Capítulo 8

3014 Words
Joaquim Sabia que Beatriz estava me evitando quando recusou descer também para o almoço alegando ainda estar com dor de cabeça. Por isso mandei que Rosa fosse até o quarto dela avisar que a estava chamando para uma reunião. Precisava esclarecer os fatos sobre ontem e sabia que ela desceria se fosse intimada. Quando a vi entrando no escritório preciso me controlar para não a tomar em meus braços e a beijar novamente. Ela evita me olhar nos olhos enquanto fala e preciso erguer seu rosto para que me encare enquanto conversamos. Pretendia deixar claro o que aqueles beijos que trocamos significaram para mim quando meu escritório é invadido por Andreia. Essa mulher está sempre dando um jeito de arruinar bons momentos da minha vida. De modo instintivo me posiciono na frente de Beatriz como se assim conseguisse a proteger da energia r**m que Andreia emana. _ Como entrou aqui? – Pergunto cerrando o punho na extensão da coxa. _ Isso são modos de receber a sua mãe? – Questiona em tom debochado enquanto faz uma breve varredura pelo ambiente. _ Já disse que minha mãe se chama Gabriela. – Digo entredentes me controlando para não gritar e fazer uma cena na frente de Beatriz. Já não bastou ela me assistir aos socos com um desconhecido ontem a noite. _ Pois tenho que dizer que ela e seu pai mentiram para você. – Fala em tom cínico dando um passo em minha direção me fazendo recuar um passo praticamente colando meu corpo com o de Beatriz. – Eles inventaram histórias para te fazer me odiar. Mas nada do que disseram é verdade. _ Eles não precisaram falar nada. – Digo com a voz um pouco alterada. – Eu me lembro muito bem o que fez comigo. – A vejo vacilar com essa informação. – Te dou dois minutos para sumir da minha frente e sair da minha casa ou vou chamar os meus homens para te tirar daqui a força. _ Você não faria isso comigo. _ Rosa! – Grito por minha governanta e não demora a aparecer. – Mande chamar o Luiz e João para virem tirar essa mulher da minha casa. – Praticamente rosno para a mulher de idade avançada que fica levemente pálida com minha atitude. – Melhor. Chame a policia e diga que essa mulher invadiu a minha casa. _ Devo mesmo fazer isso, senhor? – Pergunta perdendo um pouco a sua postura de governanta elegante. _ Você é quem decide. – Digo diretamente para a ex-modelo chocada a minha frente. _ Não é necessário. – Diz forçando um sorriso para Rosa. – Já estou indo. – Arruma melhor a bolsa de marca sobre o ombro. – Mas não desisti de me aproximar de você. Com essa frase ela deixa o escritório caminhando impecavelmente sobre os saltos sendo seguida por Rosa. Quando ouço a porta da frente batendo me apresso em ir até a janela e assisto quando aquela mulher entra em um carro no estilo sedan e sai cantando pneu atraindo a atenção dos peões que estão por perto. À medida que o carro vai se afastando sinto o corpo começar a relaxar aos poucos. Quando não existe mais nenhum sinal do carro é que me afasto da janela soltando o ar que não havia me dado conta de que segurava. _ Você está bem? – Beatriz pergunta se aproximando de onde estou. _ Não muito. Mas logo vou ficar. – Digo passando uma mão na cabeça e a deixo que pouse em minha nuca enquanto a outra está na cintura. _ Acho que você precisa de um tempo sozinho. – Alterna o peso de uma perna para outra. – Podemos deixar aquela conversa para depois. Faz menção de sair, mas a impeço segurando seu braço sem apertar. Seus olhos caem sobre o lugar onde a minha mão está repousada e depois voltam a se vidrar em meus olhos. _ Não vai. – Peço descendo a mão até entrelaçar os nossos dedos. – Fica aqui, por favor. Ela assente com um maneio de cabeça. Sem soltar a sua mão sigo até o sofá posicionado na lateral esquerda da porta e a faço sentar ao meu lado. Ficamos de mãos dadas e em silêncio por alguns minutos. Luto em meu interior com as dores do garotinho abandonado pela mãe biológica e aos poucos vou varrendo para aquela pequena parte escura do meu cérebro todas as lembranças ruins que esse novo encontro com Andreia me trouxe. E então todas as coisas voltam ao seu devido lugar. _ Obrigado por ter ficado comigo. – Agradeço quebrando o silêncio a encarando pela primeira vez desde que sentamos. _ Não foi nada. – Ergue levemente os ombros. – Você também ficou comigo quando precisei ontem. – Comenta ganhando um tom mais corado nas bochechas. Tenho certeza de que lembrou do beijo. _ Agora que já me sinto melhor acho que não precisamos mais adiar a nossa conversa. – Digo me endireitando melhor no sofá. _ Não precisa falar nada. – Diz desfazendo o contato das nossas mãos. – Já sei o que vai dizer. _ E o que vou dizer? – Questiono franzindo o cenho. _ Que não admite que uma funcionária o beije. Que o que fiz configura em assedio. Que vai me mandar embora porque não existe mais possibilidade de trabalharmos juntos. E... Interrompo a sua fala desgovernada com um beijo. A princípio ela não reage e mantém o corpo rígido. Mas aos poucos começa a corresponder. Quando nos afastamos mantenho minha testa colada a sua. _ Por que fez isso? – Questiona ainda de olhos fechados com a voz tão alta quanto um sussurro. _ Porque foi a forma mais rápida que encontrei de te fazer parar de falar besteira. – Respondo desencostando nossas testas, mas não crio nenhuma distância entre nós. – Não me beijou sozinha, Beatriz. Nós nos beijamos. – Pontuo afastando uma mecha de cabelo do seu rosto. – E o que fizemos não configura em assédio já nós dois queríamos. Sobre o trabalho. Eu não poderia te demitir porque você é excelente no que faz e levaria anos para encontrar alguém tão bom quanto você. _ Mas o que aconteceu entre nós ontem à noite foi algo errado que pode comprometer o nosso trabalho – Argumenta voltando a ficar tensa. _ Não acho que te beijar foi um erro. _ Não?! – Pergunta surpresa. _ Você já deve ter percebido a atração que existe entre nós sempre que estamos juntos. – Ela não assente, mas também não n**a. – E acho bastante normal que pessoas que se sintam atraídas dessa maneira se beijem. _ Mas isso vai contra a política chefe e empregada. – Rebate. _ Esse argumento não cola comigo. _ Tenho certeza de que seu envolvimento comigo pode abalar a sua relação com a sua família. _ Duvido muito disso. – Digo com um sorriso de lado. _ Por que duvida? _ Porque apesar do prestígio e poder que os D’Angelo possuem eles não são preconceituosos. Não fazem o tipo aristocratas. – Pontuo. – Sem contar que aceitaram muito bem quando o meu pai se envolveu com a minha mãe, que era empregada na casa dos meus avós antes de construir essa carreira brilhante como fotógrafa. – Falo com o peito estufado. _ Você ama muito a sua mãe, não é? _ Para mim não existe melhor mãe no mundo. – Digo engolindo o nó que se forma em minha garganta. – Não foi ela a me colocar no mundo. – Infelizmente, acrescento mentalmente. – Mas foi ela quem me deu amor e carinho. Cuidou de mim sempre que precisei. Não aquele projeto de ser humano m*l sucedido que viu sair daqui à poucos minutos atrás. A única coisa boa que ela fez foi me dar a vida. Só em mencionar a presença daquela mulher faz o clima ficar pesado e meu corpo ficar tenso. Mas procuro me controlar e focar no que realmente importa nessa nossa conversa. _ Mas vamos esquecer a nossa visitante indesejada e focar no ponto chave da nossa conversa. – Encaro nossas mãos unidas. – Nós dois. – A vejo engolir em seco antes de umedecer os lábios com a língua. _ Não existe nós dois. – Diz sem tirar os olhos dos meus. _ Mas pode existir. – Falo me inclinando sobre ela ficando a poucos centímetros dos seus lábios. – É você quem decide. _ Não vou negar que gosto dos nossos beijos e que estar perto de você me faz sentir coisas que não havia sentido antes. – Gosto se saber que mexo com ela como ela mexe comigo. – Mas não acho que ficarmos juntos seja uma boa ideia. – Se afasta liberando as suas mãos das minhas. – Você é o meu chefe e sou sua funcionária. E sei que isso não importa para você e que funcionou muito bem para os seus pais. Mas não acho que vá dar certo com a gente. Antes que consiga falar qualquer coisa ela se levanta e deixa o escritório com passos apressados. E quando fico sozinho tomo duas decisões. A primeira é que vou conquistar Beatriz custe o que custar. E a segunda é que não vou desistir até a fazer entender que esses conceitos que ela conserva em sua cabeça estão totalmente ultrapassados. Passo o resto da tarde trancado no escritório respondendo e-mails e checando as notícias sobre o mundo financeiro. Saio apenas na hora do jantar. Não me surpreendo quando Beatriz não desce para se juntar a mim novamente. E mesmo querendo ter o prazer da sua companhia entendo e aceito que ela precisa ficar esse tempo sozinha com seus pensamentos. Quase não nos encontramos no domingo mesmo estando na mesma casa. Ela sempre arrumava alguma desculpa para ficar longe. Mas quando acordo na segunda-feira estou decidido a colocar em prática o meu plano de conquista-la. Como no momento apenas o trabalho a faz falar comigo vou usar isso ao meu favor. Deixo o trabalho árduo no campo para passar toda a manhã trancado com ela no escritório resolvendo tudo para o lançamento da nossa marca. De forma sutil deixo que minha mão esbarre na sua ou me debruço sobre ela para ver melhor o que estava escrito na tela do computador. E percebo que seu corpo reagia a cada vez que fazia isso mesmo ela tentando disfarçar. Tinha planos de continuar a provoca-la até que ela não aguente mais manter a sua pose de durona e se convença de que podemos, sim, dar certo juntos. Mas uma de nossas éguas entra em trabalho de parto e sou chamado quando a situação começa a fugir do controle. O veterinário também chega para ajudar, mas no final a mãe do potro acaba não resistindo e o pobre nasce bastante fraco. _ O que fazemos agora, patrão? – Questiona um dos peões. _ Não sei. – Admito sem qualquer medo. – Mas aceito sugestões. _ Nessa ainda ontem uma égua também pariu, mas o potro nasceu morto. – Comenta Luiz. – A égua é bastante mansa e acho que se deixarmos o potrinho junto com ela no isolamento ela pode acabar adotando-o. _ Ou o matando. – Argumenta o veterinário. _ Mas essa é uma boa ideia. – Digo ponderando um pouco a respeito da situação. – Vamos tentar deixar o potro com a égua, mas com monitoração constante. – Falo diretamente para Luiz que assente. – Faça uma escala com os homens. E os separe a qualquer sinal de rejeição. _ Sim, senhor. Acompanho a transferência do potro e da égua no espaço em que vão ficar. Assisto quando trazem a égua para perto do potro para que ela o cheire. No momento que a vejo afagar a sua cabeça sei que fiz uma boa escolha. Dei a um filhote, que acaba de perder a mãe, a chance de ter uma mãe e a égua dei a oportunidade de amar a um filhote como seu filho. O céu já está tingido com o laranja do final da tarde quando chego a casa grande. Para a minha surpresa Beatriz vem me receber na porta. Está usando os óculos, os cabelos estão presos em um coque frouxo e carrega em seus olhos uma nuvem de preocupação. _ Correu tudo bem com o parto? Como eles estão? – Dispara num misto de ansiosa e agitada. _ O potro nasceu um pouco fraco, mas acredito que vai ficar bem. – Um suspiro de alívio sai de seus lábios. – Mas a mãe não resistiu. – Conto tirando o boné da cabeça e o largo sobre o aparador próximo a porta. _ E como o filhotinho fica agora? – Questiona com um olhar triste. _ Uma égua perdeu o seu filhote ao parir ontem e os colocamos juntos. – Conto passando a mão no cabelo o colocando para trás. – Ela parece já tê-lo adotado com filho, mas por via das dúvidas deixei alguém de olho nos dois. _ Por que? _ Para poder evitar que ela o machuque caso os dois se estranhem. – Digo ao seguir para a sala de estar. _ Acha que isso pode acontecer? – Pergunto seguindo logo atrás de mim. _ Infelizmente sim. – Admito e não consigo evitar o sorriso que se forma em meus lábios quando vejo seus ombros encolherem. – Mas vamos torcer para que tudo fique bem. Ela assente mordendo o lábio inferior. Acho que não tem consciência do quanto isso a deixa bonita e mexe comigo. Quando percebe que meus olhos estão em sua boca ela para de morder os lábios e vira a cabeça levemente para o lado. _ Vou até o meu quarto tomar um banho. – Digo enfiando as mãos nos bolsos da calça para evitar o impulso que tenho de a tomar em meus braços. Sua resposta é um maneio afirmativo de cabeça. Mas ainda sem me olhar diretamente. Decidido a continuar com o plano de conquista-la aos poucos não insisto em uma conversa. Subo as escadas e assim que entro em meu quarto vou direto para o banho. Quando desço aviso a Rosa que já pode servir o nosso jantar. A refeição é feita no mais completo silêncio com exceção do tilintar dos talheres ao tocarem no prato. Depois do jantar nos recolhemos em nossos quartos. Deito na cama depois de vestir uma roupa confortável para dormir, mas não durmo. Fico a encarar o teto branco e sem graça enquanto meus pensamentos vagam pelas lembranças dos beijos que troquei com Beatriz. Temos tanta química juntos. Não entendo como ela pode achar que não podemos dar certo quando está tão claro que o que não pode dar certo é não darmos uma chance para isso que sentimos. Quando o relógio marca meia-noite me obrigo a deixar esses pensamentos de lado e tentar dormir. Mas não é uma tarefa tão fácil. Fico horas rolando na cama até finalmente cair no sono. Mas ainda estou exausto quando o despertador toca as seis da manhã. Tomo um banho frio para despertar por completo e estar pronto para enfrentar mais um novo dia de trabalho. Como levantei um pouco mais tarde que o normal sigo para a minha ronda matinal sem parar na mesa para tomar o meu café da manhã. Antes de mais nada passo no lugar onde estão a égua e o potro recém-nascido para saber como foi a noite dos dois. Sou informado de que tudo correu muito bem e que os dois se adaptarão rápido um ao outro. Mas ainda assim peço que continuem a os observar. Dali sigo até o galpão onde nossos primeiros queijos estão sendo produzidos e armazenados. Se as coisas continuarem a correr dessa maneira conseguiremos lançar a nossa linha de queijos na segunda metade do próximo mês. As campanhas de publicidade já estão prontas a espera do momento certo para serem liberadas para o público e os detalhes finais estão sendo arrumados para que nossos queijos sejam vendidos em todos os supermercados do Rio Grande do Sul. Depois do galpão vou resolver mais algumas coisas relacionadas ao gado e quando volto para casa já está na hora do almoço. A mesa está posta e Beatriz me espera para comer. Me apresso para lavar as mãos para não a deixar esperar por muito tempo. Nos primeiros minutos do almoço mantemos o silêncio que já vem sendo habitual de todas as nossas refeições. Como faço questão de não falar sobre trabalho a mesa e ela não facilita muito para outros assuntos o diálogo fica um tanto complicado. _ Soube algo do filhote de ontem? – Pergunta para a minha surpresa. _ Ele está bem. – Respondo tentando soar natural. – Acho que não haverá rejeição de nenhuma das partes. _ Que bom. – Fala voltando sua atenção para o prato. _ Pode ir os visitar depois do almoço, se quiser. – Digo desesperado para não voltar ao silêncio que estávamos a pouco. _ Sério?! – Pergunta com os olhos brilhando. – Não é perigoso? _ Super sério. – Falo com um meio sorriso. – E garanto que não existe nenhum perigo. Os dois são bastante dóceis. Ela abre a boca para responder, mas é interrompida pelo toque do seu celular. Vejo a confusão em seus olhos ao ver quem a está ligando. Ela fica ainda um tempo encarando o visor do celular antes de atender com um alô baixo. _ Sim. Sou eu mesma. – Diz com a voz um tanto esganada. – Sim. Ele é meu pai. – Diz apoiando a mão na mesa. – Como?! – Questiona com os olhos enchendo de lágrimas e isso basta para me fazer deixar meu lugar e seguir para o seu lado. – Isso só pode ser um engano. – Fala ofegante. Ela aperta tanto o celular que os nós dos dedos estão brancos. – Isso é um engano. _ O que está havendo, Beatriz? – Questiono agachando ao seu lado. Mas ela não me responde. Apenas se lança em meus braços aos prantos.
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