Capítulo 9

3027 Words
Beatriz Sem chão é como me sinto. Minha cabeça não consegue processar direito a informação que acabei de receber. Não faço a menor ideia do que tenho que fazer. O desespero parece ter me tirado a razão. Tudo o que consigo fazer agora é chorar abraçada ao pescoço de Joaquim enquanto todo o meu corpo treme. _ Tenta se acalmar, Bia. – Pede acariciando minhas costas em movimentos circulares. – O que te disseram nessa ligação para te deixar desse jeito? Sua voz está angustiada e quero dizer o que aconteceu, mas não consigo. Todas as palavras parecem ter sumido. Sei que preciso reagir. Mas não sinto forças nem mesmo para me afastar de Joaquim. _ Respira, Bia. – Pede quando pareço sufocar em meio aos soluços. Com um grande esforço faço o que me pede. Aos poucos o choro diminui, mas não some por completo. De modo delicado ele me afasta um pouco e segura meu rosto entre as suas mãos usando o polegar para acariciar minhas bochechas. _ Agora que está um pouco mais calma preciso que me conte o que aconteceu. – Diz me olhando nos olhos. – Só assim consigo te ajudar. _ Meu pai. – Digo sentindo a garganta doer ao tentar segurar o choro. _ O tem o seu pai? _ Ele sofreu um acidente grave de carro junto com a minha madrasta e a minha irmã. – Falar em voz alta o que ouvi parece ter tornado tudo ainda mais real. _ Como estão todos? – Questiona e posso ver que está preocupado de verdade. _ Disseram que minha madrasta morreu antes do socorro chegar e meu pai está passando por uma cirurgia de emergência. _ E a Raquel? – Afasta meu cabelo do rosto e o coloca atrás da orelha. _ Ela ainda está viva, mas disseram que o estado dela é delicado. – Conto sentindo o coração apertar só com a leve ideia de perder minha irmã e o meu pai. Sei que ele nunca foi um grande exemplo para mim, mas não quero o perder. Queria poder estar perto deles agora. Daria tudo para conseguir isso. Mas estou a mais de mil quilômetros dos dois sem contar que não posso largar o meu trabalho justo quando estamos tão próximos do lançamento. Queria poder contar com a ajuda da minha mãe. Mas sei que ela vai se negar a ajudar. A sua raiva pelo meu pai as vezes ultrapassa todos os limites. _ O que eu vou fazer agora? – Pergunto passando as mãos nos cabelos de modo nervoso. _ Você vai subir até o seu quarto e preparar uma mala pequena. – Joaquim fala de modo firme ao se afastar de mim para alcançar seu celular ao lado do seu prato. – Vou comprar as nossas passagens para o próximo voo. _ Nossa passagens? – Questiono franzindo o cenho confusa. _ Não vou deixar você viajar sozinha nesse estado. – Responde me ajudando a sair da cadeira. – Leve apenas o essencial assim não precisamos despachar nada. – Ele me conduz até as escadas e fala comigo ao mesmo tempo que mexe no celular. – Consegui. – Diz quando chegamos ao topo das escadas. – Comprei as nossas passagens para o voo que saí daqui duas horas. Vou tomar um banho rápido, preparar minha mala e saímos. – Segura novamente meu rosto quando paramos em frente a porta do meu quarto. – Fica tranquila. Eles vão ficar bem. Antes de seguir até o seu quarto ele deposita um beijo doce em minha testa. Me agarro as suas palavras enquanto coloco algumas peças de roupas e objetos essenciais dentro de uma mala pequena. Confiro se todos os meus documentos estão comigo. Também troco de roupa e prendo os cabelos para não ficarem caindo o tempo todo no meu rosto. Deixo o quarto ao mesmo tempo que Joaquim. Ele está com os cabelos molhados e tem uma mochila pendurada no ombro. Descemos as escadas com passos rápidos com ele carregando a minha mala. O carro já está na frente da casa quando chegamos a varanda e um dos peões está esperando para nos levar para o aeroporto. Entro no banco de trás enquanto Joaquim arruma a bagagem no porta malas. Pensei que ele fosse sentado no banco do carona, mas me surpreendo quando ele abre a porta traseira, escorrega no banco até onde estou e me envolve em um meio abraço sem se importa se seremos vistos. Não me afasto. Gosto da sensação de p******o que os seus braços a me envolver me causam. Todo o trajeto até o aeroporto é feito no mais completo silêncio. Não paro de chorar um só instante. Quando chegamos já estão chamando pelo nosso voo. Fazemos o check-in de forma rápida e logo nos encaminhamos para o portão de embarquem com Joaquim segurando a minha mão o tempo todo. Depois de guardar nossas bagagens no bagageiro nos acomodamos em nossos lugares. Tem toda aquela palestra feita pelos comissários sobre as formas de agir em casos de emergências ao mesmo tempo que o avião começa a taxiar pela pista enquanto aguarda autorização para decolar. O momento da decolagem é a parte da viagem que me deixa mais nervosa. Num gesto involuntário procuro pela mão de Joaquim e só a solto quando estamos no ar. Passo toda a hora seguinte remexendo em meu lugar conferindo as horas a cada segundo em meu relógio de pulso. Mas o tempo parece não querer correr. Em minha cabeça crio diversos cenários do que vou encontrar quando chegar. O que me deixa com ainda mais medo já que a maioria deles são os piores possíveis. O aperto em meu peito aumenta ainda mais quando pousamos no aeroporto de Guarulhos. Ainda precisamos esperar por alguns minutos antes da nossa saída ser liberada. Como não temos bagagens passamos direto pela sala de esteira e seguimos para a saída mais próxima. _ Vamos pedir um táxi ou chamar um carro por aplicativo? – Pergunto dando uma olhada em volta buscando algum carro livre. _ Nenhum dos dois. – Responde olhando algo no celular. – Consegui alugar um carro para a gente. – Guarda o celular no bolso da calça e pega a minha mala depois de arrumar a sua mochila nos ombros. – Assim conseguimos ir a qualquer lugar sem precisar ficar preocupado com a bagagem. A empresa disse que podemos pegar a chave no guichê perto do portão D. Como estamos no portão F precisamos andar um pouco até encontrar o tal guichê. Enquanto espero envio uma mensagem para a minha mãe avisando sobre o acidente e que estou na cidade torcendo para que ela largue tudo o que estiver fazendo para ficar comigo. _ Tudo pronto. – Joaquim fala ao retornar mostrando uma chave. – O nosso carro está logo ali na frente. Ele indica o caminho com um movimento de cabeça e apenas o sigo. Sento do lado do carona enquanto ele coloca nossa bagagem no porta mala. Pelo espelho retrovisor consigo ver quando ele fecha o compartimento, caminha em passos apressados e entra no carro ocupando o lugar do atrás do volante. _ Qual é o nome do hospital para onde levaram eles? – Pergunta ao girar a chave na ignição. Passo o endereço que a mulher que me ligou disse e depois de digitar tudo no GPS deixamos o estacionamento do aeroporto. O trânsito na grande São Paulo geralmente costuma ser caótico, mas ainda não estamos na hora do rush e conseguimos fazer o percurso em menos de quarenta minutos. Quando vejo a fachada do hospital de longe sinto o nervosismo praticamente triplicar. Contorço a mão sobre meu colo tentando encontrar algum alento, mas não adianta muito. Depois de encontrar um vaga deixamos o carro e entramos no imenso hospital. A cada passo que dou sinto as minhas pernas ficarem trêmulas, mas as obrigo a continuar caminhando. Paramos na recepção para pedir informações e assim que me identifico como parente das vítimas do acidente de carro que trouxeram no início da tarde somos conduzidos até o quarto andar. Subimos usando o elevador e Joaquim permanece ao meu lado. Quando chegamos ao andar indicado avisto um médico parado perto a um dos postos de enfermagem do andar. Pelo modo como ele olha para mim sei que está me esperando para dar notícias frescas sobre o estado do meu pai e da minha irmã. Essa certeza me faz estacar no lugar. _ O que houve? – Joaquim pergunta de modo carinhoso pousando a mão em minhas costas. _ Não sei se quero ouvir o que aquele médico está pronto para me dizer. – Confesso com um sussurro com receio de que o homem consiga me ouvir. – Estou com medo. _ Eu sei. – Diz usando a mão livre para me fazer o encarar. – Sei o quanto essa situação é assustadora. Mas você não está sozinha. Eu estou aqui com você. – Seus olhos não desviam um minuto sequer enquanto fala. – Vamos falar com o médico? – Questiona e assinto com um maneiro de cabeça quase imperceptível. Faço o caminho que falta até onde o médico nos aguarda sentindo o tremor se espalhar por todo o meu corpo. Não consigo falar porque novamente sou tomada pelo choro e Joaquim toma a frente da conversa perguntando o estado atual do meu pai enquanto me abraça. _ O senhor Nogueira sofreu lesões graves na coluna e precisou passar por uma cirurgia de emergência para controlar uma hemorragia interna. _ Ele está fora de perigo? A pergunta de Joaquim faz uma fagulha de esperança brotar em meu peito e me afasto um pouco para prestar atenção na resposta do médico. Esperava por uma resposta rápida, mas ele fica calado pensando bem as suas palavras. _ Vou ser sincero com vocês. – Diz cruzando os braços na altura do peito. – Do ponto de vista clínico ele ter conseguido chegar vivo ao hospital e aguentar uma cirurgia como a que foi submetido é considerado um milagre. Mas a situação dele não é nada boa e não sabemos por quanto tempo mais ele tem conosco. _ Onde... Onde ele está? – Pergunto participando da conversa pela primeira vez. – Eu quero ver o meu pai. _ Ele está na UTI e no geral não liberamos a entrada de ninguém fora do horário de visita. Mas vou relevar isso por causa da situação. _ Posso entrar com ela, doutor? _ Não acho que seja prudente. _ É que a minha namorada está muito abalada e não quero a deixar sozinha nesse momento. Em outra ocasião eu desmentiria Joaquim. Mas não temos tempo para discutir sobre o nosso status de relacionamento. Sem contar que também não quero entrar na UTI sozinha. Tenho medo de como vou encontrar o meu pai ali. _ Tudo bem. – O médico diz depois de um suspiro. – Me acompanhem. Ele caminha na frente nos indicando o caminho. Quando chegamos a UTI ganhamos máscaras descartáveis antes de entrarmos. O médico fala qualquer coisa com alguma enfermeira e então nos indica o leito onde o meu pai está deitado cheio de fios e quase irreconhecível por causa dos hematomas no rosto. Volto a chorar enquanto caminho até a sua cama. Com dedos trêmulos seguro a sua mão fria e aperto levemente na intenção de o fazer entender que estou aqui. Parece funcionar porque ele aperta a minha mão de volta antes de abrir os olhos. _ Bibi. – Me chama pelo apelido que Raquel me deu quando ainda era um bebê aprendendo a falar. _ Sou eu pai. – Digo com a voz embargada. _ Que... bom... que... veio... – Se esforça para falar e isso faz a maquina apitar um pouco. – Eu... não... sei... quanto... tempo... eu... tenho... – Engole em seco e começa a respirar de forma ofegante. – Preciso... que... prometa... que... vai... cuidar... da... sua... irmã... – Pede apertando ainda mais a minha mão. – Promete? – Assinto com um maneio de cabeça, mas ele não consegue ver. _ Ela promete, senhor. – Joaquim fala pousando a mão sobre o meu ombro. – E eu também prometo. _ Quem... é... você? – Pergunta voltando a sua atenção para meu chefe. _ Sou alguém que gosta muito da Beatriz e que vai cuidar muito bem dela e da irmã. – Garante tentando conter a emoção. – Pode ficar tranquilo. Elas vão ficar bem. _ Obrigado. Seu aperto começa a suavizar e as maquinas apitam como loucas. As enfermeiras e o médico nos obrigam a nos afastarmos dele enquanto começam a tentar reanima-lo. Assisto tudo abraçada a Joaquim. O agarro como se ele fosse a minha tábua de salvação quando os vejo dando choque no meu pai, mas sem qualquer resultado. Quando eles param o processo de reanimação sei que acabou. Meu pai se foi para sempre. Sou amparada por Joaquim para fora daquele espaço. Não consigo parar de chorar. Parece que acabei de ter uma faca cravada em meu peito. Em nenhum momento Joaquim sai do meu lado. _ Filha?! – Ouço minha mãe chamar e ergo os olhos para a encontrar caminhando em passos apressados ao nosso encontro. – O que houve, meu amor? Não respondo a sua pergunta. Apenas corro para o seu abraço. Minhas lágrimas dizem tudo e percebo que ela entende o que acaba de acontecer quando me abraça ainda mais apertado. Ela acaricia meus cabelos enquanto sussurra palavras de conforto ao meu ouvido. Quando por fim já não existem lágrimas a serem derramadas nos afastamos e consigo ver que ela também está chorando. _ Aqui, moças. Joaquim nos entrega um copo descartável com água. Estava tão mergulhada em minha dor que nem mesmo o percebi se afastando para dar alguma privacidade. _ Obrigada. – Digo aceitando o meu copo. _ Quem é você? – Mamãe pergunta também aceitando o copo estendido. _ Sou Joaquim D’Angelo, senhora. – Fala estendendo a mão em cumprimento. _ Ah! O chefe da minha filha. – Comenta bebericando um pouco de água antes de o largar em um móvel qualquer da sala de estar. _ Prefiro dizer que antes de tudo somos amigos. – Diz enfiando as mãos nos bolsos da calça. _ Tudo bem. – Ela alterna o olhar de um para o outro e acho que não engoliu essa história. – Agradeço que tenha apoiado a minha filha. – Diz se referindo a ter nos encontrado abraçados quando chegou. _ Não por isso. _ Acho que devemos resolver as coisas necessárias para liberarmos o corpo do seu pai e cuidarmos do velório. – Fala remexendo a bolsa em busca do seu celular que começa a tocar. _ Não precisa se preocupar com isso, senhora. – Diz ele atraindo a sua atenção. – Eu já cuidei de tudo. _ Como assim? – Questiono ficando de frente para ele. _ Enquanto estavam aqui fui até a administração para tratar tudo o que era preciso. – Conta erguendo levemente os ombros. _ Por que fez isso? _ Porque se não teria que ser você a fazer e não quero que sofra mais. – Diz acariciando o meu braço sem se importa com a presença da minha mãe. – E agora você precisa se manter forte para a sua irmã. _ Você tem razão. – Digo respirando fundo buscando me acalmar. – Vou perguntar onde ela está internada. _ Faça isso. – Fala com um sorriso de lado. Me afasto dos dois para ir até o balcão onde uma enfermeira está mexendo no computador. Peço informações sobre a minha irmã e ela diz que Raquel está internada na ala pediátrica no quinto andar. Aviso aos outros e subimos mais um andar de elevador. Não tem nenhum médico nos esperando para conversar como havia quando chegamos ao andar onde o meu pai estava e isso já me deixa um pouco mais aliviada. Isso é um sinal de que o estado da minha irmã não é assim tão grave. _ Posso ajudar em algo? – Uma enfermeira usando bata de ursinho cor de rosa pergunta assim que me aproximo do balcão. _ Estou procurando por Raquel Nogueira. A criança que foi trazida para cá depois de um acidente de carro. _ Sim. – Ela confirma com um balançar de cabeça. – O que a senhorita é dela? _ Sou a irmã mais velha. _ Certo. – Registra algo no computador. – Ela está no apartamento 215. Pode ir até lá que logo o médico vai falar com você. Assinto com um movimento de cabeça antes de me juntar aos outros. Repasso a informação que recebi e os convido a vir comigo. Mas o celular da minha mãe recomeça a tocar e ela precisa atender com urgência. Então seguimos sem ela. A porta do quarto de Raquel não está totalmente fechada. Bato levemente antes de entrar sendo seguida por Joaquim. Pensava que encontraria Raquel acordada e chorando. Mas ela está dormindo. Tem um acesso em seu braço por onde o soro com medicamentos passa. Seu rostinho está quase intacto. Com exceção do lábio inferior cortado e um curativo na testa. Mas a sua perninha direita está imobilizada com gesso e levemente elevada com uma almofada. Me aproximo da cama com cuidado e beijo sua cabecinha. Um nó se forma em minha garganta e sinto que as lágrimas querem voltar, mas as espanto. Preciso estar firme por Raquel. Prometi ao meu pai que cuidaria dela em seu leito de morte e vou fazer isso custe o que custar. _ Sua irmã é linda. – Joaquim sussurra também se aproximando da cama. – Vocês duas se parecem muito. _ Nós herdamos muitos traços do nosso pai. – Comento com um meio sorriso sem mostrar os dentes. _ Também herdei muitos traços do meu pai. Já meus irmãos são praticamente uma cópia da minha mãe. – Diz de forma leve e consigo sorrir mais abertamente. Mas a leveza do ambiente é tirada pela entrada do médico. Mesmo vendo que a situação da minha irmã é diferente da do meu pai não consigo evitar ficar tensa quando o homem usando jaleco para a nossa frente.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD