Capítulo 07: Caverna do d***o

2646 Words
Himalaia, Paraíso Hayley, a quarta Senhora de Guerra, que buscava sair do Paraíso e não guerrear aquela guerra sem sentido, chegava à caverna num dos pontos mais altos da montanha onde, alguns meses antes, Kane havia estado. Desde sua conversa com Leonard Ross em Londres, ela vinha rastreando os movimentos de Kane, que decidira abandonar, com alguns homens, sua cidade murada na Romênia, Bucareste, e estava marchando com seus homens para leste, por algum motivo que ela queria muito descobrir. Seus outros dois irmãos, Baldwin e Grant, haviam ficado na base da montanha. Não quiseram subir até ali com ela. Diferente da maioria dos Filhos do Abismo, ela e seus quatro irmãos, Baldwin, Grant, Newton e Zoe, adotaram os nomes das almas que possuíram, pois, basicamente, eles tinham se tornado eles. A verdadeira Hayley estava dentro dela, falava de vez em quando, mas as duas estavam cada vez mais misturadas, unidas, tornando-se um ser. No entanto, o Filho que dominara Hayley, cujo antigo nome era Piersym, não tinha a menor ideia de quando elas estariam completamente unificadas. Poderia levar meses ou anos. Ela cravou o piolet com força pela última vez, depois disso, ela conseguiu entrar na caverna. A noite estava próxima, e ela estava cansada demais para explorar aquela; não sabia se poderia encontrar perigos e, naquele estado, seria difícil usar as sombras para se defender. Acendeu uma fogueira para tentar aguentar o frio daquelas alturas – uma desvantagem de se unir a alma, é que você começa a sentir todas as fraquezas que as almas sentem; frio é uma delas; Piersym desejava que não pegasse uma das temíveis gripes de que Hayley lembrava-se de sua vida na Terra. Quando a noite chegou, ela alimentou-se dos mantimentos que havia trazido na pesada mochila e dormiu. Os Filhos do Abismo não sonhavam, e essa, infelizmente, não era uma das qualidades de Hayley que Piersym tinha absorvido, infelizmente. Hayley tinha lhe contato muitos e muitos sonhos distintos, mas que eram sempre divertidos, isto é, quando não acabavam sendo um pesadelo. Contudo, naquela noite, ela se pegou lembrando-se da Primeira Guerra Celestial, quando foram criados. O total de Filhos era um pouco superior a um milhão – mesmo que esse número tivesse diminuído um pouco por causa de Miʻridʻrin. A cada cem mil que nasciam exatamente como a Morte queria, um nascia defeituoso: estes não tinham o desejo de lutar contra os anjos. Esses cinco que nasceram escolheram Piersym para liderá-los contra a guerra, mas ela falhou com eles, e a própria Morte os selou-o de volta ao Abismo. Eles, nem ao menos, lutaram na Primeira Guerra. Agora eles tinham uma segunda chance, se Piersym não estragasse tudo outra vez. E melhor do que antes, eles tinham um lugar para ir: Terra. Um mundo tão especial para o Criador, que o Paraíso tornou-se um reflexo dele. Hayley iria levar seus irmãos para lá, mesmo que sua própria vida fosse destruída no processo. Pela manhã, quando a luz entrou na caverna, ela despertou. Não se lembrava de quando tinha dormido; ela caíra na escuridão da inconsciência em algum momento. Recolheu suas coisas e passou a caminhar para o fundo da caverna. Como uma Ganaruryak, ela não tinha medo das sombras. Eram parte dela, tanto quanto Hayley. Caminhou por longos vinte minutos até que ela sentiu o chão ficar mais macio, era como pisar na neve. Ela abaixou-se para ver melhor; estava muito fundo na caverna para haver neve ali, a não ser que houvesse uma a******a, mas a ausência de luz natural indicava que isso não era uma possibilidade. Tomou um pouco na mão e aproximou dos olhos. Naquela escuridão, não seria capaz de distinguir cor, mas não conseguia ver nem um pouco do branco que normalmente veria se aquilo fosse neve de fato. Por isso, acendeu um pequeno isqueiro; para sua surpresa, aquilo era neve sim, mas não era branca, era tão n***a quanto às sombras que ela manipulava. Olhou em volta, e descobriu que as paredes estavam repletas de gelo. Gelo n***o. Cerca de cinquenta metros à frente – e ela não precisava do isqueiro para saber; e a pequena chama nem ao menos chegava até lá – a caverna terminava. Ao se aproximar, descobriu uma porta imensa de pedra; sobre ela havia palavras escritas em inglês, o idioma materno de Hayley de quando ainda era viva. Deixai toda esperança, ó vós que entrais! Uma frase um tanto assustadora para um lugar que está no Paraíso, Piersym não deixou de notar. Não apenas isso, a voz de Hayley falou em sua mente, sem aviso, como de costume, essa frase, de acordo com Dante Alighieri, está escrita na porta do Inferno. E você acredita nisso? Sim, Hayley não costumava dizer muito no que acreditava ou não, pois o Inferno é um lugar para aqueles que perderam a esperança. Mas, se isso está escrito aqui, é por que o d***o – Deus me perdoe – esteve por aqui em algum momento. Ele não é tipo, o maior inimigo do Criador? Eu acreditava que sim, mas depois de vocês, Filhos do Abismo, eu acho que Ele detém muitos mais inimigos, Hayley tinha sentimentos conflitantes em relação a sua última frase, como se isso conflitasse com o que ela acreditava quando era viva. O que acha que tem atrás dessa porta? Piersym perguntou. Seja lá o que for, não é nada bom. Mas ainda, é o que precisa para salvar seus irmãos. Ela tinha razão; atrás daquela frase sinistra, estava a resposta para seus problemas. Usou suas sombras para movimentar a pedra que se fazia de porta e liberar o caminho. Assim que colocou o pé dentro, dezenas de tochas se acenderam no mesmo momento, iluminando uma gruta de paredes redondas, como uma bolha; havia ali diversas mesas de pedra que estavam com objetos estranhos, coisas que ela nunca tinha visto antes. De acordo com as memórias de Hayley, aquele parecia um laboratório para condução de experiências. O d***o sempre quis ser como Deus, queria criar a vida, como ele. Aqui, ele devia fazer isso, quando ainda era um anjo. Piersym não conseguia imaginar um anjo que queria ser como o Criador; para ela, os anjos eram imaculados, completamente fiéis. E o que aconteceu com esse tal de d***o? Ele se voltou contra Deus, guerreou e foi expulso daqui. Ainda, uma imagem que ela não conseguia mentalizar. Ao observar bem os arredores, notou que tudo não parecia ser tocado por milhares de anos; havia alguns musgos e fungos crescendo em alguns lugares; teias de aranhas até mesmo nos pergaminhos das paredes. Tudo, menos um pedestal que estava no centro da sala. Ele parecia ter sido protegida com magia – e Piersym sabia que magia existia, graças a conexão mental dos Filhos do Abismo; aqueles que tinham jurado lealdade, podiam se isolar daqueles que não tinham, impedindo assim que segredos vazassem, em outras palavras, a mente coletiva subdividia-se, mas essa subdivisão era opcional, e quem decidia eram os Senhores de Guerra. Piersym odiava essa complicação –, pois não havia nada ali que indicasse a passagem do tempo. Sobre o pedestal, havia dois pergaminhos. Abriu o primeiro, que continha palavras em uma língua que ela nunca tinha visto antes. Entretanto, quanto mais ela encarava os símbolos, mais eles começavam a fazer sentido em sua cabeça. Minutos depois, ela era capaz de distinguir palavras e frases; mais alguns minutos, ela podia lê-lo. E ela leu. Cada palavra, cada feitiço. Sim, pois aquele não era um pergaminho qualquer; aquele era um pergaminho que continha todos os segredos e os primeiros feitiços criados para a Arte, a magia luciferiana para combater os anjos. Enrolou-o outra vez e pegou o segundo, que era um pouco menor. Escrito no mesmo idioma, a Língua Proibida, aquele pergaminho tinha informações sobre os próprios Filhos do Abismo e os Filhos da Morte, além de detalhes e mais detalhes sobre a Primeira Guerra Mundial. Contudo, de tudo que leu até o cair da noite, havia duas informações que se destacaram em seus olhos: a primeira era uma forma alternativa de selar os Filhos sem o Fogo Celestial. Aparentemente, o tal d***o intencionava libertar os Filhos e usá-los em sua Rebelião, caso os anjos não se juntassem a causa. E, após se rebelar, sabia que não teria o Fogo Celestial ao seu lado e, portanto, não poderia controlá-los ou mandá-los de volta ao Abismo. Por isso, ele descobriu uma segunda forma, usando símbolos da Arte e sangue de anjos. Todavia, sua ganância por poder ia mais além. Ele desvendou ainda que poderia m***r os Filhos do Abismo, mas sua teoria nunca foi testada. Também havia informações de local no Paraíso em que poderia conseguir o metal celesticla, Sídero Theía. Esse era o poder que Kane procurava. _____________________________ Chengdu, China, Paraíso A cidade, até então, era controlada por uma comunidade de Filhos do Abismo sem lealdade a ninguém, a não ser a si mesmos. Eles não eram muitos, é claro, mas foram capazes de controlar as almas que não tinham sido possuídas e os forçavam a trabalhar para gerar conforto aos seus lordes. Essa era uma posição de poder que gostavam. Mas tudo mudou quando Kane veio com seu exército. Os Filhos que viviam ali tentaram lutar contra ele, mas foram derrotados, pois Kane detinha muitos Ryaks, e eles eram comuns. Kane se reuniu pessoalmente com todos os Filhos e contou sua descoberta: minas de Sídero Theía. Se eles aceitassem trabalhar com Kane, não como subalternos, mas como irmãos – sem juramento de lealdade – eles possuiriam as armas mais poderosas do Paraíso e, juntos, poderiam conquistar muito mais do que aquela pequena cidade. Promessas, sim, mas sabiam que Kane não mentia, e ao mesmo tempo não contava tudo que sabia. A memória coletiva podia ser um pé no saco para uns, mas uma grande ajuda para os outros. A notícia do projeto de Kane espalhou-se pela China, o que dividiu a opinião de muitos. Alguns se juntaram a eles, outros não. Durante os meses de escavação do Sídero Theía, refinamento, produção e trabalho construindo as espadas, muitas almas não-possuídas foram forçadas a trabalhar. Kane estava em sua sala, que ficava na parte superior do sua maior fábrica. Ele fazia as contas de quanto tempo levaria para armar todo seu exército e os Filhos que tinham feito acordo com ele. No total, chegavam a pouco mais de dezessete mil homens – doze mil a menos que Abigail, na França, e vinte e três mil a menos que Vizard, o senhor sobre Roma. Os Filhos que eram leais a Kane somavam, no máximo, quinze mil e quinhentos. Se o plano desse certo, todos os Filhos que estavam naquela parte do mundo, iram jurar lealdade a ele. Ele seria o Senhor de Guerra de quase noventa mil homens, e mais, se os que estavam na Mongólia, Rússia, e outros países na parte norte do continente e ao sul, no Vietnam, Tailândia e outros, também jurassem lealdade a ele, seu exército completaria cem mil e duzentos homens. Em apenas alguns meses, ele seria capaz de m***r Abigail e Vizard e, então, tomar seus exércitos para si. Seus planos não poderiam estar dando mais certo. O problema viria com Kifo; o Filho da Morte havia desvendado o mistério de absorver o poder de outra alma, e pior, que apenas ele era capaz. Um Filho tentou e desapareceu, todos viram. Em breve, ele seria o ser mais poderoso do Paraíso, isto é, se a Morte não interferir como fizera antes. Pelo menos, Kane agora tinha ganhado um pouco mais de tempo. Um de seus homens, um Manáryak que tinha as habilidades excepcionalmente elevadas em comparação ao resto dos Manáryaks, aproximou-se. Seu nome era Wisym in’he Ciprian. Wisym era aquele que costumava trazer as notícias para Kane, e por isso, era considerado um de seus dos mais chegados. – Senhor, hoje nossos números chegaram a nove mil e quinhentas espadas prontas. Os outros lordes... – Não use esse termo para eles. – Kane falou, um pouco irritado. – Eles não têm homens jurados a eles e, portanto, não são lordes, como eu. – Os outros Filhos líderes querem saber quando o senhor irá cumprir sua promessa. – Em breve, Wisym. Agora, o que precisamos, são anjos. – Kane afirmou. – Estou grato de o senhor ter dito isso, pois uma patrulha de doze anjos está vindo à nossa direção. Eles detectaram a produção. – Um timing perfeito, de fato. – Usou uma palavra que seu hospedeiro, quando em vida, usava bastante. – Junte cento e vinte dos nossos melhores. Vamos enfrentar esses anjos, mas eles não podem ser mortos. Precisamos de cada um deles vivos. – Kane sorria maliciosamente. Muito, muito em breve, ele se tonaria o maior Senhor de Guerra do Paraíso. _____________________________ Nova York, Paraíso A casa de Jared ficava num dos locais mais afastados do centro de Nova York. Estava tão longe, que o muro que os protegia estava a dois quarteirões dali. Era uma casa de aparência simples, com dois andares e uma garagem grande o bastante apenas para um carro. Acompanhada por Jensen, bateu na porta, mas ninguém respondeu. Enquanto ela espiava para saber se tinha alguém ali, Jensen deu a volta para ver se a porta de trás estava aberta; ela também conferiu a da frente, que estava trancada – algo incomum, pois no Paraíso, as pessoas não costumam trancar suas portas. Jensen voltou, dizendo que a casa estava aberta. Ela o acompanhou. Entraram em uma cozinha caótica, parecia que uma guerra havia acontecido ali. Pilhas sobre pilhas de louças por lavar; comida estragada nas panelas sobre o fogão; os armários completamente vazios, a não ser por também comidas que tinham passado da validade. Continuaram explorando, procurando por qualquer coisa que indicava o paradeiro de Jared, mas nenhuma pista parecia querer surgir naquele lugar. Até que, no andar superior, encontraram. Jared não estava ali, contudo havia deixado milhares de fotos e papéis espalhados sobre a cama, colados nas paredes e guarda-roupas. A maioria das fotos era do muro, de longe, de perto, de suas rachaduras e de várias localidades diferentes. Ele tinha ido até o ponto mais alto do Bronx. Descido toda a extensão do rio até a beira de Manhattan. Depois, fora para Staten Island, no ponto mais ao sul do muro. Por fim, atravessou toda a extensão do Brooklyn e do Queens, até retornar ao ponto inicial ao norte extremo do Bronx. Eram milhares de fotos e anotações, seja atrás delas ou em cadernos ou, até, folhas avulsas. E Thais avaliou cada uma com a cautela e precisão de uma médica dos anos 40. Jensen leu com ela. Jared estava procurando por alguma fraqueza no muro; inicialmente, ela imaginou que ele estivesse procurando uma forma para os Filhos entrarem – talvez, para evitar que tal tragédia acontecesse –, mas, após ler mais e mais anotações, ela chegou a uma conclusão completamente diferente. Jared não estava procurando um meio de entrar, e sim um meio de sair. Thais e Jensen trocaram olhares de compreensão por alguns segundos, antes de ela dizer: – Ele não está mais aqui. Ele saiu. – Se ele descobriu uma forma de sair de Nova York, por que não há nada especificado aqui? – O outro estranhou. – Ele não queria que ninguém o seguisse, é claro. – Thais deduziu. – Nós sabemos de suas intenções, mas não sabemos seus meios ou motivos. Ela se levantou de repente, dizendo que tinha que ir, encontrar seus amigos para dividir aquelas informações. Agradeceu de coração Jensen e deixou-o para trás na casa. A noite já estava cheia do lado de fora e ela chegou a casa quase quando o sol estava subindo, por isso, não cruzou com nenhum de seus amigos. Caiu na cama e apagou, tamanho era seu cansaço.
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