Capítulo 15

3244 Words
Beatriz Não acredito que Joaquim acaba de dar um cavalo de presente para Raquel. Pessoas normais geralmente presenteiam uma criança com um cachorro, gato ou até mesmo um hamster. Não um cavalo. Queria dizer que ele não pode fazer isso. Mas simplesmente não consigo. O brilho alegre nos olhinhos azuis da minha pequena me impedem de negar o presente. Essa é a primeira vez em três semanas que a vejo completamente feliz. E o causador dessa felicidade é o meu namorado. Ainda é estranho pensar nele dessa forma. Até ontem pela manhã estava decidida a resistir bravamente a vontade que tinha de me jogar em seus braços e o beijar até perder o folego. E agora conto os segundos para poder fazer isso. Ainda tenho algumas reservas com o nosso relacionamento. Uma delas, se não a mais importante, é Raquel. Ela está muito apegada com ele e tenho medo de que se machuque se nossa relação não der certo e ele se afastar atrás de uma outra garota. _ Ele é tão fofo! – Raquel exclama animada. – Posso dar um nome a ele? – Pergunta acariciando a cabeça do filhote que aproveita o carinho que recebe. _ Claro que pode. – Ele afirma tão animado quanto ela. – Já tem alguma ideia de nome para ele? – Ela assente com um movimento de cabeça positivo em resposta. – Então qual vai ser o nome do nosso amiguinho? _ O nome dele vai ser Máximos. Igual o cavalo da Rapunzel. _ É um lindo nome. – Elogia ele. – O que acha de escovar o Máximos e dar um pouco de cenoura a ele? _ Eu quero! – Grita animada. Ele faz um sinal chamando um dos peões e pede que ele ajude Raquel em sua tarefa de cuidar do seu novo animal de estimação. O homem se afasta para pegar o material necessário para o serviço e quando retorna abre a baia e os dois entram para ter um contato direto com Máximos. _ Isso não é perigoso? – Pergunto preocupada. _ Não. – Assegura ele. – Pode ficar tranquila. – Diz passando o braço por sobre meus ombros. – Não a deixaria fazer isso se oferecesse algum risco. Ficamos em silêncio observando a cena e de fato o cavalo é bastante dócil. Ele fica quieto aproveitando os mimos que estão lhe dando. _ Desculpe. – Diz quebrando o nosso silêncio. _ Pelo quê? – Questiono desviando meus olhos da cena a minha frente para o olhar melhor. _ Por não ser perguntado se podia dar um cavalo de presente para ela. _ Tudo bem. – Digo com um sorriso de lado erguendo levemente os ombros. – Pelo menos ele não vai fazer xixi no tapete e comer os sapatos como um cachorro faria. – Brinco o fazendo sorrir também. _ Realmente não se importa? – Pergunta afastando uma mecha de cabelo do meu rosto com as pontas dos dedos. _ Enquanto ela estiver feliz e sorrindo não me importo. – Garanto olhando em seus olhos para que saiba que é verdade. – Sabe aquele negócio de que você não dá a mínima para os outros nos vejam enquanto beijamos? – Pergunto com um tom de voz mais baixo para que apenas nós dois pudéssemos ouvir. Ele assente com um maneio de cabeça. – Acho que também não dou a mínima para isso agora. É tudo o que preciso dizer para ele envolver minha cintura com uma das mãos enquanto a outra vai até a minha nuca e me puxa para um beijo. E essa é a melhor sensação do mundo. Deixo meus braços caírem sobre seus ombros enquanto minhas mãos mergulham em seus cabelos macios. Não sabia que estava com saudades dos nossos beijos até estar sendo beijada por ele. O beijo prolongado vai se tornando pequenos selinhos até que por fim afastamos nossos lábios e voltamos a nos olhar. _ Uau! – Fala com um largo sorriso que chega aos olhos. – Isso foi muito bom. _ Concordo. – Digo também com um sorriso bobo estampado nos lábios. _ Voltei, gente. – Raquel se anuncia caminhando ao nosso encontro ainda em passos trôpegos recebendo o apoio do peão que a ajudou a escovar seu mais novo bichinho de estimação. – O Máximos ficou lindão. – Comenta sem desfazer o sorriso. _ Ficou mesmo. – Joaquim concorda olhando de relance para o animal. _ Posso vim aqui ver ele amanhã de novo? – Pergunta afobada. _ Não só pode como deve. – Pontua ele. – O Máximos é sua responsabilidade. Você precisa cuidar dele muito bem e vai ver que logo ele estará grande e forte e vai poder montar nele. Não sei se gosto da ideia dela por aí sobre o lombo desse animal. Mas me mantenho calada mesmo que vários cenários horríveis surjam em minha mente. Os dois ainda conversam mais um pouco sobre cavalos e montarias antes de voltarmos para a casa grande. Deixo minha irmã na sala de televisão assistindo aos seus desenhos animados antes de me reunir com Joaquim no escritório. É finalmente chegada a hora da verdade. Será que o nosso namoro vai afetar a nossa relação profissional? É essa pergunta que não deixa de rondar minha cabeça desde que acordei esta manhã. Mas esse medo é jogado para escanteio logo nos primeiros minutos reunidos no escritório quando focamos diretamente no lançamento do novo produto e em contornar todos os problemas que surgiram quando estivemos fora. Ficamos tão focados em nosso trabalho que só percebo que a noite está chegando quando Raquel invade o escritório para reclamar de fome. Recolho alguns documentos que pretendo ler e estudar depois que minha irmã dormir antes de a levar para tomar um banho de mudar de roupa. Depois de cuidar dela seguimos juntas para o meu quarto e a deixo assistindo a um filme em meu computador enquanto tomo um banho rápido e troco de roupa. Encontramos com Joaquim no corredor quando estamos a caminho do andar de baixo e descemos todos juntos. Como Raquel está acostumada a comer cedo não enrolamos para servir o jantar. Rosa nos serve em seu silêncio e decoro habitual antes de se retirar após ser dispensada por Joaquim. Enquanto se afasta da sala de jantar noto que o pedido de Joaquim não lhe agradou nenhum pouco. Não entendo essa mulher. Qualquer empregado ficaria feliz em ter alguns minutos de descanso, mas ela parece detestar sair da sua função. O jantar é regado de riso e brincadeiras. Mas à medida que a hora de dormir vai se aproximando percebo que o riso fácil de Raquel vai diminuindo e de novo aquela nuvem de dor recai sobre seus olhinhos. Quando terminamos o jantar deixamos Rosa em paz para deixar tudo em ordem e seguimos para a sala de televisão e assistimos ao filme Enrolados porquê Raquel quer muito mostrar o cavalo da Rapunzel que não é o seu Máximos. Durante os créditos do filme começam a subir na tela percebo que ela está lutando contra o sono, mas quando digo para irmos dormir ela n**a estar com sono e insiste para assistirmos um outro filme. _ Não podemos assistir outro filme hoje, Quel. – Digo acariciando seu rostinho. _ Por que não? – Questiona com a voz dengosa. _ Porque já está tarde e amanhã vamos trabalhar. – Explico num tom tranquilo para que ela entenda. _ Mas eu não estou com sono. – Argumenta, mas é traída por um bocejo. _ Por que não quer ir dormir, princesa? – Joaquim pergunta a puxando para o seu colo. – Está com medo do quarto novo? – Questiona afastando os cabelos do seu rosto e ela n**a se recostando em seu peito. – Então qual é o motivo de não querer ir para a cama agora? _ Não quero ficar sozinha. – Choraminga manhosa pelo sono e cansaço do dia agitado. _ Se esse é o problema nós podemos resolver de modo simples. – Ele fala e ganha a nossa total atenção. – Vamos dormir juntos os três. Assim você ninguém fica sozinho e todos ficamos felizes. _ Isso, Joca. – Concorda animada com a ideia. – Mas onde é que a gente vai dormir? – Pergunta pensativa. – O meu quarto é grande, mas a minha cama é pequena. – Gesticula com os bracinhos mostrando as medidas do quarto e cama. _ Vamos dormir no meu quarto. – Resolve o problema. – Ele é um dos maiores da casa e a minha cama é bem grande. Cabe todo mundo. – Não acredito que ele está propondo isso com a cara mais deslavada do mundo. – Basta a sua irmã dizer sim e vamos todos. Logo dois enormes olhos azuis me encaram ansiosos em busca de resposta. Sei que o sensato é negar e dizer que posso dormir com ela em meu quarto se ela quiser. Afinal pretendia ler aqueles documentos. Sem contar que essa seria sem dúvidas a opção mais segura. Mas sou fraca e tudo o que consigo fazer é assentir com um movimento rápido de cabeça para a comemoração dos dois. Decisão tomada subimos todos para nos preparar para dormir. Ajudo Raquel com o seu pijama antes de vestir o meu. Por um breve momento penso em desistir e enrolar minha irmã até que ela durma. Mas esse meu plano vai por água abaixo quando Joaquim vem nos buscar. Enquanto o sigo pelo longo corredor sinto meu coração socar o meu peito de forma descontrolada. Ele está tão acelerado que tonar a simples tarefa de respirar algo quase impossível. Quando entramos no quarto dele percebo que a única coisa que diferencia o meu quarto do dele são as cores das paredes e a cama tamanho Godzilla no centro do quarto. _ Sua cama é bem grandona mesmo. – Observa Raquel quando ele a coloca sobre a mesma. Ela se arrasta até o meio da cama e fica um tempo olhando tudo a sua volta. No móvel ao lado direito da cama tem uma jarra com água e no outro tem um relógio despertador que acredito que nunca tenha sido usado. Sobre uma cômoda posicionada no canto esquerdo do quarto estão algumas fotos de família. Em algumas vejo que ele era ainda um menino quando foram tiradas. _ São lindas, não é? – Pergunta parado ao meu lado. _ Sim. _ A grande maioria delas foi tirada pela minha mãe. – Conta orgulhoso. _ Gabriela é muito talentosa. Ficaram todas ótimas. – Falo desviando os olhos das fotos para o encarar. – Mas tenho que admitir que o modelo ajudou. – Ele sorri com o elogio enquanto sinto o rosto queimar um pouco denunciando que estou ficando vermelha. _ Vamos dormir, pessoal. – Raquel nos chama quebrando o nosso momento fofo/constrangedor. – Eu tô com sono. _ Vamos todos dormir, então. – Ele decide. _ Em qual lado posso me deitar? – Pergunto tendo que lutar com a vergonha. _ Você fica do lado esquerdo e eu fico com o lado direito. Tudo bem para você? Assinto com um breve movimento de cabeça. Sem demora nos dirigimos aos nossos lugares e nos acomodamos cada um de um lado de Raquel. Joaquim tem o cuidado de apagar as luzes e deixar o abajur ligado. Viro um pouco de lado para ficar de frente para Raquel e mergulho os dedos em seus cabelos acariciando o seu couro cabeludo como sei que ela gosta. Aos poucos percebo que sua respiração está tranquila e ritmada insinuando que ela está dormindo. Ergo brevemente os olhos e vejo que Joaquim também está dormindo com uma das mãos sobre Raquel de modo protetor. Acho a cena fofa. Queria ter uma câmera para registar o momento com uma foto para poder olhar sempre que quiser, mas acho que terei que o registar apenas em minha memória. Levo alguns minutos até também adormecer. Sou acordada na manhã seguinte por uma Raquel bastante agitada e ansiosa para ver o seu cavalo. Demoro um pouco para me situar e assimilar alguns pontos na minha cabeça. O primeiro é que dormir no quarto de Joaquim, o segundo é que gostei de dormir no quarto dele sentindo o seu cheiro e o terceiro é que estamos apenas nós duas. Olho em volta e encontro um bilhete escrito a mão no móvel do meu lado da cama. Reconheço a caligrafia dele no mesmo instante e o leio ansiosa. “Desculpe não estar aqui quando acordarem, linda. Tive que sair cedo para cuidar de algumas coisas na cidade, mas estarei de volta para o almoço. PS: Já estou com saudades. Beijos.” Levo o bilhete comigo quando deixo o seu quarto para começar a minha nova rotina matinal como responsável por uma criança. Depois que estamos devidamente apresentáveis descemos para tomar o nosso café da manhã. Como estamos apenas Raquel e eu decido adotar o mesmo sistema para servir que os D’Angelo usam. O que claramente deixa Rosa irritada. Mas ela não debate a minha decisão e só retorna depois que terminamos de comer. Sem ter com quem deixar Raquel para conseguir trabalha a levo comigo e deixo que fique brincando na biblioteca enquanto reviso papéis e respondo a e-mails importantes. Mas como isso é nitidamente algo chato para uma criança de cinco anos ela começa a remexer em coisas instruída pela curiosidade. _ Não toque em nada, Quel. – Advirto sem desviar os olhos do monitor enquanto meus dedos batem nas teclas de forma ágil. Pela visão periférica consigo ver quando ela devolve uma miniatura de carro ao seu devido lugar e se encaminha para um outro objeto disposto em uma das muitas estantes espalhadas pelo ambiente. Mas não consigo identificar do que se trata antes de ouvir o barulho de algo caindo e se espatifando em mil pedaços no chão. É nesse momento que tiro meus olhos do monitor para ver o que acaba de acontecer. Assim que meus olhos recaem sobre uma Raquel assustada cercada por vários cacos de porcelana me apresso em correr para perto dela. Com cuidado para não me machucar desvio do campo minado de cacos e a pego em meu colo a afastando dali no mesmo momento que Rosa invade o escritório com olhos arregalados. Ela tampa a boca com uma mão enquanto observa o estrago. _ O que houve aqui? – Pergunta se aproximando dos restos de algo que com certeza é muito caro. _ Foi um pequeno acidente. – Justifico enquanto tento acalmar Raquel que nesse momento está chorando. – Ela estava olhando um desses enfeites quando, sem querer, acabou o deixando cair. _ Eu não diria que foi um pequeno acidente. – Diz olhando de perto um dos cacos. – Isso não é um simples enfeite, menina. – Seu tom é tão duro e frio que me causa um arrepio na espinha e faz com que o choro de Raquel aumente. – Este era um dos vasos de porcelana que estão na família Mantovan a gerações. Era uma das peças de mais estima do senhor Theodoro. Que em paz descanse. Isso não é nada bom. Tenho certeza de que Joaquim vai ficar furioso quando souber que Raquel quebrou, sem querer, um dos vasos preferidos do seu avô morto e que se tratava de uma herança de família. _ Deveria controlar melhor essa menina. – Aponta para Raquel com desdém. – Vou buscar algo para limpar essa bagunça. – Diz antes de sair pisando duro. _ Desculpa, Bibi. – Pede a pequena entre soluços. – Escorregou da minha mão. – Garante com a cabeça escondida em meu peito. _ Tudo bem, querida. – Digo a pegando no colo. Deixo o escritório antes que Rosa volte e recomece com os sermões que vão deixar as coisas mais piores do que já estão. Sigo com Raquel até a varanda da frende em busca de ar puro. A pequena ainda chora agarrada ao meu pescoço quando me sento em um dos bancos dispostos no lugar. Fico acariciando os seus cabelos até que seu choro se vai e sobra apenas os soluços cansados. Não demora muito avisto o carro de Joaquim chegar e estacionar em frente à casa grande. O assisto desligar o veículo e pegar algumas coisas antes de descer e um funcionário se aproximar para guardar o carro na garagem. Assim que nos nota na varanda seus passos se apressam ao nosso encontro. _ Tudo bem por aqui? – Pergunta sentando na mesinha de madeira de frente para nós duas e Raquel ergue a cabeça para o olhar. – Por que estava chorando, princesa? – Questiona preocupado. _ Desculpa, Joca. – A pequena pede com a voz embargada. – Foi sem querer. – Completa antes de voltar a chorar. _ O que foi sem querer, princesa? – Pergunta novamente acariciando o seu rosto. Mas como ela não o responde seus olhos recaem sobre mim. – Do que ela está falando, Bia? _ Do vaso favorito do seu avô que ficava no escritório e que ela acaba de quebrar por acidente. – Disparo num só fôlego. _ Que vaso? – Questiona franzindo o cenho. _ Um que a Rosa falou que estava na família Mantovan a gerações. – Repito o que ouvi da governanta. _ Certo. – Diz de forma lenta. _ Mas garanto que não era a intenção da Raquel o quebrar. – Pontuo de forma rápida. – Sei que nenhum dinheiro pode pagar uma relíquia de família, mas pode descontar o valor do vaso no meu salário. Só peço que faça isso de forma parcelada. _ Vai com calma, Bia. – Pede pousando a mão em meu joelho. – Está tudo bem. – Diz olhando em meus olhos. – Não precisa ficar assim por causa de um vaso. _ Como não preciso ficar assim se era uma herança de família? _ Era apenas um objeto antigo como muitos outros que estão espalhados pela casa. – Pontua de forma leve. – Isso não me importa muito. O que me importa mesmo são os momentos em que pude conviver com o meu avô e isso ninguém é capaz de quebrar. – Pelo seu tom de voz percebo que fala a verdade. Então ele se afasta de mim para pegar Raquel em seus braços. No mesmo instante a pequena se aconchega em seu colo. _ Não briga comigo, Joca. – Pede entre soluços cansados. _ Não vou brigar com você, princesa. – Garante beijando sua testa com carinho. – Está tudo bem. O importante é que não se machucou. – Diz pincelando o seu nariz com o dedo indicador a fazendo sorrir. – Sabe de onde acabo de vir? – Pergunta a ela que n**a com um movimento de cabeça. – Fui até a escola onde meus irmãos estudam pegar uma lista de tudo o que precisamos fazer para você voltar a estudar. – Conta me pegando de surpresa. Aí está ele cuidando de tudo outra vez. Então não existe mais aquele momento de tristeza e medo. Só alegria. Minha irmã o abraça animada e comemora que vai poder voltar a ir na escolinha. Joaquim vem se acomodar ao meu lado com ela enquanto responde as suas inúmeras perguntas sobre a nova escola. A sua animação aumenta ainda mais quando descobre que Ana Luiza e Théo também estudam lá. E novamente sei que deveria intervir e tomar as rédeas da situação, mas sou fraca e apenas aceito que ele cuide de tudo.
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