Capítulo 17

3296 Words
Beatriz _ Acorda, Bibi! – Raquel chama sacodindo o meu ombro. – Já é hoje que eu vou para aquela escola onde a Lulu e o Theo estudam. Resmungo em resposta ainda cansada do dia anterior. Ainda com os olhos fechados tateio o móvel ao lado da cama em busca do meu celular. Quando o encontro abro um pouco os olhos para me certificar das horas. Ainda são 5hrs30min e tenho certeza de que podemos dormir mais um pouco. Mas Raquel volta a sacodir o meu ombro me pedindo atenção. _ Ainda é muito cedo, Quel. – Explico num tom de voz baixo ao ver que Joaquim ainda está dormindo. – Vamos dormir só mais um pouquinho. – Peço tentando a fazer voltar a deitar, mas ela resiste. _ Não tem que dormir, não. – Afirma balançando a cabeça num movimento negativo. – Tem que levantar e se arrumar para ir para a escola. – Insiste me empurrando para fora da cama. Mas como sou maior e mais pesada ela não consegue me mover um centímetro sequer. – Vamos, Bibi. – Pede começando a ficar com aquela voz que antecede o choro. _ Parece que o dia vai começar cedo hoje. – Joaquim comenta com um sorriso travesso antes mesmo de abrir os olhos. Mas quando ele os abre é de tirar o folego. Ainda não o havia visto acordar. Ele sempre levanta primeiro e quando acordo ou estou sozinha com Raquel ou ele está a nos observar. _ Por que toda essa agitação, princesa? – Pergunta sentando na cama ao mesmo tempo a puxando para o seu colo. _ Porque tem que levantar e arrumar para a escola e a Bibi só quer ficar aqui dormindo. – Me delata a pequena traidora. _ Não é isso. – Me defendo também sentando. – Acontece que ainda está muito cedo. Não vamos a escola agora porquê ainda é hora de dormir. _ Não? – Pergunta e respondo com um movimento de cabeça negativo. – Mas eu não quero mais dormir. – Fala cruzando os braços. _ Ainda é cedo para ir à escola, mas a sua irmã pode te vestir e vamos visitar o Máximos. O que acha? _ Isso mesmo, Joca. – Diz animada aprovando a ideia. – Me arruma para ir ver o Máximos, Bibi. – Pede se lançando sobre os meus braços e sem outra alternativa me ergo a trazendo junto comigo. Antes de deixar o quarto ganho um beijo de bom dia do meu namorado. No corredor coloco Raquel no chão e vamos caminhando até o seu quarto. Seus passos ainda vacilam um pouco e ela ainda manca um pouco da perna, mas não precisa mais do apoio das muletas. Fora isso não existe mais nenhum sinal do acidente. Em seu quarto a ajudo a tomar banho, visto o seu novo uniforme e faço um lindo penteado de primeiro dia de aula em seu cabelo. Joaquim chega quando estou terminando de colocar perfume e a leva para ver o cavalo. Aproveito que os dois estão juntos para tirar alguns minutos para mim. Tomo um banho um pouco mais demorado. Lavo, hidrato e seco o meu cabelo. Passo um corretivo no rosto para esconder as olheiras e também uso um brilho labial simples para me dar um ar um pouco mais saudável. Quando me olho no espelho me sinto bem e gosto do resultado. Deixo o quarto e desço em busca daqueles dois, mas quem encontro é Rosa terminando de colocar os três lugares a mesa. Ela desvia sua atenção de sua tarefa por alguns segundos para me olhar com um ar que não entendo muito bem e então volta para o que estava fazendo. _ Bom dia, Rosa. _ Bom dia, senhorita. – Diz sem me olhar diretamente. Sua atenção está focada em alinhar os talheres. – Ainda não terminei de colocar a mesa. _ Vou espera o Joaquim e a Raquel voltarem para comer. – Digo enfiando as mãos nos bolsos traseiros da calça. _ O senhor D’Angelo e a sua criança saíram logo cedo. – Fala em uma espécie de acusação como se eu não soubesse. _ Eles foram até o estabulo ver como o Máximos estava, mas acredito que não devem demorar a voltar. – Ela abre a boca como se tivesse intenção de falar algo, mas logo desiste. – Bom. Vou deixa-la fazendo o seu trabalho e vou esperar pelos dois lá na varanda. Enquanto caminho em direção a parte de fora da casa sinto a sensação de que seus olhos estão firmes sobre mim, mas não olho para trás. Assim que chego à varanda fico encantada com a beleza do nascer do dia. A paisagem parece ser um quadro de tinta óleo pintado à mão. Mesmo ainda sendo cedo já é possível ver alguns trabalhadores ocupando as suas funções. Fico a observar o acordar da fazenda. Aprecio a paz e o silêncio. Não demora e vejo as duas pessoas mais importantes da minha vida caminharem em minha direção. No mesmo instante um sorriso brota em meu rosto. Os dois vem caminhando e parecem estar conversando sobre algo muito importante pelo ar concentrado que a minha irmã traz. Quando chegam mais perto da casa grande Raquel desiste de caminhar ao lado de Joaquim e corre ao meu encontro. As escadas são um pequeno obstáculo, mas ela não se intimida e logo que me alcança recebo o mais gostoso dos abraços. Entramos juntos e seguimos direto para a sala de jantar onde a mesa para o café da manhã se encontra completa. Rosa espera que nos acomodemos em nossos lugares antes de começar a nos servir. Percebo Raquel se retrair um pouco quando a mulher serve seu iogurte com frutas, mas acho que essa sua reação tem ligação com o acidente com o vaso caro do escritório. Depois que termina de nos servir a mulher se retira para dar os comandos para o almoço e Raquel torna a tagarelar sobre o seu cavalo e a escola. Quando terminamos de comer a levo para escovar os dentes e pegar a sua mochila. Assim que descemos Joaquim está com as chaves do carro na mão esperando para irmos deixa-la na escola. Os pais de Joaquim se ofereceram para a levar até a escola, mas como é o seu primeiro dia achei melhor eu mesma a levar. Assim podemos evitar maiores transtornos caso ela fique com medo ou qualquer coisa do tipo. Como ela ainda fica tensa quando precisamos andar de carro preciso ir com ela no banco traseiro enquanto Joaquim dirige. Sua empolgação aumenta quando avista a fachada da escola de longe. Arrumar um lugar para estacionar é meio complicado já que tem muitos pais vindo trazer os seus filhos. Entramos juntos e a levamos até a porta da sua sala onde outras muitas crianças já estão acomodadas em suas cadeiras. A professora nos sorri e acena antes de irmos embora. _ Também acha estranho voltarmos para casa sem ela? – Joaquim pergunta quando estamos sozinhos em seu carro. _ Sim. – Comento olhando para a construção onde funciona a escola. – Acha que ela vai ficar bem aí sem nenhum de nós dois? – Questiono apreensiva. _ Fica tranquila. – Pede segurando minhas mãos. – Ela vai ficar bem. – Toca meu rosto com carinho. _ Você está certo. – Digo com um sorriso de lado. – É melhor voltarmos para casa e trabalharmos um pouco. Temos sido um tanto dispersos com o trabalho e o lançamento já é segunda-feira. _ Tem razão. – Ele diz me roubando um beijo rápido antes de dar a partida. Durante o caminho até a fazenda vamos falando sobre amenidades. Só quando chegamos na Fazenda Mantovan é que começamos a trabalhar de fato. Estávamos terminando de analisar alguns documentos quando Luiz vem chamar Joaquim para resolver algo que aconteceu com o gado e ele precisa sair as presas me deixando sozinha no escritório. Coisa que acho bastante estranho. Antes eu almejava por esse momento a sós. Sem ter Joaquim por perto. Mas agora o que quero é completamente o oposto disso. Quero que ele fique junto de mim o tempo todo. Porque tenho a sensação de que quando ele está por perto tudo fica bem. E essa dependência que sinto dele me assusta um pouco. Nunca havia sentido nada parecido por nenhum outro carinha por quem me interessei no passado. O toque repentino do meu celular me desperta dos meus pensamentos. Pego o aparelho em estado de alerta achando ser alguma chamada da escola de Raquel, mas sinto todo o meu corpo relaxar quando vejo o nome da minha melhor amiga piscando na tela. Atendo e apoio o aparelho entre o ombro e a orelha enquanto continuo com o meu trabalho. _ Estava com saudades ou já está tão encantada pelo deus dos queijos que sequer lembra da minha existência? – Pergunta em tom dramático como sempre faz todas vez que nos falamos por telefone ou mensagem desde que voltei para Gramado. _ É obvio que estou com saudades da minha amiga maluquinha. – Comento sem conseguir evitar o sorriso que nasce em meu rosto. – Mas também estou encantada pelo meu namorado. _ Chega enche a boca para falar. – Fala em tom brincalhão. – Nem parece que a uma semana atrás estava esnobando o pobre coitado. Se não fosse por mim vocês ainda estariam naquela enrolação. Então me agradeça. _ Obrigada. – Digo me recostando na cadeira deixando o trabalho de lado para pegar o celular depois de sentir uma fisgada no pescoço. – Como vão as coisas por aí? – Questiono com um suspiro. _ Comigo tudo na mesma. – Fala e quase consigo vê-la dando de ombros. – Gustavo e eu estamos cogitando a possibilidade de morarmos juntos. _ Tipo casamento? – Pergunto surpresa. _ Tipo namorados que querem ter um lugar para passar lindas e longas noite de amor. Assim como você e o Joaquim. _ As coisas entre nós são um pouco diferentes. – Comento sentindo as bochechas queimarem um pouco. – Nós moramos juntos e namoramos. Mas não existem noites longas de amor. – Pronto agora estou tão vermelha quanto um tomate. _ Está me dizendo que vocês ainda não deram o próximo passo? – Respondo com um resmungo confirmando. – Mas lembro que me contou que estavam dormindo juntos esses dias. _ Exato, Dani. Estamos dormindo juntos no quarto dele. Mas com a Raquel entre nós dois. Nunca rolou mais que beijos. E também acho que ainda não é o momento para isso. _ O momento nunca parece certo até que as coisas acontecem. _ Vamos mudar de assunto. – Decido. Não me sinto muito confortável de falar sobre essas coisas ao telefone. Sem contar que alguém pode ouvir e só em pensar nisso me sinto morta de vergonha. – Tem visto a minha mãe? As trabalham no mesmo prédio com apenas algumas diferenças de andar. O que gera bastante encontros não programados entre as duas. _ Ela tem ido ao trabalho todos os dias e mantém a cara fechada de sempre, Bia. Sabe que não falamos muito. Ela está sempre correndo ou atrasada para algum compromisso do escritório. – Novamente respondo com um resmungo. Só que dessa vez um tanto desanimado. – Ela ainda não te ligou? _ Não. – Falo sem rodeios. – Ela ainda me manda mensagens todos os dias para saber se estou bem, mas não conversamos como antes. _ Tenho certeza de que tudo vai ficar bem quando ela entender que tomou a decisão de cuidar da Raquel visando no melhor para a sua irmã. _ Assim espero. – Digo deixando escapar um suspiro. Ficamos ainda um tempo conversando sobre coisas aleatórias e que me arrancam muitas gargalhadas antes dela precisar desligar para voltar ao trabalho. E é quando me dou conta da hora. Deixo o trabalho para a parte da tarde. Assim que deixo o escritório me encontro com um Joaquim afobado no corredor. _ Consegui chegar a tempo? – Pergunta ofegante apoiando as mãos sobre os joelhos puxando o ar com força. _ Para buscarmos a Raquel? – Ele assente ainda sem folego. – Chegou sim. Estava pensando em te mandar uma mensagem para perguntar se iria junto comigo ou se poderia pedir a alguém para me levar até lá de carro. _ Não precisa chamar mais ninguém além de mim para ir buscar a minha princesa na escola. – Fala agora já recuperado. – Agora vamos logo que não quero que ela pense que esquecemos dela. Acho sua fala um exagero, mas não vou o contradizer. Fazemos o caminho de forma rápida e quando chegamos encontramos novamente uma multidão de pais indo buscar seus filhos. Entre eles encontro Gabriela, que vem nos cumprimentar com um abraço antes de correr com as crianças para os levar para a casa dos avós. Esperava que Raquel corresse ao meu encontro feliz por minha chegada, mas ela simplesmente me ignora e vai direto para os braços de Joaquim para contar sobre a sua maravilhosa manhã. Deveria ficar enciumada, mas tudo o que consigo fazer é admirar a cena. Consigo ver pelo brilho no olhar dos dois que eles se amam e se adoram. Então percebo que Raquel está olhando para Joaquim de um jeito parecido que olhava para o nosso pai. Ela vê nele a figura masculina que perdeu e constatar isso faz aquela luzinha de alerta acender em minha cabeça. Se algum dia tudo isso acabar ela vai ser a mais ferida de toda essa história. Mas decido afastar esse pensamento e focar apenas no que está acontecendo agora. No resto de semana que se segue ganhamos uma nova rotina. Pela manhã levamos Raquel para a escola e eu trabalho no escritório lidando com as partes burocráticas para o lançamento da linha de queijos enquanto Joaquim lida com os maquinários e dos animais. As onze em ponto nós vamos buscar minha irmã na escola. Depois do almoço ficamos um tempo brincando com ela na sala antes de voltarmos ao nosso trabalho. Quando finalmente o final de semana chega estamos exaustos, mas tudo está pronto para o lançamento. Na manhã do sábado vários caminhões com carregamento com o novo queijo para levar direto para os mercados de toda a região. No inicio vamos manter o produto apenas aqui no Rio Grande do Sul. Se tudo der certo, como acredito que vai dar, em dois anos estamos expandindo para todo o país. No domingo pela manhã vamos todos nos reunir na vinícola D’Angelo. Raquel conhece o resto dos D’Angelo e logo está correndo com eles em torno da casa em alguma brincadeira que no final vai deixa-la esgotada e com a perna dolorida. Mas não ligo a mínima. É a primeira vez que vejo minha irmã correndo livre e brincando com outras crianças. Coisa que não costumava fazer quando morava em São Paulo. Joaquim e eu nos sentamos na roda dos casais mais novos. O clima é leve e descontraído regado a vinho e bastante comida. Dessa vez tomo cuidado para não deixar o meu prato perto de Cida ou Camila. Assim não corro nenhum risco de passar m*l como aconteceu no primeiro churrasco da família que participei. Como na vez anterior os primos grandes e pequenos se juntam para uma disputa de queimada. E dessa vez sou praticamente arrastada pelas gêmeas e minha cunhada para me juntar a eles. Nunca fui muito do esporte. Isso se devia ao fato de não ter qualquer coordenação com nenhuma atividade envolvendo bola. Sem contar que no tempo de escola ainda não usava lentes de contato o que me tornava uma péssima escola para qualquer equipe. Geralmente acabava sentada na arquibancada segurando os casacos e garrafas de água enquanto os outros da classe jogavam. Sendo uma presa fácil sou a primeira a ser eliminada do jogo com uma bolada vinda de Ricardo. Mesmo não jogando mais permaneço parada ao lado do espaço improvisado para a partida e continuo torcendo para as garotas. Quando é eliminada Lulu se junta a mim gritando palavras de incentivo para as primas. E como aconteceu na última vez elas acabam vitoriosas. Então começa toda aquela provocação típica entre eles antes de voltarmos todos para a enorme mesa no jardim onde o almoço farto nos aguarda. Nessa hora Raquel vem correndo em busca do colo de Joaquim. Está suada e vermelha pela brincadeira, mas tem um lindo sorriso no rosto. Depois de comermos as crianças voltam a brincar. Os casais se afastam um pouco para namorar e Joaquim me convida para fazer o mesmo. Pensei que ele me levaria para caminhar pelos vinhedos outra vez, mas ele me surpreende ao me conduzir até a casa grande. Obviamente não tem ninguém dentro da casa. Estão todos, incluindo os empregados, reunidos no jardim. Paramos na sala de estar elegante, porém acolhedora enfeitada com dezenas de fotos de toda a família. Percebo que em uma parede existem fotografia de todos os D’Angelo bebês de colo e que Joaquim é o único que está mais crescido em sua foto. _ Não tem nenhuma foto sua quando era bebê? – Pergunto apontando para o lindo e fofo mural. _ Não. – Fala parando atrás de mim. – Minha progenitora não pensou em trazer lembranças quando veio me largar aqui. – Conta num tom seco e lembro da mulher que invadiu a fazenda dizendo ser sua mãe. _ Quantos anos tinha quando veio viver com seus pais? – Pergunto virando para ficar de frente para ele. _ Eu era um pouco mais velho que Raquel. Também tinha acabado de perder alguém muito importante para mim. Mas aquela mulher não ligava a mínima. Ela só queria correr atrás da sua carreira de modelo e não pensou duas vezes em juntar apenas algumas pesas de roupas e meus documentos e me trazer para ficar aqui. Ele conta tudo sem me olhar diretamente. Seus olhos estão perdidos em um ponto fixo enquanto parece recriar tudo em sua mente. _ Você se lembra de quando veio para cá? _ Lembro de cada detalhe. – Fala me olhando por fim. – Me sentia assustado. Tinha medo das pessoas que me rodeavam. Mas tinha mais medo de estar perto dela. – Consigo perceber o desdém em sua voz quando se refere a mãe biológica. – Nunca havíamos passado mais que alguns minutos juntos. Ela só aparecia na casa do meu avô para pedir dinheiro e os dois acabavam brigando e eu ouvia tudo. _ Como se sentiu quando ela foi embora daqui sem te levar junto? _ Primeiro fiquei aliviado. Mas depois senti medo de todos serem como ela. Só que então eu conheci a minha mãe. – Sorri ao falar da mãe. – Foi amor à primeira vista. Ela me afagou e não saiu do meu lado. Até dormiu junto comigo e com o meu pai como fazemos com a Raquel porquê estava muito assustado. _ E depois disso se tornaram uma família. – Completo a história. _ Como a que pretendo tornar com você e Raquel. – Diz acariciando meu rosto. _ Acho que devíamos ir mais devagar. – Falo sem me afastar. – Não tem nem mesmo um mês que começamos a namorar e já está falando em termos uma família juntos. – Espalmo minha mão em seu peito. _ Ok. – Diz com um sorriso de lado. – Sei que estou sendo bastante acelerado. Mas é que não consigo resistir a fazer planos para o nosso futuro. _ O que acha de deixarmos o futuro para depois e focarmos um pouco mais no presente. – Minhas mãos deslizam por seu peito e envolvem o seu pescoço enquanto fico na ponta dos pés e tomo seus lábios nos meus em um beijo.
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