De repente, João avisou:
- Vou lá na associação ver se eles arrumam um grupo de homens para a reforma da casa. Agora tudo tem que ser feito por lá.
- Assim fica mais certo. Cada um já vem sabendo o que será feito.
- Então eu não posso ir agora. Nem eu sei o que a dona Marisa tem em mente.
- Ela falou em aumentar e você diz isso.
- Mas aumentar em quantos cômodos?
- É verdade. Ela não disse. Mas chegando o material, vai ter que começar logo. Não temos aonde guardar das chuvas.
- A casa que já é pequena, vai ficar menor. O cimento vai ter que ficar aqui dentro. Não pode molhar.
- Ela podia ir comprando aos poucos.
João resolveu esperar chegar o material para ver o que seria feito, mas enquanto isso, foi falando com alguns vizinhos que logo se prontificaram a ajudar.
Na quarta-feira, parou um caminhão da loja de materiais e começou a descarregar. O homem deu a nota na mão de João, que disse:
- Eu não sei ler. Confio no senhor. Pode descarregar.
Foi pra dentro de casa e avisou a Jandira:
- O material chegou. Estão descarregando.
Quando terminaram o serviço, João deu uma gorjeta a eles e o motorista avisou:
- Essa é a primeira parte. Foi dividido em quatro entregas.
Era muito material. O que dona Marisa tinha em mente?
Depois de pensar um pouco, resolveu ir até a casa dela e perguntar.
Chegou no portão e tocou o interfone.
Ela atendeu rapidamente e veio falar com ele.
- Bom dia. Aconteceu alguma coisa?
- Chegou uma parte do material lá em casa e eu não sei o que é para fazer.
- Seu João, a casa é sua. O senhor que tem que decidir. Eu estou apenas ajudando.
- Mas eu tenho que dizer na associação o que vai ser feito e eu não sei pra que vai dar. O homem falou que foi dividido em quatro entregas e já tem material a beça.
- O terreno é muito grande. Eu pensei em tirar a cozinha e aumentar o banheiro e fazer outra cozinha e mais três quartos. Um pra vocês, outro pros meninos e o último para as meninas. O que o senhor acha?
- Vai dá prá tudo isso?
- Pelas contas do engenheiro que eu perguntei, vai. Se faltar alguma coisa, a gente compra depois. Há e é bom fazer logo uma escada e um terraço para as crianças brincarem.
- Isso é casa de rico.
- Essa é a casa que vocês merecem. Aproveita a oportunidade e melhora de vida.
- Muito obrigado. Nunca vou esquecer vocês nas minhas orações.
- O senhor sabe rezar?
- A Jandira me ensinou e eu rezo todos os dias.
- Então Deus está ouvindo as suas preces. Aproveita.
Marisa entrou e João voltou para casa abobalhado. Jandira perguntou preocupada:
- O que foi? Você está com cara de bobo!
- Fui perguntar para dona Marisa, o que era pra fazer e ela disse que a casa é minha e eu que tenho que decidir. Aí eu pedi que me desse uma ideia e sabe o que ela falou?
- Não.
- Tirar a cozinha e fazer um banheiro grande, fazer outra cozinha e mais três quartos e uma escada para o terraço.
- Pra quê tantos quartos?
- Um pra nós dois, um para os meninos e outro para as meninas e o terraço para as crianças brincarem.
- O material que vai ser dado, dá pra isso tudo.
- Ela falou que se faltar alguma coisa, compra no final.
- Vamos ficar com muito mais conforto. Isso é casa de gente rica.
- Foi isso que eu falei. Por isso estava com cara de bobo.
- É melhor você ir logo na associação e pedir os homens do mutirão para fazer a obra. Quanto antes começar, melhor.
- Vou lá agora mesmo.
E saiu.
Chegou na associação e falou para o presidente:
- Vim pedir pro senhor arranjar uns homens para fazer uma melhoria na minha casa de mutirão. Vamos aumentar ela.
- Quantos cômodos?
- Quatro novos e modificação no banheiro. Tirar a cozinha e aumentar o banheiro e fazer uma cozinha nova e mais três quartos.
- Ganhou na loteria?
- Não. Recebi o material de presente de uma senhora que fez uma campanha em meu favor e arrecadou o dinheiro. Se tivesse ganho na loteria, não pedia o mutirão. Pagava os pedreiros e pronto.
- Que sorte a sua. Meus parabéns. Agora tem muita gente sem trabalho. Sabe como é início de ano para quem trabalha em obra. Vai dar pra arranjar isso rápido. Talvez amanhã já comecem na sua casa, afinal sempre que precisamos dos seus serviços pudemos contar. Agora é a hora do retorno.
Tem que fazer a fundação?
- Tem.
- Pra isso era bom uma máquina. O senhor tem como pagar uma?
- Será muito caro?
- Acredito que uns cem ou cento e cinquenta por dia.
- Então tenho. O senhor sabe aonde arranjar uma.
- Pode deixar que eu mando lá. Pedindo por aqui, sai mais barato.
- Muito obrigado. Vou esperar pelo pessoal então.
Voltou para casa e comentou com a mulher:
- O presidente perguntou se eu tinha ganhado na loteria?
- É que a obra é grande. O que você respondeu?
- Falei a verdade. Que uma senhora tinha feito uma campanha em nosso favor e estava nos dando o material.
- Cuidado para não ficarem em cima da dona Marisa pedindo coisas.
- Não falei quem era. Falei uma senhora.
- E se perguntarem quem foi?
- Vou dizer que não posso dizer.
- Isso mesmo. Senão não vão deixar ela em paz.
- Vou dar um pulinho na casa dela e avisar que vai começar amanhã.
- Precisa?
- É bom ela saber que estamos fazendo do jeito que ela queria.
- Vai lá então. Aproveita, traz pó de café. Vai ter muita gente aqui amanhã.
- Só isso.
- Só.
João tocou o interfone de Marisa que veio até o portão falar com ele.
- Boa tarde, seu João. Algum problema?
- Não. Vim avisar que a obra começa amanhã. Vai vir até uma máquina para fazer a fundação. O presidente da associação contratou.
- Mas isso o senhor tem que pagar.
- Eu tenho o dinheiro. Sobrou do fim de ano.
- Mas eu falei que a obra é por nossa conta. Quanto é?
- Dona Marisa, eu não vim aqui lhe pedir dinheiro. Fico até sem graça. Pode deixar que eu tenho o dinheiro para pagar.
- Seu João, quanto é? A obra é por conta da campanha e tem dinheiro da campanha sobrando.
- Ele disse que seria uns cem a cento e cinquenta reais por dia.
- Em quantos dias faz?
- Acredito que dois sejam suficientes.
- Vou pegar o dinheiro. Entra e aguarda na varanda.
- Seu marido está em casa?
- Não. Está trabalhando.
- Então não leva a m*l, mas vou esperar aqui mesmo. Nem precisava. Não mexemos naquele dinheiro que a senhora deu a Janaína.
- Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Entrou e voltou logo com um embrulho de jornal que entregou a ele.
Falou baixinho:
- Ninguém precisa saber o que é. Deixa pra abrir em casa. Tem um pouco mais para as despesas dos lanches do pessoal. Seu João, não era melhor a Jandira e as crianças ficarem uns dias aqui? Por causa da poeira e da bagunça que vai ficar. Obra atrapalha muito.
- Seria pedir demais.
- O senhor não está pedindo. Eu que estou oferecendo.
- Muito obrigado. Vou falar com a Jandira e ver se ela quer vir.
- Faz uma força. A casa é grande e tem lugar para todo mundo. Inclusive o senhor pode vir também quando terminar todo dia.
- Alguém tem que ficar tomando conta. Senão pode sumir material.
- Lá não são todos de confiança?
- São. Mas a oportunidade faz o ladrão.
- Eu acho que em lugar de gente honesta, esse ditado não cabe.
- Nunca se sabe. É melhor eu ficar. Mas vou falar com a Jandira. Se ela quiser vir com as crianças, por mim não tem problema.
- Diz a ela que eu faço questão. Muita poeira pode trazer problemas respiratórios para as crianças.
- Isso é verdade. Muito obrigado.
João chegou em casa e abriu o pacote. Tinha mil reais ali.
Falou para Jandira:
- Ela fez questão de pagar a máquina da fundação e ainda deu dinheiro a mais para o lanche dos rapazes. Quer que você vá com as crianças ficar na casa dela até a obra terminar.
- Porquê?
- Por causa da poeira que pode dar problema de respiração nas crianças.
- E agora?
- Por mim, você pode ir. São poucos dias. Acredito que em duas semanas, tudo vai estar pronto.
- E você? Como vai comer?
- Eu improviso qualquer coisa pra mim. Afinal eu sei cozinhar.
- Mas vai ficar sem cozinha uns dias.
- Não tinha pensado nisso. Dou meu jeito.
- Vou pedir a ela pra trazer um prato todos os dias pra você.
- Não. Isso seria abuso. Até porque ela me chamou para ir também e eu disse que tinha que ficar tomando conta do material. Pode deixar que eu me viro. Você vai com as crianças que já é de grande ajuda.
No dia seguinte, ligo que chegaram vários homens para começar a obra, Jandira pegou as crianças e foi para a casa de Marisa. Os carretos tinham diminuído muito, e as crianças estavam desanimadas. Mas foram para a porta do mercado tentar a sorte.
Na hora do almoço, foram para casa de Marisa e fizeram a refeição. Depois voltaram para o posto de trabalho, deixando a mãe e os pequenos com Marisa. Esta perguntou:
- Como o seu João vai fazer para comer?
- Não sei. Porque a primeira coisa que eles vão desfazer é a cozinha. Até o fogão a lenha eles vão tirar. Mas ele disse que eu não me preocupasse que ele ia se virar.
- Não é melhor você fazer um prato e levar pra ele? Eu olho as crianças.
- A senhora não se importa?
- Claro que não. Faz e leva e a noite leva a janta. Ele não pode ficar sem comer. Vai ficar doente.
- Deus me livre!
Foi para a cozinha a arrumou um prato.
Quando chegou na obra, João reclamou:
- Eu disse para você não pedir. Mais tarde eu ia fazer um lanche. Nós já estamos abusando.
- Foi ela quem me mandou trazer e disse que a noite, vem a janta.
- Essa mulher é boa demais. Como estão as crianças?
- Estamos ocupando três quartos. Tem quarto que não acaba mais naquela casa.
- Faz de tudo para ajudar enquanto estiver lá. Ela merece.
- A casa é muito arrumada. Ela faz tudo sozinha.
- Tem filhos?
- Não. É só ela e o marido.
- Assim mesmo. Procura agradar essa senhora. Ela faz muito por nós.
Acabou de comer e devolveu o prato a Jandira. Que embrulhou e voltou para casa de Marisa.
As crianças estavam vendo televisão e ela estava arrumando a cozinha.
- Deixa que eu faço isso. Vai descansar um pouco.
- Eu gosto do serviço doméstico. Adoro cozinhar e experimentar receitas novas.
- Eu também gosto. Pelo menos, vamos fazer juntas.
- Seu João comeu?
- Tudo. Disse que ia fazer um lanche mais tarde.
- Viu? Se você não vai lá ele ia viver de lanches por muitos dias. Ia acabar doente.