Capítulo VIII

1940 Words
Quando chegou em casa, chamou a mulher num canto e falou: - Ela trabalha no Conselho Tutelar. Será que vai dar queixa de crianças trabalhando? - Se fosse, já teria feito. Acho que você está vendo cabelo em ovo. Está desconfiado da mulher só porque ela é boa? - Tomara que você esteja certa. Fiquei com medo agora. Eu posso ser preso. - Você acha que se ela fosse fazer isso, ia ficar dando presentes pra gente antes? - Não sei que conclusão eu tiro disso. É muito estranho. Logo que ela voltar de viagem, vou conhecer essa mulher. Meus filhos, ninguém tira de mim. - Se acalma homem. Com certeza ela não tem essa intenção ou já teria feito. Temos é que rezar pela saúde e felicidade dela. - Talvez você tenha razão. Mas só depois de conversar com ela é que vou me acalmar. - Não vai estragar o churrasco da noite com esse nervoso. Procura se acalmar. Quem foi que te disse aonde ela trabalha? - O porteiro do prédio ao lado. Disse que é gente de bem e eu devia agradecer aos céus por ela ter se encantado com as crianças. - Então, ele conhece ela e eu também. Tenho certeza que não tem nada por trás da ajuda que está dando a gente. Se acalma que está tudo certo. João foi procurar ajudar no que pudesse, tentando se acalmar. Depois de pensar muito no assunto, resolveu acreditar que tudo estava no lugar e se alegrar para a virada do ano. Mas assim que ela voltasse de viagem, iria procurar conhecer e conversar com ela. As cinco e meia, Jandira já estava com tudo pronto, a espera do horário marcado com seus convidados. João resolveu ir acendendo a churrasqueira e começar a assar alguma coisa, para que quando chegassem, já tivessem alguma carne pronta. Para eles, tinha começado a festa. As crianças estavam com as roupas novas que Marisa tinha dado para aquela data e João e Jandira, também colocaram as roupas que tinham comprado com o dinheiro dela. As seis, chegaram os convidados. Ruth, a mãe da mocinha, tinha levado um doce feito em casa para as crianças. Jandira colocou na geladeira para dar depois que eles comessem. Foi uma noite muito agradável. A família convidada, também não bebia, mas o marido de Ruth, levou algumas garrafas de refrigerantes para aumentar os da casa. João não queria aceitar, já que tinham o bastante, mas o casal disse que não era para fazer desfeita e Jandira levou para a cozinha para arranjar um lugar na geladeira, o que não era uma tarefa fácil. Estava muito gostoso e os convidados eram pessoas iguais a eles, assim se deram muito bem. De vez em quando, chegava um ou outro vizinho, atraído pelo cheiro e depois de algum tempo, ia embora. Esses eram rápidos, por não haver bebidas. Todos estavam se divertindo muito. Principalmente as crianças. Pouco antes da meia noite, Paulo, o pai da mocinha que se chamava Renata, foi em casa pegar uma sidra sem álcool que havia comprado para estourar na hora da virada. Na hora certa, estouraram a sidra e todo mundo brindou o ano que começava. Logo depois, os convidados se despediram e foram pra casa. Antes de saírem, João convidou: - Voltem amanhã para o almoço. Sobrou muita coisa e vamos acender a churrasqueira de novo. Depois de prometerem voltar, saíram. João começou a arrumar as coisas, enquanto Jandira colocava as crianças para dormir. Até a bebê ainda estava acordada. Finalmente, João e Jandira, se deitaram também para descansar. No dia seguinte, acordaram bem mais tarde. Já passava das nove. João correu para o quintal depois de tomar um café para já começar a preparar a churrasqueira para aguardar a chegada dos vizinhos com alguma coisa pronta. Ainda passou pela casa deles para confirmar o convite, a caminho da padaria, para comprar mais alguns pães. Ao meio dia, o cheiro da carne assando já era sentido longe. Paulo chegou com a família e ficaram papeando até começar a escurecer, quando deram o dia por encerrado. No dia seguinte, João saiu para fazer seus serviços de limpeza e as crianças foram para o mercado. Quase não fizeram nada naquele dia. O movimento estava muito fraco e assim seguiu nos dois próximos dias. Tanto que ficaram o resto da semana em casa. Quando entrou a outra semana, voltaram para o mercado e Marisa que estava chegando de viagem, foi vê-los. Logo que chegou, perguntou: - O pai de vocês está em casa? Janaína respondeu: - Está sim. Hoje ele não vai sair. Não tem nada marcado. - Vou lá falar com ele. Assim que voltou de viagem, foi informada pelo porteiro do prédio ao lado, que ele tinha ido a sua procura. Chegou no portão e gritou: - Jandira! Jandira veio ver quem era e separou com Marisa no portão. Foi abrir e convidou Marisa para entrar. Esta logo falou: - Vim falar com teu marido. Soube que andou me procurando. - É. Ele quer lhe conhecer. - Aqui estou. Chama ele, por favor. João já estava saindo, atraído pelo grito. Jandira fez as apresentações e Marisa perguntou: - Então, o que o senhor quer saber? - Queria lhe conhecer, afinal a senhora tem ajudado tanto a nossa família que eu fiquei curioso. - Eu sei. O porteiro me disse. O senhor pode perguntar o que quiser. Está no seu direito de pai. João perguntou: - Porque a senhora está fazendo tudo isso por nós? - Porque posso e vocês precisam. Eu trabalho no conselho tutelar e só vejo crianças m*l tratadas e exploradas pelos pais. Aqui não. Vocês mantém as crianças na escola e elas não sofrem maus tratos. Vocês protegem as crianças. - A senhora não vai denunciar a gente? - Claro que não. O estado não permite que crianças trabalhem, mas não dão nenhuma ajuda. Observei bem os filhos de vocês e vi que gostam do que fazem. Não são forçados ao trabalho. - E o dinheiro que a senhora deu a Janaína antes de viajar? - Era para se faltasse alguma coisa. - Não faltou e não usamos. Está guardado para lhe devolver. - Não quero. Dei e é de vocês agora. Façam o que quiserem com ele. - A senhora tem certeza? - Tenho. - Então, vou aproveitar que vou ficar parado uns tempos e comprar material para tentar fazer mais um cômodo aqui. - Por favor, não faça isso. - Mas nós precisamos. - Era para ser uma surpresa, mas vou ter que contar agora. Eu e meu marido, fizemos uma campanha junto a amigos que cooperaram com doações e vamos comprar o material para as obras da casa. Deu tanto dinheiro, que vai dar pra fazer a obra e ainda equipar a casa com algumas coisas que estão faltando. Até um eletricista vem fazer o serviço para que tudo fique direitinho. O senhor só tem que arrumar o pessoal do mutirão para fazer. - Não sei o que dizer. A senhora é muito boa. Ia pegando as mãos dela para beijar, mas percebendo a intenção dele, Marisa retirou as mãos e disse: - Antes de começar a ajudar a sua família, procurei saber o que se passava aqui. De princípio, pensei que era mais um caso de abuso ao menor. Aí sim, eu teria que denunciar. Mas conversei muito com a Janaína e vi que o caso era outro. O senhor é um homem honesto e trabalhador, não tem vícios e cumpre com as suas obrigações de pai, mantendo as crianças na escola e protegendo eles. Esses dias mesmo, o senhor esteve na minha casa, procurando me conhecer e ver se eu não oferecia nenhum perigo para seus filhos. Com seu gesto, só ganhou mais a minha admiração e amizade. Qualquer um no seu lugar, iria aproveitar o que eu estou dando e não se preocuparia em me conhecer. Seu gesto de proteção aos seus filhos, é digno de admiração. O material da obra deve chegar ainda esta semana. O senhor pode começar a requisitar seus amigos para ajudar. Depois eu dou algum dinheiro para eles. - Não sei o que dizer. Estou envergonhado com a minha desconfiança. - Não é pra se envergonhar. Seu gesto foi de proteção. O senhor queria ter certeza que as crianças não corriam nenhum perigo. - É verdade. Achei que era bondade demais e poderia ter segundas intenções. Por isso, fui averiguar. - Agiu como qualquer pai que se preocupa com os filhos. Fez a sua parte. Mas agora já me conhece. Mais alguma pergunta? - Sim. O que podemos fazer para retribuir tudo isso? - Continuem cuidando e protegendo os filhos de vocês. Pra mim é o que importa. Se o senhor visse os casos que tenho acompanhado, o senhor ia entender melhor. Pais viciados que exploram os filhos para ter dinheiro para os vícios e alguns casos de abuso até s****l a meninas. Alguns que prostituem as filhas para manter os vícios, casos em que a cadeia, não é castigo suficiente. - Entendo o que a senhora está dizendo. Fui criado em uma família assim. Por isso, não pude nem estudar e não tenho um bom emprego. Vivo de b***s. Agora é época de pararem as obras e vou ficar sem trabalho algum tempo. - Fica tranquilo que eu vou ajudar. A propósito: O senhor não preferiria ganhar um pouco menos por dia, mas ter carteira assinada? - Claro que sim. - Vou ver com um amigo meu. Ele tem uma empresa de limpeza e conservação. Sabe o que é? - Esse pessoal que trabalha na limpeza de hospitais e escolas? - Isso mesmo. Serviria para o senhor? - Seria um sonho. - Que se Deus quiser, vamos fazer se tornar realidade, mas primeiro a obra da casa. O senhor tem que ficar de frente. Está faltando alguma coisa em casa? Jandira respondeu: - Não. Temos coisas até demais. Não usamos nem a quarta parte do churrasco do fim de ano. - O churrasco também foi o pessoal que participou da campanha da obra que teve a idéia e mandou o dinheiro. Eu e meu marido, íamos deixar alguma coisa para vocês, mas não seria tanto. Tem mais de trinta pessoas e cada um deu o que teve vontade. Não tem nada estipulado. Assim deu pra comprar tudo aquilo e o que sobrou, eu entreguei para Janaína. O dinheiro é de vocês. Façam o que quiserem, menos material de obra. Esse já está garantido. E quando terminar, vou ver se consigo colocar seu João na empresa do meu amigo. Ganha menos, mas é certo e tem todas as garantias. João falou: - É um sonho. Um emprego de carteira assinada é o que eu preciso. E olha dona Marisa: Eu não sou a favor das crianças trabalharem. Por mim, ficavam em casa. - Eu sei disso, mas eles gostam e fazê-los parar seria um castigo. - Por isso eu tenho que engolir. - Está sendo bom pra eles. Fazem o que fazem se divertindo. Pode ficar tranquilo, que se houver alguma denuncia, eu mesma resolvo lá. - Eu agradeço. Marisa novamente perguntou se tinham mais alguma dúvida e diante da resposta negativa, se despediu e foi pra casa. Quando ela saiu, Jandira perguntou: - Está mais calmo agora? - Agora estou. Você imagina a obra que ela vai mandar fazer? E ainda vai me arrumar emprego de carteira assinada. - E você desconfiado dela. - É o ditado: Quando a esmola é muita, até o santo desconfia. Entraram na casa e foram cuidar dos serviços que tinham que ser feitos.
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