.
- Porquê?
- Ela nunca compra essas coisas.
- Não compra porquê não pode, mas garanto que ela vai gostar.
- Gostar não. Vai adorar!
Jonas que estava assistindo, deu uma olhada nas bolsas e perguntou:
- É tudo pra gente mesmo?
- É.
- Nossa! Tem comida aqui para muitos dias.
- Não. É tudo para a ceia de natal. Vocês vão ter uma mesa muito bonita.
Chegaram na casa das crianças e Jandira veio atender. Quando Marisa entregou as compras, Jandira se emocionou e chorou. Foi abraçada por Marisa, que prometeu:
- A partir de agora as coisas vão melhorar. Falei com o meu marido e vamos ajudar vocês.
- A senhora é uma santa.
- Não. Sou uma pessoa comum. Só dei mais sorte que vocês. Mas estamos dispostos a ajudar, porque são trabalhadores. Se fossem vagabundos, não faríamos nada.
Estamos fazendo porque vocês merecem. Quero que a partir de agora, as crianças possam viver melhor. Eu trouxe um presente pra você.
E entregou o embrulho com o vestido.
Quando Jandira abriu, se emocionou de novo.
Marisa já estava ficando sem graça diante da humildade da mulher e falou:
- Não comprei um calçado porque não sabia o número, mas vou deixar um dinheiro com você, pra você comprar e também roupas para o teu marido. Não pude comprar porque não conheço. Foi presente do Ricardo, meu marido.
- Vocês são muito bons. Que Deus os abençoe.
- É só disso que precisamos, das bençãos de Deus.
Se despediu de Jandira e perguntou as crianças:
- Vocês já vão ficar em casa?
- Não. Vamos voltar para o mercado. Ainda é muito cedo.
Jandira falou:
- Porque vocês não ficam em casa? Temos as coisas e vocês não precisam se sacrificar.
Foi Jonas que respondeu:
- Não é sacrifício, a gente gosta. É bom a gente trabalhar. Eu gosto.
Janaína completou:
- Eu também gosto de trabalhar.
E saíram juntos com Marisa, rumo ao supermercado.
Ainda fizeram alguns carretos naquele dia.
Quando chegaram em casa, a mãe falou:
- Fui guardar as coisas que a Dona Marisa deu e têm coisas ali que eu nunca comi.
Janaína respondeu:
- Se ela deu, só pode ser coisa boa. Estou doida para o Natal chegar.
A mãe respondeu:
- Faltam poucos dias. Daqui a três dias, será natal. O primeiro natal das nossas vidas. Até dinheiro para comprar roupas para o seu pai, ela deixou. Falando nisso, quando começam as férias de vocês?
Jonas respondeu:
- Eu tinha esquecido. Já não tem aula hoje.
- Mas vocês tinham que ter me avisado. Vou já preparar a comida.
Jandira correu para o fogão pra aumentar a quantidade da comida. A partir daquele dia, as duas crianças comeriam em casa, mas agora tinha alimento suficiente para todos.
Depois do almoço, os dois avisaram:
- Vamos voltar para o mercado. Dá pra fazer mais uns carretos hoje.
A mãe perguntou:
- Porque não ficam em casa brincando ou descansando? Vocês já trabalharam hoje.
Janaína respondeu:
- Nossa brincadeira é fazer nossos carretos. Nós gostamos.
E saiu com Jonas.
Naquela tarde, fizeram mais carretos do que esperavam e Jonas ao ver o dinheiro que tinham ganho, perguntou para a irmã:
- Vamos comprar uns bifes para o jantar?
- E se a mamãe brigar?
- Ela não vai brigar não. Nem queria que a gente viesse.
- Então vamos. Eu não sei comprar.
- A gente pede ajuda pro homem do açougue.
Entraram e o atendente do açougue, ajudou na escolha das crianças. Depois de pesado, viram que ainda ia sobrar dinheiro e resolveram levar uma bandeja de filé de frango também. O resto do dinheiro, entregariam a mãe. Naquela tarde, todos os carretos que fizeram, foram muito bem pagos. As pessoas estavam mais generosas.
Chegaram em casa e entregaram as compras que haviam feito e o resto do dinheiro para a mãe, que não acreditou:
- O dinheiro da tarde deu pra tudo isso?
Jonas respondeu:
- Deu. A Janaína ficou com medo da senhora brigar.
- Não tenho esse direito. Quem ganhou o dinheiro foram vocês e é justo que comprem o que tiverem vontade.
Janaína perguntou:
- A senhora não ficou braba?
- Claro que não. Essa carne já está cortada em bifes. Que carne é essa?
Jonas respondeu:
- O moço falou que é colchão mole.
- Tem ovos em casa. Vou fazer uns bifes a milanesa. Seu pai não vai nem acreditar.
Janaína perguntou:
- Dá pra fazer com batata frita?
- Não temos batatas.
Jonas falou:
- Se a senhora me der o dinheiro eu vou buscar.
- Aproveita e trás um quilo de farinha de trigo também, e da padaria um saquinho de farinha de rosca.
Deu o dinheiro para as crianças.
Estavam saindo do mercado com as compras, quando viram Marisa na fila do caixa logo ao lado da fila que entraram. Marisa chamou eles e perguntou:
- Pra quem são essas compras?
- Pra minha mãe. Eu pedi a ela pra fazer batatas fritas.
- Então deixa que eu p**o. Pega um pacote de batatas congeladas. É melhor de fazer.
Jonas respondeu:
- A minha mãe deu o dinheiro.
- Devolve a ela que eu vou pagar. Faço questão.
Janaína foi no fundo da loja e voltou com um pacote pequeno de batatas congeladas e Marisa falou:
- Esse não. Pega um maior, vocês são muitos.
Janaína fez a troca e Marisa pagou as compras das crianças.
Quando chegaram em casa e devolveram o dinheiro para a mãe, ela perguntou:
- Vocês não pagaram pelas compras?
Janaína explicou:
- A dona Marisa estava no mercado e fez questão de pagar. O Jonas mostrou que estava com dinheiro, mas ela mandou devolver pra senhora. Ainda fez eu trazer essas batatas de pacote, disse que e melhor.
- Essa senhora é uma santa. Ainda bem que ela viu que vocês não estavam de armação.
- Foi ela que chamou a gente.
Jandira foi preparar o jantar que as crianças e Marisa tinham patrocinado.
Quando João chegou em casa e viu o que tinha para comer, perguntou:
- Estamos festejando alguma coisa?
Janaína respondeu:
- O meu aniversário. Estou fazendo oito anos hoje.
Todos ficaram envergonhados com o esquecimento. Era a correria e o excesso de filhos. Mas a criança não estava sentida. Apesar de pequena, já compreendia o problema dos pais.
João voltou para a rua e quando chegou, foi com refrigerantes e um pequeno bolo.
A noite virou uma festa.
Mais tarde, Jonas confessou:
- Eu me lembrei, por isso gastei o dinheiro comprando uma comida de festa.
O pai reclamou:
- E porque não lembrou a gente? Ela deve ter ficado chateada.
Janaína respondeu:
- Não fiquei não. Foi o melhor aniversário da minha vida.