Capítulo 12

3069 Words
Joaquim Não consigo acreditar que Beatriz está cogitando deixar Raquel com a avó, que momento algum se aproximou para afagar a neta enquanto a pequena chorava a morte dos pais em meus braços. Essa sua incerteza me deixa triste, mas também com raiva. Porque se ela abandonar a irmã nesse momento estará fazendo igual Andreia fez comigo quando vovô Joaquim morreu e ela simplesmente me jogou na casa do meu pai. _ Você concorda com isso? – Repito a pergunta me afastando um pouco para conseguir ver melhor seus olhos. _ Talvez seja a melhor opção. _ Acha mesmo que a melhor opção para a Raquel é ficar longe de você? – Questiono elevando um pouco o tom de voz. – É sério que acha que ela vai estar melhor com a avó que não se deu ao trabalho de ir visita-la quando estive no hospital ou de lhe dar um abraço quando chorava desesperada em meus braços à medida que os caixões estavam descendo para as covas? _ Ela estava abalada com a morte da filha. – Argumenta, mas dá para perceber que nem mesmo ela acredita nisso. _ Você também estava devastada. – Digo de modo duro ao me erguer e a vejo encolher os ombros. – Mesmo estando a quilômetros de distância você não descansou até estar naquele hospital. Mesmo sofrendo com a despedida dolorosa que teve com o seu pai você passou a noite cuidando da Raquel naquele hospital e não saiu do lado dela nenhum minuto sequer. Não consegue ver que você é a melhor opção? Que é única opção aceitável para esse papel? _ Não sei como vou cuidar dela, Joaquim. – Explode também se levantando e ficando de frente para mim. – Eu sei que prometi ao meu pai que cuidaria dela, mas não sei como fazer isso. – Lágrimas escorrem por seu rosto, mas ela não dá a mínima para isso. – Eu nunca estive responsável por ninguém além de mim. Tenho medo de fazer tudo errado e acabar a machucando. _ O que vai machuca-la mais é ficar longe de você. – Digo amansando um pouco a voz. – A deixar com alguém com quem ela claramente não tem qualquer i********e vai machuca-la. – Reduzo a distância que existe entre nós. – Você é único porto seguro para a Raquel agora. Te perder depois de ter perdido os pais vai a abalar ainda mais. Seguro a sua mão entre as minhas e percebo que está fria. Seu corpo treme levemente enquanto lágrimas ainda escorrem por seu rosto. _ Sei que está com medo. – Acaricio seu rosto secando as lágrimas com o polegar. – Mas não deixe que esse medo nuble os seus pensamentos e tirem a sua certeza de que não existe ninguém melhor para a Raquel do que você. _ Como pode ter tanta certeza disso? _ As suas atitudes sempre pensando no que é bom para ela mostram isso. Seu pai não poderia ter escolhido pessoa melhor para cuidar da sua irmã. Seguro seu rosto entre as minhas mãos com delicadeza e abaixo um pouco a cabeça reduzindo ainda mais a nossa distância. Ela ergue um pouco a cabeça entreabrindo os lábios em um convite silencioso para um beijo e não espero muito para tomar seus lábios nos meus. O beijo começa lento, mas aos poucos vai ganhando intensidade. Enlaço sua cintura com uma mão enquanto a outra vai até a sua nuca a puxando para mais perto. Seus dedos mergulham em meus cabelos e os puxam com leveza quando deixo um pouco seus lábios para beijar a curva do seu pescoço. Deixamos nossos corpos caírem sobre o sofá ao nosso lado derrubando algumas almofadas no processo, mas sem nos afastarmos em nenhum momento. Com mãos ágeis Bia se livra da minha camiseta a atirando no chão e então fica um tempo a admirar meu peitoral e abdômen. Mas quando percebe que foi descoberta fica corada e acho isso fofo. Pego uma de suas mãos e coloco em meu peito. O seu toque queima em minha pele e é muito bom. Me faz sentir coisas que nunca havia sentido antes. Não demora e suas mãos estão delineando cada traço do meu abdômen. Pretendia voltar a beijá-la e continuar de onde paramos. Mas nosso momento é interrompido pelo barulho da campainha e nos afastamos como se fossemos dois adolescentes que acabaram de ser pegos fazendo coisa errada por seus pais. _ Quem será? – Ela pergunta passando as mãos nos cabelos para arrumá-los. _ Está esperando por visitas? – Pergunto caçando a minha camiseta e a encontro perto do raque. _ Não. – Responde caminhando em direção a porta enquanto visto minha camiseta e tento não pensar no que estava acontecendo aqui a poucos segundos atrás. Assim que Bia abre a porta uma morena alta entra sem esperar por convite trazendo várias sacolas de compra de supermercado consigo. Ela abraça Beatriz ao mesmo tempo que fala coisas de modo tão rápido que quase não consigo assimilar o que está dizendo. Mas se cala quando me vê parado no meio da sala. _ Quem é o gatinho, amiga? – Pergunta como se eu não pudesse ouvir. – Não acredito que está namorando e não me contou nada. _ Dani esse é o Joaquim e não é meu namorado. – Fala frisando o não, mas claramente a amiga não acredita. _ Não sou porque a sua amiga não quer, Dani. – Respondo ignorando o olhar bravo que Bia me lança. – Sua amiga é bastante cabeça dura quando quer. _ O que veio fazer aqui, Dani? _ Achei que você e a Raquel estaria aqui sozinhas e tristes e pensei que poderíamos passar a noite toda assistindo filmes de princesas e animais falantes enquanto comíamos besteiras. – Diz erguendo as sacolas em suas mãos. – Mas acho que você tinha outros planos. Os olhos dela recaem sobre mim deixando Bia mais vermelha que um tomate. Tenho a impressão que Beatriz está quase cavando um buraco no chão para se esconder de tanta vergonha. Isso porque Dani não comentou sobre seus lábios levemente inchados e avermelhados de quem acabou de beijar. _ Teve uma ótima ideia, Dani. – Digo querendo salvar Bia do constrangimento maior. – Eu preciso responder a alguns e-mails de trabalho no quarto e você pode fazer companhia a Bia enquanto isso. _ Pode ir tranquilo, Joaquim. Vou tentar amolecer um pouco essa cabeça dura. Se bem que acho que você está fazendo um bom trabalho. _ Conto com isso. – Dou uma piscadela para ela antes de me retirar. Ainda consigo ouvir Beatriz repreendendo a amiga por seus comentários antes de entrar no meu quarto. Não pretendia trabalhar nos próximos dias, mas Bia precisa desse tempo a sós com a melhor amiga e realmente tenho uma tonelada de e-mails a respeito do lançamento para responder. Como não estou com o meu computador preciso fazer tudo pelo celular e isso leva um pouco mais de tempo. Também aproveito para atualizar aos meus pais sobre como estão as coisas por aqui. Lógico que omito os beijos e amassos que estão acontecendo entre Beatriz e eu. Já é um tanto constrangedor falar sobre isso com eles pessoalmente. Imagina falar por mensagem. Quando saio do quarto para me juntar as garotas para o almoço Raquel está na cozinha com elas. O clima à mesa é leve. Dani arranca muito riso das duas com seus comentários sobre o novo namorado e o cachorro que estão pensando em adotar juntos. Depois do almoço tinha planos de me enfiar novamente no quarto para as deixar sozinhas, mas Raquel faz questão da minha presença na sessão de filmes e acabo ficando. Como é a criança que decide o que vamos assistir começamos vendo o Rei Leão e acabamos com Frozen às 20hrs31min. Quando Raquel precisa ir para cama descansar e o namorado de Dani vem busca-la para um programa a dois. Me despeço de Beatriz na porta de seu quarto antes de me recolher. Durmo quase que no mesmo instante que coloco a cabeça no travesseiro. Acho que ter passado quase duas noites seguidas em claro ajudam. Na manhã seguinte acordo bem cedo como é de costume. Tomo um banho rápido e me visto antes de ir até a cozinha preparar o nosso café da manhã. O que posso considerar um espetáculo dos horrores já que não faço a menor ideia de como cozinha. Minha tentativa em fritar um ovo resulta num ovo tostado e numa frigideira, talvez, inutilizável para sempre. O misto que está esquentando na sanduicheira queima e quando vou bater algumas frutas no liquidificador para fazer uma vitamina para Raquel esqueço de colocar a tampa e todo o conteúdo do copo transborda no momento que o ligo sujando toda a cozinha. _ O que aconteceu aqui? – Bia pergunta entrando na cozinha e se deparando com toda a bagunça que causei. _ Estava preparando o nosso dejejum. – Digo limpando um pouco de vitamina da minha bochecha com o polegar e o levo a boca para provar o que deveria ser a vitamina de Raquel. _ Estava mesmo preparando o nosso café da manhã ou tentando destruir a cozinha? – Questiona erguendo um misto queimado com a ponta dos dedos. _ Juro que minha intensão era o café da manhã. Pensei que conseguiria fazer o básico, mas sou um completo desastre. _ Estou vendo. – Aponta para a frigideira que descansa ao lado do fogão. – Acho melhor deixar o café da manhã comigo enquanto você limpa toda essa bagunça. – Diz me atirando um pano de prato. _ Limpar bagunça é comigo mesmo. – Brinco a fazendo abrir um meio sorriso. Sonho com o dia em que a verei sorrir de forma completa novamente. Mas sei que só vai acontecer quando toda essa dor que está dentro dela diminuir e se tornar apenas saudade. Enquanto isso não acontece me ponho a limpar as bancadas, paredes e chão. Tem restos de vitamina até mesmo no teto e preciso usar uma escada para limpar. Termino com a limpeza quase que ao mesmo tempo que ela termina de preparar todo o nosso café da manhã. O cardápio é ovos mexidos, pão, misto quente, café, vitamina e frutas. Não sei como ela conseguiu fazer tudo isso em tão pouco tempo e sem ter qualquer acidente de percurso. _ Você é muito boa nisso. _ É só um café da manhã básico. – Fala retirando pratos e copos do armário. _ Bibi! – Raquel grita de seu quarto. _ Pode ir ver do que ela precisa que eu arrumo a mesa. – Digo pegando os pratos da sua mão. Ela não espera para correr ao encontro da irmã. Tem sido assim todas as manhãs. Raquel acorda gritando pela irmã chorando e só se acalma quando Beatriz aparece. Arrumo a mesa e as espero acabar a rotina da manhã de Raquel. Quando a pequena fica pronta vou até o seu quarto para a buscar e a carrego até a cozinha para comermos. O café da manhã é silencioso e percebo Raquel mais abatida que nos dias anteriores. Depois de tomar sua vitamina e comer algumas frutas eu a coloco na sala para assistir um pouco de desenho animado enquanto ajudo Beatriz a arrumar a bagunça do café da manhã. Fico incumbido de secar e guardar a louça. Fazemos todo o serviço no mais completo silêncio. _ Está tudo bem? – Resolvo perguntar começando a ficar incomodado com tanto silêncio. _ Não. – Fala se recostando na pia enquanto seca as mãos com um pano de prato limpo. – Dói muito ver ela sofrendo desse jeito. _ Eu sei. – Digo ficando ao seu lado. – Mas vai passar. _ Quando? Agora?! – Questiona virando para ficar de frente para mim. – Não aguento mais a ver chorando. Ela é só uma criança. Deveria estar brincando e sorrindo e não triste. – Passa a mão no cabelo que está preso num r**o de cavalo hoje. _ Fica calma. – Peço cobrindo a sua mão, que estava sobre a pia, com a minha. – De tempo ao tempo. _ É que me sinto tão impotente. – Fala deixando os ombros caírem. – Queria poder fazer mais por ela. _ Não se cobre tanto. – Digo acariciando seu rosto com aminha mão livre. – Tudo isso pelo que Raquel está passando faz parte do processo do luto. Mas garanto que ela vai ficar bem. _ Promete? _ Prometo. _ Acha que estarmos aqui piora as coisas? – Pergunta olhando em volta. – Essa casa está cheia de lembrança do papai e da Helena. Eu mesma me sinto sufocada as vezes. – Volta a me encarar. – Fico pensando se não seria bom para a Raquel mudar um pouco de ares. _ Realmente uma mudança de ares poderia cair bem para vocês duas. – Digo pensativo. – Nós podemos nos hospedar em um hotel enquanto esperamos que ela se recupere e que você resolva toda a documentação necessária para assumir a guarda dela. E depois voltamos todos para Gramado. O que acha? _ Que você talvez não exista. – Fala com um meio sorriso. _ Não só existo como sou apaixonado por você. _ Se continuar repetindo isso vou acabar acreditando que é mesmo apaixonado por mim. – Diz sem desviar os olhos dos meus. _ Mas é para acreditar porque essa é a mais pura verdade. – Falo colando nossas testas fazendo nosso hálito se misturar. – E sei que também sente o mesmo por mim. Só não quer admitir. – Beijo o cantinho da sua boca. _ Não sinto nada. – Diz sem mover um só musculo para se afastar. _ Isso é o que vamos ver. – Digo antes de usar toda a minha força para me afastar dela. – Vou fazer nossas reservas no hotel enquanto conta a Raquel sobre o nosso grande passeio. Deixo a cozinha sem olhar para trás, mas posso sentir que seus olhos estão sobre mim. Do quarto consigo ver a vozinha empolgada de Raquel e isso me aquece a alma. Reservo um apartamento em um hotel do centro enquanto arrumo minha mala. É lógico que fico pronto primeiro que as duas e preciso esperar. Quando chegamos ao hotel é maravilhoso ver o brilho nos olhinhos da pequena. Ela está encantada com a imensidão do lugar. Como já está quase na hora do almoço despacho nossa bagagem para nosso quarto e seguimos direto para o restaurante. _ Aqui é bem grandão. – Fala olhando em volta. _ É grandão mesmo. – Digo sorrindo para ela. – E devem ter uma comida muito boa. Vamos pedir o nosso almoço? _ Ah! Não tô com fome, Joaquim. _ Mas precisa comer, Raquel. – Observa Beatriz. _ Eu não quero, Bibi. _ Que pena, então. – Falo atraindo a sua atenção. – Se você não almoçar vai acabar perdendo o sorvete de sobremesa. _ Sorvete? – Pergunta e assinto. – Posso comer sorvete? _ Só se almoçar. – Pontua Beatriz. A pequena acaba cedendo no mesmo instante. Não tem quem resista a um sorvete de sobremesa. Pedimos uma porção de arroz com legumes, filé e feijão com suco de graviola para acompanhar. Não foi preciso fazer barganha para Raquel comer dessa vez. Ela limpa todo o prato e como o prometido peço o seu sorvete de sobremesa e Bia a acompanha. Como não sou muito do doce opto por beber um café. Quando terminamos Raquel está com um pouco de dor e subimos para o nosso quarto. O lugar é enorme. Tem um quarto pequeno com uma cama de solteiro e um outro maior com uma cama de casa. Fico com o quarto menor e deixo o maior para as duas. Enquanto Bia cuida da irmã entro em contato com o advogado da família para tirar duvidas sobre como devemos agir para Bia resolver a questão com a guarda de Raquel o mais breve possível. E depois repasso tudo para ela. Os dias que se seguem são um tanto corridos. Raquel precisa voltar ao hospital para retirar os pontos e ver como está sendo o processo de cicatrização do osso da sua perna. As notícias são ótimas. O médico acredita que em duas semanas vai poder tirar o gesso. Precisamos deixar a pequena com Dani para irmos até uma audiência com o juiz de menores para Beatriz assinar os papeis que a tornam oficialmente a guardiã legal da irmã. Como não existia nenhuma briga judicial foi tudo muito rápido. O documento não muda a filiação no registro, mas determina que a partir de agora tudo que tenha relação com Raquel é de responsabilidade de Beatriz. A semana seguinte é ainda mais agitada que a anterior. m*l paramos no hotel. Faço tudo o que está em meu alcance para distrair as duas. As coisas parecem estar melhorando. Raquel já não acorda gritando e chorando todas as manhãs e seus olhinhos também não carregam mais toda aquela dor. O mesmo acontece com Bia. Lógico que elas ainda choram as vezes, mas se tornou mais recorrente. Os dias correm enquanto me divido entre cuidar de Beatriz e Raquel e trabalhar. Por conta de toda essa situação precisei adiar a data de lançamento do meu projeto o que resultou em vários problemas que precisei resolver pelo celular. Quando o dia da nova consulta de Raquel chega estamos todos ansiosos. Esperamos o médico refazer exames até que finalmente vem a notícia que todos estávamos esperando. Raquel tira o gesso. Mas como ainda não pode apoiar o pé no chão ganha um par muletas cor de rosa. Para comemorar a sua recuperação nós chamamos Dani e seu namorado para jantarem conosco. Bia também convida a sua mãe, mas ela não vem porque está presa no trabalho. O que não acho que seja de tudo verdade levando em consideração a cena que fez no hospital quando Bia disse que assumiria a guarda da irmã e que depois do enterro do pai das meninas ela nem sequer entrou em contato. Afasto esses pensamentos quando chegamos a lanchonete escolhida por Raquel. Sentamos numa mesa um pouco mais afastada da porta e pedimos tudo o que a pequena queria mesmo sabendo que não é nada saudável e que ela não vai conseguir comer tudo. Tudo isso só para ver o lindo sorriso estampado em seu rosto.
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