Capítulo 11

3238 Words
Beatriz Sou atingida por três verdades sobre a minha atual realidade assim que abro meus olhos. A primeira é que meu pai morreu. A segunda é que agora sou responsável por uma criança de cinco anos e não sei nada sobre como cuidar de crianças. E a terceira é que meu chefe confessou estar apaixonado por mim e, mesmo não tendo falado em voz alta, sinto o mesmo em relação a ele. A prova disso é que estou nesse exato momento envolvida em seus braços quando estava determinada a me manter distante dele. Ergo lentamente a cabeça do seu peito e o observo enquanto dorme completamente torto no sofá que não tem nem a metade do seu tamanho. Achei fofo da parte dele passar a noite aqui comigo quando poderia ter ido descansar em um hotel. Ele não tem nenhuma obrigação comigo ou Raquel, mas não se afastou de mim nenhum minuto sequer. Conseguiu até me fazer sorrir um pouco no meio de todo esse furacão. _ Bibi. – Raquel chama baixinho com a voz rouca de quem acaba de acordar. Com cuidado tento me afastar de Joaquim sem o acordar, mas falho miseravelmente em minha missão porque ele acorda assim que me sento. Seus olhos seguem direto para Raquel e esse simples gesto mexe comigo. Ele pensou na minha irmã antes de mais nada. _ Bibi. – Torna a me chamar só que mais alto dessa vez. _ Estou aqui, princesinha. – Digo ao me aproximar da cama. _ Pensei que você tinha ido embora. – Fala com um olharzinho triste e um biquinho de choro começa a se formar. _ Só vou embora quando o doutor disser que você pode ir comigo. – Garanto acariciando o seu rostinho. _ Então fala para ele que já quero ir. – Pede de forma dengosa. – Não gosto nadinha de ficar aqui. _ Hospitais são mesmo muito chatos, Raquel. – Joaquim comenta surgindo atrás de mim e segura a mãozinha dela acariciando o dorso com o polegar. – Mas você precisa ficar aqui para melhorar. _ Mas o papai não melhorou quando chegou aqui. Nem a mamãe. – Seu comentaria faz um nó se formar em minha garganta. _ A situação do seu papai e da sua mamãe era diferente, princesa. – Joaquim fala com a voz mansa atraindo sua atenção. – Os médicos fizeram de tudo, mas o papai do céu mandou avisar que queria os seus papais lá em cima com ele. – Conta de forma lúdica. – Agora os seus papais se transformaram em estrelas e também se tornaram os seus anjinhos da guarda e vão estar sempre do seu lado. _ Verdade?! – Questiona agora um pouco mais animada. _ Sim. – Diz pincelando o nariz da minha irmã com o seu dedo indicador. Nossa conversa é interrompida pela chagada do médico, que não é o mesmo que nos atendeu ontem quando chegamos. Ele examina detalhadamente minha irmã e depois de conferir que tudo está certo avisa que vai deixar toda a papelada para a alta dela pronta com a enfermeira de plantão. _ Ouviu isso, princesa?! – Questiono animada. – Você vai poder ir embora. _ Isso! – Comemora batendo palmas. – Me ajuda a sair da cama, Bibi. – Pede afobada com a notícia. _ Calma, Raquel. – Peço a contendo para que não acabe caindo e se machuque. – Não é assim tão rápido. Primeiro vão vir tirar essa agulhinha do seu braço, depois vou te dar um banho e só então é que a gente vai embora. _ Ah! – Fala deixando os ombros caírem nos fazendo rir. Não demora e uma técnica vem para tirar o acesso do seu braço. Pensei que ela fosse chorar por medo como fez quando a enfermeira de ontem à noite veio trocar o seu soro, mas ela me surpreende ao ficar quietinha apenas observando as mãos ágeis da mulher trabalhando. Na hora do banho Joaquim saí do quarto para nos deixar mais à vontade. Por conta do gesso damos banho nela sentada e usamos a ducha para lava-la. Estava tudo bem até eu lembrar que não tinha nenhuma roupa de Raquel aqui comigo. Todas as coisas dela estão na casa onde ela vivia com os pais e sequer cogitei ir até lá para buscar algo para ela vestir. Não faz nem vinte e quatro horas que estou cuidando dela e já estou fazendo coisa errada. Sou um verdadeiro desastre quando se trata de cuidar de outra vida. _ Precisa de ajuda para a vestir ou consegue sozinha? – Questiona a técnica de enfermagem. Na certa está apressada para terminar com as suas funções matinais. _ Eu consigo sozinha. – Afirmo sem nenhuma certeza disso. – Obrigada. _ Não por isso. – Diz antes de deixar o quarto levando seus materiais consigo. Me ponho a caminhar de um lado para o outro tentando pensar em uma solução rápida para esse problema. Primeiro penso em pedir as roupas que ela estava usando no momento do acidente, mas descarto essa ideia de imediato. Depois cogito a possibilidade de ir até a antiga casa dela para pegar alguma roupa, mas também descarto quando calculo que levaria no mínimo uma hora e meia para ir até lá e voltar. _ Estou com frio, Bibi. – Reclama começando a bater os dentinhos. Definitivamente sou péssima cuidando de crianças. Acho que essa foi a razão pela qual a minha mãe pediu que deixasse Raquel com a sua avó materna. Vou até a cama onde ela está sentada vestindo um roupão branco com a logotipo do hospital estampada no lado esquerdo do peito. _ Onde é que está a minha roupinha? – Pergunta se encolhendo de frio, mas não sei o que responder. _ Nossa, como esse quarto está cheiroso! – Joaquim comenta ao entrar no quarto trazendo consigo uma sacola. – Não estava tão cheiroso assim quando eu saí. _ É porque a Bibi me deu banho e me deixou bem cheirosa. – Raquel responde tentando conter o tremor nos lábios que começam a ficar levemente roxos. _ Que legal, princesa. – Diz parando ao meu lado. – Agora que está cheirosa só falta vestir uma roupinha bem bonita para irmos embora. _ Isso! – A pequena diz animada. – Me arruma para a gente ir embora logo, Bibi. – Pede esquecendo um pouco do frio. – Está demorando muito. _ A culpa foi minha, princesa. Tive que ir até o carro para pegar a roupa que a sua irmã trouxe para você e acabei me perdendo no caminho. – Ele me estende a sacola que tinha na mão. – Desculpe, Bia. – Pisca o olho para mim quando, ainda atônita, pego o objeto que me estende. _ Sem problemas. – Digo em tom baixo. _ Quer que eu saia? – Questiona apontando a porta. _ Não precisa. – Garanto e ele assente se afastando um pouco para me dar espaço para arrumar Raquel. Abro a sacola para ver o que tem dentro e descubro um vestido cor de rosa claro, um casaco no mesmo tom e duas presilhas de lacinho brancas. Tem até um par de sandalinhas. Ele realmente pensou em tudo. Enquanto começo a vestir Raquel faço uma nota mental para agradecer todo o carinho e atenção que ele está nos dando. Preciso admitir que não sei o que seria de mim se tivesse vindo para cá sozinha. Provavelmente teria enlouquecido. Depois que Raquel está pronta deixo os dois sozinhos assistindo a um desenho na televisão do quarto e vou até a enfermaria para pegar as receitas, recomendações e documentações necessária para deixar o lugar. Quando retorno ao quarto os dois estão rindo e isso aquece o meu coração. _ Tudo pronto para irmos? – Joaquim questiona ao me notar. _ Sim. – Digo balançando os papeis que tenho nas mãos. – Acho que só precisamos pegar uma cadeira de rodas para levar a Raquel até o carro. _ Eu posso carregar ela. – Diz ao se levantar. _ Tem certeza? _ Sou bastante forte, Bia. – Brinca mostrando os músculos dos braços. E que músculos. – Acho que consigo levar essa princesa até o carro. – Diz olhando para Raquel que balança a cabeça em uma afirmação animada. – Preparada? – Minha irmã assente com empolgação outra vez. – Então vamos logo com isso. Ele a retira da cama como se ela não pesasse nada. Tento o cuidado de apoiar bem a perna engessada. Raquel o envolve o pescoço risonha. Os dois me esperam recolher as minhas coisas antes de deixarmos o quarto. Os dois vão brincando de adivinhar dentro do elevador. Mas quando chegamos ao estacionamento e nos aproximamos do nosso carro a noto ficar um tanto tensa. O seu sorriso some e sei que lembrou do acidente. _ Não quero entrar aí. – Fala escondendo o rosto no peito de Joaquim. _ Mas precisamos entrar para ir embora. – Argumento alisando as suas costas tentando conseguir a sua atenção, mas ela continua escondendo o rosto. _ Eu não quero entrar no carro, Bibi. – Diz com vozinha de choro e lá está aquele aperto no peito que vem sendo o meu companheiro nas últimas horas. _ Princesa. – Joaquim a chama com a voz calma e ela ergue um pouco o rosto para olhar para ele. – Você quer ir embora? – Questiona e ela assente com um maneio de cabeça quase imperceptível. – Então nós precisamos entrar no carro para isso. _ Mas e se acontecer o que aconteceu com o meu papai e a minha mamãe? – Fala ainda chorosa. _ Não vai acontecer nada. – Diz de forma segura e daria tudo para ter toda essa segurança também. – Prometo que vou dirigir devagar e a sua irmã vai ficar do seu ladinho o caminho todo. Tudo bem assim? – Ela alterna o olhar entre nós dois antes de assentir. Com isso me apresso em abrir a porta traseira para que ele a coloque no banco de trás e dou a volta no carro para o ajudar a acomoda-la da melhor forma possível. Depois de ter certeza de que Raquel está confortável Joaquim dá a volta no carro e ocupa o lugar atrás do volante. _ Para onde você quer ir? – Pergunta me olhando pelo retrovisor. _ Vamos para a minha casa. – Raquel responde por mim. Joaquim não liga o carro até que confirme o nosso destino. Ir até a casa onde eles moravam não era algo que pretendia fazer agora. Mas se as coisas estão difíceis para mim tenho que pensar que estão piores para Raquel. Ela acabou de perder os pais do dia para a noite e não pode perder também o lar que teve durante toda a vida. O caminho até a casa do meu pai é feito no mais completo silêncio. Seguro a mão da minha irmã durante todo o percurso. A cada vez que o carro voltava a andar após parar no sinal ela apertava minha mão mais forte. Quando chegamos a casa sinto um nó se formar em minha garganta e a vontade de chorar é tanta que não consigo conter as lágrimas que rolam por meu rosto. Como ainda mantinha a minha cópia da chave não houve nenhum problema para entrarmos. Guio Joaquim até o quarto de Raquel e a abraço apertado assim que ele a coloca na cama. Logo Joaquim se junta ao nosso abraço. Minha irmã também chora escondida na curva do meu pescoço. Ficamos ali quietinhos até que Raquel adormece cansada de tanto chorar. Com cuidado para não a acordar deixamos o quarto e seguimos até a sala de estar. Mas percebo que foi uma péssima ideia quando me deparo com as zilhões de fotos do meu pai com minha madrasta, comigo e Raquel e os quatro juntos. Pego um porta-retrato onde estamos nós quatro sorrindo com uma praia ao fundo. _ Estavam bastante felizes nessa foto. – Joaquim comenta me envolvendo por trás apoiando o queixo em meu ombro. _ Tiramos no final do ano passado para comemorar que finalmente estava livre dos estágios e da faculdade. – Comento com um sorriso entre as lágrimas. – E essa aqui. – Digo pegando uma foto mais recente. – Essa tiramos a um mês atrás quando vim me despedir deles um dia antes de me mudar para Gramado. – Devolvo o porta-retrato ao seu lugar e fico observando o conjunto de fotografias. – Se soubesse que as coisas seriam assim teria ficado por mais tempo. _ Não faz assim, Bia. – Pede me virando para ficar de frente para ele. – O que houve com eles foi uma fatalidade. Você estando aqui ou não iria acontecer. Infelizmente a vida é assim. E isso não é culpa sua. _ Então por que me sinto tão culpada? – Ele fica em silêncio e apenas me abraça. Aproveito cada segundo em seus braços e a p******o que eles me transmitem. Mas esse momento é interrompido pela voz de Raquel a nos chamar. Vou até o quarto para ver do que ela precisa enquanto Joaquim vai até o carro pegar as nossas malas. Preciso urgentemente de um banho, mas antes ajudo Raquel com a roupa e a deixo assistindo desenho antes de voltar para a sala onde Joaquim me espera para saber onde deixa as malas. Deixo que Joaquim fique no quarto de hospedes que costumava usar quando vinha passar uns dias com o meu pai e fico com o antigo quarto do casal. Já instalada me apresso em tomar o meu tão desejado banho. Depois do banho me ocupo em preparar algo para comermos. O que significa massa a bolonhesa que é o único prato que sei preparar bem. O dia passa de forma arrastada. Pouco depois do horário do almoço somos informados que os funerais de papai e Helena vão acontecer as dez horas de amanhã. Aviso a minha mãe e a Daniella por mensagem e as duas garantem que estarão lá. A hora de dormir é o pior momento do mundo. Fico rolando de um lado para o outro na cama sem conseguir pregar os olhos por me sentir invadindo um lugar que não me pertence. Perto das 02hrs da manhã decido ir ver como Raquel está e acabo deitando ao seu lado e adormecendo. A manhã está nublada quando acordamos. Até mesmo o céu parece compreender que se trata de um dia triste. Uma garoa começa a cair assim que saímos de casa a caminho do cemitério. Como Raquel ainda continua receosa com a questão de andar de carro nós repetimos o mesmo esquema que fizemos ontem na saída do hospital. Assim que chegamos somos cumprimentados por parentes e amigos dos falecidos que querem nos prestar condolências. Só depois de falar com todos é que nos aproximamos dos caixões fechados. Toco a madeira fria dos dois caixões em uma espécie de despedida silenciosa enquanto as lágrimas ensoam o meu rosto. Quando me afasto percebo que Raquel faz o mesmo e minha dor parece duplicar. Não é justo que ela ainda sendo uma criança tenha que viver um momento como esse. Depois de se despedir com um tchau sussurrado ela esconde o rosto da curva do pescoço de Joaquim que faz um sinal para que entre no abraço também e não penso duas vezes antes de aceitar. Na hora do sepultamento sou amparada por mamãe e Dani enquanto Joaquim cuida de Raquel. Não me privo do choro quando a terra começa a ser jogada sobre os caixões e sei que acabou. Eles realmente se foram e não voltam mais. Aos poucos as pessoas vão indo embora e sobramos apenas Joaquim, Raquel, a mão de Helena e eu parados em frente ao túmulo. _ Quero ir para casa, Bibi. – Raquel fala quebrando o silêncio. – Minha perna está doendo. – Reclama. _ Nós já vamos para casa, meu amor. – Falo acariciando o seu rostinho. _ Será que podemos conversar antes de irem embora? – A senhora pede usando um lencinho para secar os olhos sem se dar ao trabalho de retirar os óculos escuros enormes que usa. _ Claro. _ Vou indo com a Raquel para o carro enquanto conversam. – Joaquim anuncia e assinto achando bom. Ao menos no carro ela fica mais confortável e ele consegue a distrair um pouco. Ganho um rápido beijo na testa antes dos dois se afastarem. Ficamos em silêncio os observando se distanciarem antes de voltarmos a nos encarar. _ Sobre o que a senhora gostaria de falar comigo? – Questiono de forma direta. _ Sobre a minha neta. – Responde do mesmo modo. – Soube que você quer cuidar dela, mas não acho uma boa ideia. _ E por que não seria uma boa ideia? _ Porque você é jovem. Está começando a sua vida agora. E uma criança só iria te atrapalhar. _ A Raquel não me atrapalha em nada. – Rebato alterando um pouco a voz. – Prometi ao meu pai que cuidaria dela e vou fazer isso. _ Mas você nem mora mais aqui. – Argumenta retirando os óculos. – Sem contar que não tem nenhuma estabilidade no momento. Minha neta ficaria muito melhor comigo. _ Só que isso não vai acontecer porque a Raquel vai ficar comigo como foi o último desejo do meu pai. _ Tem certeza de que está preparada para uma responsabilidade como essa? _ Estou disposta a dar o meu máximo para que minha irmã fique bem. – Respondo de modo evasivo. – Se isso era tudo o que a senhora tinha para falar acho que a nossa conversa acaba aqui. A minha irmã ainda está se recuperando e já teve muita agitação por hoje. – Pontuo antes de caminhar para longe da senhora sem dar qualquer chance de argumento. A garoa torna a cair quando alcanço o estacionamento ainda ouvindo as palavras ditas por aquela mulher ecoando em minha cabeça. Apresso meus passos até o nosso carro quando os pingos começam a engrossar. Assim que entro no carro Joaquim dá a partida e seguimos direto para casa. E com a chuva levamos quase duas horas para chegar em casa por causa do trânsito. Ajudo Raquel com o banho e dou o remédio para dor que o médico receitou. Como ela está bastante abatida e chorosa fico com ela em seu quarto até que o remédio faça efeito e ela durma um pouco. Só depois disso é que tomo um banho e sigo para a sala de estar. Não demora e Joaquim também aparece com os cabelos molhados jogados para trás denunciando que também tomou banho. _ Como ela está? – Pergunta sentando ao meu lado no sofá. _ Dormindo. – Respondo com um suspiro encostando a cabeça em seu ombro. _ E como você está? – Questiona enlaçando nossas mãos. _ Confusa. – Confesso sem qualquer receio. _ Isso tem haver com a conversa que teve com a avó da Raquel? _ Em parte, sim. – Digo erguendo um pouco a cabeça para o olhar melhor. _ O que foi que ela disse que te deixou confusa? _ Ela disse que não sou a melhor opção para cuidar da Raquel. Que a minha irmã vai ser melhor cuidada por ela. _ E você concorda com isso? – Pergunta com um olhar diferente. Parece estar desapontado com minha dúvida. Arrisco dizer que esteja até com raiva.
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