Capítulo 3

3004 Words
Beatriz Sei que não é nenhum pouco ético achar o meu chefe um gato e ficar parada olhando para ele por vários minutos, mas não consigo evitar. Já o achava lindo usando suas roupas habituais de trabalho. Mas agora ele está simplesmente irresistível usando algo mais formal para a reunião. _ Está pronta para irmos, Beatriz? – Questiona me trazendo de volta de meus pensamentos. _ Não vai querer comer algo antes de sairmos? – Respondo com outra pergunta enquanto começamos a descer as escadas. _ Estou tão nervoso que não tenho fome. – Diz esfregando as palmas das mãos na calça. – Mas se quiser comer alguma coisa posso te esperar e fazer companhia. Temos tempo. – Fala olhando para o relógio de pulso. _ Também estou sem apetite pelo nervosismo. – Falo com um meio sorriso quando chegamos ao final da escada. _ Posso servir o café da manhã, senhor? – Rosa pergunta chegando do nada e levamos um susto. É assustador como ela consegue se mover pela casa sem fazer qualquer ruido. _ Vamos comer na cidade, Rosa. – Ele fala arrumando a gola da camisa. – E também não precisa se preocupar com o nosso almoço. Vamos passar todo o dia fora. Mas voltamos para o jantar. _ Como quiser, senhor. – Diz antes de se retirar tão silenciosa quanto chegou. _ Achei que as suas reuniões fossem apenas pela parte da manhã. – Comento franzindo o cenho confusa. _ E são. – Diz caminhando em direção a saída e o sigo. – Mas pensei que poderia aproveitar a tarde para te apresentar um pouco o centro de Gramado. Não é nada muito grande como o centro de Porto Alegre, mas tenho certeza de que vai te encantar. – Fala destravando a picape cor de vinho que nos esperava estacionada na frente da casa grande. _ É atencioso da sua parte, Joaquim. Mas não acho que seja conveniente que a gente saia para passear quando temos muito trabalho a fazer. – Falo antes de entra no carro e me acomodar no banco do carona. _ Justamente porque temos muito trabalho que estou dando este passeio de presente a você. – Fala ao se acomodar atrás do volante. – A partir de amanhã começamos a colocar em prática tudo o que temos em mente. – Garante dando a partida e decido não revidar. Não conversamos durante todo o caminho. Ele concentrado na direção e eu passando e repassando tudo o que vai ser falado na reunião. O trajeto só não é feito em total silêncio porque o rádio está tocando uma coletânea dos melhores sucessos da MBP. O centro da cidade está bastante agitado. Os moradores locais se mesclando com os turistas. Mas claro que essa agitação nem se compara a grande São Paulo em horário de pico. A prova disso é que conseguimos chegar ao prédio onde funciona o banco vinte minutos adiantados. Pensei eu tomaríamos um belo chá de cadeira, mas assim que Joaquim diz seu nome completo somos encaminhados para uma sala de reunião e uma moça nos serve um café e uma água. Enquanto esperamos que o gerente chegue remexo em meu celular para descartar mensagens do e-mail e responder a mensagem de bom dia que Raquel me enviou pelo celular do nosso pai. Por um breve momento penso se não estou sendo m*l educada em não conversar com a outra pessoa na sala. Sendo essa outra pessoa o meu chefe. Mas pelo canto do olho vejo que Joaquim também remexe em seu celular e relaxo. _ Perdão pela demora, senhor D’Angelo. – Um homem franzino usando paletó cinza engomado com a gravata na cor azul e os óculos apoiados na ponta do nariz fala ao entrar apressado na sala. – Tive um imprevisto com o meu carro esta manhã. _ Sem problemas. – Joaquim diz estendendo a mão para o homem que aperta antes de ocupar o seu lugar na cabeceira da mesa. – Chegamos adiantados de qualquer forma. E imprevistos acontecem com qualquer um. – Fala ao sentar no lugar ao meu lado. _ Tem razão. – Fala com um sorriso amarelo sem mostrar os dentes. – Podemos começar a reunião agora ou precisam de um tempo para organizar a apresentação de vocês? – Questiona cruzando os dedos finos sobre a mesa. _ Podemos começar agora. – Joaquim fala olhando dele para mim. Enquanto ele começa a breve apresentação sobre o seu projeto abro a pasta que carrego comigo e entrego para o homem magro as projeções e prospectos de valores que iremos precisar. Ele analisa os papeis com atenção ao mesmo tempo que escuta Joaquim terminar o seu relato. _ Então? – Joaquim questiona e percebo que está ansioso. _ É uma quantia realmente alta. – O homem diz ainda olhando para os papéis. _ Isso quer dizer que o banco não vai nos disponibilizar o valor? _ Essa não é a questão aqui, senhor D’Angelo. – Diz voltando a encará-lo retirando os óculos com um meio sorriso. – O banco até poderia disponibilizar um empréstimo para o senhor, mas acontece que o senhor Theodoro Mantovan deixou um fundo de investimentos registrado em seu nome para que o senhor usufruísse da quantia quando decidisse fazer alguma melhoria ou ampliar os negócios. _ Meu avô fez isso? – Ele questiona claramente confuso. _ Sim. E fui eu mesmo quem redigiu os documentos para que ele assinasse enquanto ele falava o quanto o bisneto mais velho era um visionário e saberia muito bem o que fazer com o dinheiro. – Joaquim está parado sem reação, mas claramente emocionado. – A quantia que precisar estará disponível para você quando quiser. Basta apenas assinar esses documentos. O homem estende alguns papéis para Joaquim eu pega ainda atônito. Ele leva alguns minutos lendo os documentos, mas antes de assinar qualquer coisa me estende os papéis para que eu também leia. Não entendo muito do que está escrito já que a maioria dos termos são jurídicos. Mas me atenho aos números dispostos na documentação e vejo que o valor do fundo de investimentos deixado pelo bisavô de Joaquim é o dobro do que esperávamos conseguir com o banco. _ Sei que sou o cara que toma as decisões. Mas o que acha? _ Não entendo muito a parte jurídica que esse documento implica. – Inicio de forma sincera. – Mas com esse valor conseguimos investir no que você deseja e ainda ter reservas para o caso de termos problemas no meio do caminho. _ Tem razão. – Fala pegando os documentos novamente. – Poderia me emprestar uma caneta? – Pede ao homem que rapidamente se prontifica em lhe entregar uma caneta prateada com desenhos entalhados em sua extensão. _ Pronto. – Diz terminando de assinar. _ Vou arquivar essa documentação e fazer uma cópia para o senhor. Garanto que é coisa rápida. – O homem diz deixando a sala em passos apressados. Assim que ficamos sozinhos Joaquim deixa o seu lugar para observar a cidade pela janela. Não é uma grande vista considerando que estamos em um prédio de cinco andares e não em um enorme edifício de mais de vinte andares que compõem o centro da selva de pedra que é São Paulo. Com as mãos enfiadas no bolso e o olhar perdido ele não nota o retorno do gerente até que o mesmo o chame. O homem lhe entrega a sua cópia dos documentos junto a um comprovante de depósito em sua conta. Depois de mais um rápido aperto de mãos nós deixamos o prédio e seguimos para a reunião com os investidores em um prédio ao lado do banco. Chega a ser engraçado. Como no banco basta o sobrenome D’Angelo ser mencionado para sermos direcionados a sala de reuniões. Isso me dá uma noção maior do poder desse sobrenome. Eu cheguei a pesquisar sobre os D’Angelo quando consegui o emprego e sabia que eram pessoas importantes. Principalmente aqui no sul do país. Mas cheguei a pensar que fosse um exagero da mídia. Mas os acontecimentos dessa manhã provam que não havia nenhum exagero no que li. A reunião com investidores é um pouco mais demorada do que a que tivemos com o gerente. E a pedido de Joaquim sou eu quem apresenta o projeto. Não vou negar que fico ainda mais nervosa com aqueles homens me encarando. Apesar do ar-condicionado estar ligado sinto o suor escorrer por minha espinha e preciso reprimir um suspiro de alívio quando termino a apresentação. Depois vem a pequena sessão de perguntas e dessa vez Joaquim me ajuda. Quando todas as dúvidas são tiradas os homens engravatados deixam a sala para discutirem a situação em particular. _ Será que conseguimos? – Pergunto estralando os dedos das mãos na tentativa de me acalmar. – Acho que deixei algumas coisas passarem na apresentação. – Comento mordendo o lábio inferior. _ Acalme-se, Beatriz. – Ele diz olhando em meus olhos. – Sua apresentação foi incrível. E tenho certeza de que vamos conseguir. _ Como pode ter tanta certeza? _ Intuição. – Diz ao mesmo tempo que os homens retornam para a sala. – Então. O que decidiram? _ Bem. – O mais velho dos três homens começa a falar. – Conversamos e chegamos a conclusão de que o que está propondo é algo bastante arriscado. _ Mas que tem bastante potencial. – Continua o careca gordinho do meio. – Além de estar muito bem planejado. _ E por isso estamos dentro. – Fala o mais jovem com um largo sorriso branco que mais parece ter saído de um comercial de saúde dental. – Queremos investir nesse seu novo passo. _ Garanto que não vão se arrepender. – Joaquim diz trocando firmes apertos de mão com os nossos novos parceiros. _ Assim esperamos. – Volta a dizer o mais velho, que com certeza é o mais conservador dos três. – Vamos redigir um documento para oficializar tudo e então marcamos uma nova reunião para assinarmos tudo. Quando deixamos o prédio depois de uma breve despedida sinto como se um peso tivesse deixado meus ombros. _ Conseguimos. – Digo com um sorriso de alívio. _ Eu disse que conseguiríamos. – Ele fala de forma convencida. – O que acha de irmos tomar um maravilhoso café da manhã para comemorarmos? _ Vou aceitar. Estou realmente faminta. _ Vamos logo, então. – Diz me indicando o caminho e seguimos a pé pela calçada. _ Pensei que fossemos pegar o carro. _ O restaurante é aqui perto e não quero perder tempo atrás de vaga para estacionar. _ Vocês tem dificuldade de estacionar por aqui? – Questiono incrédula. _ Claro que não tanto quanto vocês devem ter em São Paulo. Mas em dias de semana e em horário comercial as coisas ficam meio agitadas. _ Se você diz. – Falo dando de ombros. Caminhamos cerca de seis minutos até chegarmos a um restaurante com ar europeu com mesas na calçada. Mesmo tendo mesas internas desocupadas ele escolhe uma mesinha na parte externa. Logo um garçom vem nos atender e depois de fazermos nossos pedidos ficamos sozinhos naquele momento constrangedor que ninguém sabe muito bem o que falar. Decido olhar em volta e observar a movimentação a nossa volta. Estamos próximos a uma praça onde consigo ver alguns possíveis turistas tirando incontáveis fotos no celular. Sem contar as crianças fofinhas que aproveitam o momento de sol para brincar e se divertirem na grama. Não consigo evitar imaginar que uma dessas crianças poderiam ser Raquel e a saudade da minha irmã aperta ainda mais. Ela adoraria brincar descalça na grama. Lógico que essa brincadeira seria algo escondido da minha madrasta. A atual esposa do meu pai tem certa paranoia com germes e micróbios e vive proibindo a minha irmã de brincar como uma criança da sua idade. Acho que essa é uma das razões pelas quais Raquel vive doente. _ Gostando da vista? – A pergunta de Joaquim me tira dos meus pensamentos. _ É um belo lugar. – Digo voltando a encará-lo. – Parece até uma pintura. _ Quando era pequeno amava vir aqui para brincar com meus primos e depois meus irmãos enquanto esperávamos a minha mãe sair do trabalho. – Comenta sorrindo com a lembrança. – Rolávamos tanto no chão que quando voltávamos para casa estávamos irreconhecíveis. – Diz e dessa vez até eu rio imaginando a cena. – Mamãe nos dava uma bronca, mas depois ria do nosso estado. _ São lindas lembranças. – Digo e nos calamos quando o garçom retorna trazendo o nosso pedido. – Sua infância deve ter sido muito boa. _ Posso dizer que sim. – Diz de forma ponderadora. – E como foi a sua infância? Também brincava com seus primos e irmãos até ficar completamente irreconhecível? _ Fui filha única até cinco anos atrás. – Comento depois de bebericar um pouco do meu café. – E não morava próximo aos meus primos. Nasci e cresci em um prédio. Então não tinha muita grama para brincar. Mas sempre que dava me reunia no playground com alguns amiguinhos que moravam no prédio. O então ia para a casa da Daniella, a minha melhor amiga, para brincar de boneca. _ Deve ter sido uma infância meio chata. – Fala com uma careta engraçada. _ Foi normal. – Digo dando de ombros. _ Por que seus pais demoraram muito para te darem um irmão? – Pergunta distraído com o seu misto quente. _ É... meus pais são separados e a minha irmã é filha do meu pai com a nova esposa dele. – Respondo o fazendo parar o misto no meio do caminho entre o prato e a boca. _ Desculpa, Beatriz. – Pede devolvendo o pão para o prato claramente sem graça. – Foi uma pergunta i****a. _ Tudo bem, Joaquim. – Garanto. – Não tinha como você saber. – Abro um pequeno sorriso para mostrar que de fato está tudo bem. – Esse croissant parece estar uma delícia. – Comento querendo mudar de assunto e afastar o clima estranho que ficou depois da minha recente revelação. Seguimos conversando sobre a comida e amenidades. Vez ou outra fazemos comparações entre São Paulo e Gramado. Depois de muita insistência Joaquim aceita dividirmos a conta quando terminamos de comer. _ Vamos voltar para a fazenda agora? – Pergunto quando começamos a nos afastar do restaurante em direção aonde deixamos o carro. _ Ainda não. – Fala tirando o blazer e o deixando pendurado no braço. – Prometi que hoje apresentaria um pouco da cidade para você. Depois voltamos para casa. – Diz caçando as chaves no bolso quando chegamos até o carro. Ele abre a porta do passageiro para que eu entre e assim que faço ele abre a porta traseira e atira o blazer no banco de trás e solta a camisa da calça antes de ocupar o seu lugar atrás do volante. _ Vamos começar o tour. – Fala animado. Enquanto dirige Joaquim vai contando apontando lugares e contando histórias. Nossa primeira parada é na Rua Coberta. O lugar é encantador e aconchegante. Enquanto caminhamos por entre um pequeno mar de turistas Joaquim incorpora o seu papel de guia turístico e segue dissertando curiosidades sobre o lugar. Ele até para em um ponto específico e insiste que tire algumas fotos para enviar para a minha irmã e a ideia me anima. Quando passamos em frente a uma loja de artigos infantis não resisto em entrar e comprar algo para Raquel. Posso enviar para ela por correio ou entregar pessoalmente quando voltarmos a nos encontrar. Joaquim também compra algumas coisas para os irmãos mais novos. Estamos com algumas sacolas quando voltamos para o carro para continuarmos o nosso tour. Paramos em uma praça para tirar mais fotos. Mas o lugar que mais gostei de visitar foi o Mundo do Chocolate. E lógico que não sai sem o meu chocolate. O relógio marca um pouco mais do meio-dia quando voltamos para o carro. Meus pés estão me matando por causa dos saltos e não quero vê-los tão cedo por perto. _ Isso é muito bom. – Deixo um suspiro escapar quando coloco um pedaço de chocolate na boca e o mesmo se derrete. _ Não vai me dizer que é viciada em chocolate. – Diz com ar de riso. _ Viciada, não. Apreciadora. – Pontuo o fazendo rir e o acompanho. Mas nosso riso é interrompido pelo toque do seu celular. _ Alô? – Atende depois de encostar. – Estou bem. – Diz e então se cala esperando a outra pessoa na linha falar. – Claro que posso. Sem problemas. – Fica novamente em silêncio, mas o sorriso não deixa os seus lábios. Na certa está falando com alguma namorada. Essa constatação me faz sentir uma espécie de formigamento diferente no peito e não gosto nenhum pouco dessa sensação. – Também te amo. Beijos. – Diz antes de desligar. – Sinto muito, Beatriz. Mas o nosso passeio vai ter que acabar por aqui. _ Sem problemas. Posso pegar um táxi de volta para a fazenda. – Falo voltando a assumir a postura profissional que insisto em esquecer quando estou perto dele. _ Não precisa disso, Beatriz. _ Claro que precisa. Não quero atrapalhar. _ Você não vai atrapalhar. – Garante virando um pouco no banco para me olhar melhor. – Tenho que ir até a escola buscar os meus irmãos e depois deixar eles na casa dos meus avós porque meus pais estão ocupados. Tudo bem para você deixarmos o passeio para outro dia? _ Ah! – Falo olhando para a frente e depois deixando meus olhos caírem sobre minhas mãos. – Certo. O clima leve que ocupava o ambiente é substituído por um silêncio um tanto desconfortável quando ele dá a partida e começa a guiar rumo a escola dos irmãos. Enquanto me sinto uma completa i****a depois da pequena cena que fiz. E daí que fosse a namorada dele? Joaquim é apenas o meu chefe e não tenho nada haver com a vida amorosa dele.
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