Capítulo II

1548 Words
Marisa continuou a chamar Janaína para fazer pequenos serviços na sua casa. Gostava de conversar com a criança e estava acompanhando de perto a frequência dos irmãos no colégio. Afinal, estava colocando seu emprego em risco. não fazendo a denuncia de crianças trabalhando. Aos poucos, outras donas de casa, estavam solicitando também os serviços da menina. Era muito educada e fazia tudo com capricho, mas nenhuma pagava como Marisa. Essa valorizava muito o trabalho da criança e lhe dava sempre uma quantia muito maior do que as outras. Um dia, enquanto Janaína fazia o serviço, Marisa perguntou: - Qual é a idade dos seus irmãos? - Tem o Jonas que tem nove, eu tenho sete, a Jurema tem quatro, o Júnior tem três e a bebê vai fazer dois. - Todos muito pequenos. Vai chegar o Natal e eu vou comprar roupas e brinquedos para vocês. - Muito obrigada. Mas meu pai arranjou uns trabalhos extras e mandou a mamãe comprar uma roupa pra gente usar no Natal. - Então a que eu comprar, vocês usam no Ano Novo. - Então tá. Eu falei pra senhora não gastar dinheiro sem precisar. A senhora mora sozinha? - Não. Meu marido está trabalhando. - É que sempre que eu venho aqui, só está a senhora. - Ele só chega a noite. Quando a menina terminou, Marisa ofereceu: - Quer um sanduíche com refrigerante? - Quero sim. Depois do lanche, Janaína agradeceu e depois de receber foi pra junto do irmão na porta do mercado. Trabalharam mais algumas vezes, carregando compras e quando deu a hora de ir para casa, uma outra freguesa se aproximou e pediu: - Vamos comigo lá em casa que eu tenho uns servicinhos pra você fazer. - Hoje não posso mais. Tenho que ir para casa me arrumar para a escola. - Então vou ter que chamar outra pessoa. - Eu não posso faltar a escola. A senhora veio falar comigo na hora de ir pra casa me arrumar. - Tá bom. Amanhã você faz. Eu vou esperar. Janaína chegou em casa, entregou o dinheiro para a mãe e contou as novidades: - Dona Marisa falou que vai comprar roupas e brinquedos para todos nós. Perguntou até a idade de cada um. - Você não falou pra ela que o seu pai ia comprar? - Falei, mas ela disse que então era pra usar no ano novo. - Essa senhora deve ter bastante dinheiro. Ela não trabalha? - Trabalha sim. É assistente social e não vai todos os dias. Tem um negócio de escala. Só vai quando cai na escala. - Trabalha em hospital? - Aí eu não sei. Mas acho que é com advogados. - É uma pessoa muito boa. A bolsa que ela mandou, tinha muita coisa de primeira. - Ela compra pra gente, da mesma marca que compra pra ela. - Está nos ajudando bastante. Fala pra ela que se ela quiser eu faço faxina em retribuição. - Duvido que ela vai deixar alguém trabalhar sem receber. Ela faz questão de pagar tudo. Hoje me deu até lanche. - Agora vai se arrumar, para não chegar atrasada na escola. E Janaína foi para o banheiro se arrumar. No dia seguinte, Janaína foi direta para a casa da freguesa que não tinha podido atender. Chegando lá, a senhora a levou para o quintal e pediu que varresse. O quintal era enorme e a criança levou muito tempo para acabar, mas não deixou o trabalho. Só se deu por satisfeita quando estava tudo limpo. Quando terminou, já era o final da manhã e tinha que ir encontrar com o irmão para irem pra casa. O dinheiro que recebeu pelo serviço era pouco. Antes tivesse ficado fazendo seus carretos. Mas agradeceu e saiu ao encontro do irmão. Foram para casa e Janaína explicou a mãe que tinha perdido toda manhã limpando um quintal e a senhora só tinha dado aquele dinheiro pra ela. - Essa senhora te explorou. Ficou com você a manhã inteira e só te deu alguns trocados? Quando ela te chamar agora, dá uma desculpa e não vai. - Não posso fazer isso. Dona Marisa que arrumou essas pessoas pra me dar trabalho. Amanhã vai ser melhor. - Eu não estou reclamando, só acho covardia o que essa mulher fez. Te deu um serviço pesado e pagou como se fosse um carreto de dez minutos. - Vai ver tava com pouco dinheiro. - Então que varresse ela mesma. - Deixa pra lá mãe. Amanhã vai ser melhor. Tem alguma coisa pra comer antes de ir pra escola? - Tá vendo! Se esforçou e vai ver que nem um copo d'agua te deu. Vou preparar um lanche rápido pra vocês. Vai se arrumar. Janaína entrou no banheiro para se aprontar, enquanto a mãe preparava o lanche. Café com leite e pão com manteiga. Comeu, apanhou a sacola com o material e foi com o irmão para a escola. No caminho Jonas perguntou: - Você acha que a mamãe está errada em dizer pra você não ir mais na casa dessa mulher? - Não. Ela está certa. Mas eu não posso deixar de atender uma amiga da dona Marisa. - Fala com ela. Te garanto que ela vai dizer pra você não ir mais. - Vou falar. Na outra semana, lá estava Marisa no supermercado fazendo compras. Na saída chamou os meninos e pediu ajuda para carregar. Depois de dar uns trocados e uma sacola para Jonas, pediu que Janaína ficasse para ajudar. Jonas foi em casa levar as compras para a mãe e Janaína ficou guardando as coisas e depois lavou a louça. Enquanto trabalhava, contou para Marisa o que tinha acontecido na casa da amiga dela e que sua mãe tinha proibido de voltar lá para fazer serviço pesado. - Eu conheço o quintal dela. É muito grande. Que tipo de sujeira tinha? - Capim. Acho que ela mandou capinar e a pessoa deixou tudo sujo. - Sua mãe tem razão. É muito pesado pra você. Quando ela te chamar, você diz que a sua mãe proibiu você de fazer trabalho pesado. - Ela vai ficar com raiva de mim. - Deixa ficar. Outras pessoas vão te dar serviço. Não se preocupa. Agora vem no meu quarto ver os presentes que eu comprei para vocês. Janaína acompanhou Marisa até o quarto e ficou encantada com as roupas que ela tinha comprado. Quando viu os brinquedos então, achou que estava sonhando. Tudo muito bom e muito acima do que seus pais podiam comprar. Agradeceu muito e não queria aceitar o dinheiro que Marisa deu a ela. Mas Marisa falou: - Vai pegar sim. Você trabalhou e merece receber. - Mas a senhora já gastou muito comprando as coisas pra gente. - Uma coisa não tem nada haver com a outra. Os presentes são de natal e o dinheiro é pelo seu trabalho. Janaína acabou aceitando o dinheiro e se atrapalhou toda para carregar as duas sacolas com os presentes. Nem comentou com dona Marisa que estava chegando o dia do seu aniversário. Ela poderia pensar que estava querendo mais presentes. Marisa, percebendo que a menina estava atrapalhada se ofereceu para levá-la em casa e ajudar a carregar os pacotes. Colocou a menina com os pacotes no carro e passou no supermercado para pegar Jonas. Depois foi com as crianças para casa delas. Quando chegou, se entristeceu com a aparência humilde da moradia das crianças de quem gostava muito. Nas poucas vezes que teve oportunidade de conversar com elas, se apegou muito, principalmente com a menina. Entrou na humilde moradia carregando os pacotes. Jandira quando viu aquela moça muito bem vestida dentro de sua casa, se envergonhou de sua própria aparência, mas recebeu Marisa com toda educação e demonstrações de carinho e gratidão, pelo muito que a moça estava fazendo não só pelas crianças, como por toda a família. Fez muitos elogios aos presentes, principalmente aos brinquedos que estavam ganhando. Eram coisas que não cabiam no orçamento daquela casa. Marisa percebeu que ainda tinha terreno que poderia ser usado para aumentar a moradia e dar mais conforto aquela família, mas não comentou nada. Tinha que conversar com o marido primeiro. Sua ideia era de fazer uma campanha para arrecadar material de construção para fazer uma obra ali. Conheceu as outras crianças, tomou um cafezinho com Jandira e depois se despediu, entrou no carro e foi para sua casa. Depois que ela saiu, Jandira falou: - Como vocês trazem uma pessoa tão fina numa casa como essa sem me avisar antes. Janaína respondeu: - Não avisei porque não sabia que ela vinha. Me entregou os presentes e depois falou que vinha me trazer em casa para ajudar a carregar. - Eu sei, minha filha, mas nós não temos como receber gente assim aqui. Eu fiquei com vergonha. - Mãe, ela sempre soube que a gente é pobre. - Saber é uma coisa, ver é outra. E na hora de dar o café então? Nem uma xícara eu tenho. Uma pessoa tão fina, tomando café em copo. - Ela elogiou o café e a casa está limpa. A senhora se envergonhou a toa. Faltava ainda algum tempo para o horário da escola, e Janaína foi com a mãe guardar os presentes para entregar na noite de natal.
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