Capítulo 2

3044 Words
Joaquim Definitivamente detesto o silêncio que me cerca quando me tranco em meu quarto depois de me despedir de Beatriz na porta do seu quarto. Estou mais acostumado a agitação dos meus irmãos na hora de dormir. Theo estaria nesse momento barganhando mais alguns minutos acordado mesmo que estivesse morrendo de sono. Já Lulu estaria ligada no 220v fazendo varias coisas ao mesmo tempo porque sempre deixa tudo para a última hora. A lembrança daqueles dois me faz sorrir. A minha relutância em vir morar de vez na fazenda era a saudade que sabia que sentiria daqueles dois. Meus irmãos. Além da saudade que também sentiria dos meus pais. Somos muito unidos desde que cheguei para a família. Quando aquela mulher juntou minhas coisas assim que meu avô Joaquim morreu e me largou sem nem mesmo olhar para trás. Ainda lembro a sensação que senti quando fiquei sozinho no meio daquelas pessoas que não conhecia, mas que depois se tornaram a minha família. Lembro da minha primeira noite com os meus pais. Da paz que a minha mãe me transmitia. Também lembro do dia que decidi que ela era a minha mãe e não Andreia. Sinto um embrulho me revirar o estômago só em lembrar daquela mulher. Por quase vinte anos esqueci por completo a existência dela. Estive cercado de tanto amor que esqueci todo o m*l que ela me fez. Mas então ela surgiu na porta da casa dos meus pais e então tudo voltou. Chego a sentir calafrios só em lembrar daquele reencontro. Quando tive idade suficiente para entender tudo o que me havia acontecido os meus pais tiveram uma conversa franca comigo e explicaram tudo. Claro que deixando passar por alto algumas coisas. E lembro que depois dessa conversa passava horas imaginando como seria se um dia voltasse a encontrar Andreia. Imaginei que seria superior e a mandaria embora. Ou que ela estaria de fato arrependida e diria que me amava. Mas não foi assim que aconteceu. Simplesmente fiquei sem reação quando a vi na minha frente com aquela postura arrogante de sempre. Se não fosse por Lulu ter reagido e mamãe ter tomado a frente de tudo acho que ainda estaria parado apenas olhando aquela mulher. Balanço a cabeça afastando aqueles pensamentos e me concentro em me preparar para dormir. Amanhã é um novo dia e preciso estar bem disposto para trabalhar. Afinal, tem muita coisa que precisa ser feita. O lugar ficou meio largado depois que o vovô Theodoro morreu. Preciso da fazenda a todo vapor para implantar meus planos de expansão. Me deito mesmo estando sem sono e começo a fazer uma lista mental de tudo o que preciso fazer amanhã na primeira hora. Não demora e estou dormindo. Acordo junto com os primeiros raios de sol. Tomo um bom banho e me apronto para mais um dia de trabalho. Quando desço a mesa para o café da manhã, digno de dejejum de hotel cinco estrelas, está posta. Isso é algo que me incomoda um pouco. Prefiro o jeito da casa dos meus pais quando é aquela bagunça toda e todos ajudam a preparar a mesa. _ Bom dia, senhor. – Rosa cumprimenta me assustando ao entrar no ambiente sem ser notada. _ Bom dia, Rosa. – Respondo me recuperando do pequeno susto. _ Posso servir o seu café ou senhor irá esperar pela senhorita Nogueira? – Questiona quando me sento em meu lugar ao lado da cabeceira da mesa ignorando o prato posto ali para mim. Abro a boca para responder, mas sou interrompido pela chegada afobada de Beatriz. Sua respiração acelerada denuncia que veio correndo. _ Tudo bem, Beatriz? – Pergunto quando a mesma deixa o corpo cair sobre a cadeira a minha frente e Rosa se apressa em arrumar a louça a sua frente. _ Perdi a hora outra vez. – Diz ainda um tanto ofegante. – Perdão. – Pede tentando acertar a respiração no ritmo normal. _ Tudo bem. – Digo com um meio sorriso. – Também acabei de descer. – Garanto ao forrar o guardanapo em meu colo. – Pode começar a servir, Rosa. – Falo a mulher parada ao lado da mesa que logo se apressa em atender meu pedido. Ela me serve primeiro e depois se ocupa de Beatriz. Tomo o meu café em silêncio enquanto observo a moça a minha frente devorar algumas fatias de mamão e melão e se servir de uma torrada com geleias. Algo incomum para alguém que não tem apetite pela manhã. _ Mentiu quando disse que não costumava comer pela manhã. – Constato devolvendo minha xícara a mesa. _ Não menti. – Ela diz limpando um pouco de geleia no canto dos lábios. – Geralmente não como mesmo pela manhã. Mas passei a noite trabalhando e essa mesa me abriu o apetite. _ Por que passou toda a noite trabalhando? – Questiono alarmado com esse seu comentário. – Algum problema com as finanças que não me falou ontem? _ Não tem nenhum problema com as finanças. – Garante bebericando um pouco do seu suco de laranja. – Apenas tive um pouco de insônia e aproveitei para adiantar as coisas. – Diz erguendo levemente os ombros ao devolver o copo a mesa. – A propósito. Já tenho a planilha e toda a apresentação sobre a execução do seu plano de expansão. _ Assim tão rápido? – Pergunto impressionado. – Ao menos dormiu um pouco? _ Sim. – Responde num meio sorriso sem mostrar os dentes. E, mesmo não sendo um sorriso por inteiro, fico encantado em como seus olhos verdes puxam um pouco e uma covinha do lado esquerdo surge. – Será que posso apresentar tudo para você depois do café da manhã? – Questiona raspando a garganta me despertando do pequeno momento de transe. _ Claro. – Falo voltando a minha atenção para o meu café da manhã. Quando terminamos de comer seguimos direto para o antigo escritório do vovô Theodoro. Esse é sem sombra de dúvidas o cômodo que menos gosto de entrar. A cada vez que preciso vir até aqui sinto como se fosse encontrar o vovô sentado em sua poltrona lendo algum livro de sua coleção de clássicos que é uma herança de família enquanto aprecia uma taça de vinho. Tudo aqui me lembra um pouco dele. Desde os móveis às cortinas. Sinto um leve aperto em meu peito causado pela saudade, mas busco afastá-lo e me concentro no que Beatriz me fala e mostra em planilhas e gráficos. _ Fez tudo isso em apenas uma noite? – Questiono impressionado novamente. _ Não foi nada demais. – Diz colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. – Entendeu que as coisas estão bem estáveis por aqui e que investir em um plano mais intenso de exportação é um tiro no escuro? _ Entendo. – Digo voltando a assumir a postura profissional. – Sei que vai ser bastante arriscado e que se não der certo vou ter um baita prejuízo. Mas se der certo o que temos hoje vai duplicar. Não acha? _ Estou aqui apenas para cuidar da parte burocrática. Apresento os prós e contra. Mas você é o cara que toma a decisão final. _ Isso é bastante novo para mim. – Digo um tanto nervoso. – Esta é a primeira vez que fico nessa posição. _ Então é bom se acostumar porque vai ocupar esse lugar mais vezes do que imagina. _ Tem razão. – Digo largando os papeis sobre a velha mesa de carvalho que meu avô enchia o peito para dizer que foi construída por seus ancestrais quando vieram da Holanda a muitos anos atrás. – A decisão é minha. E vou toma-la. – Falo mais para mim do que para ela. – Mas não agora. – Digo ao receber uma mensagem de Luiz dizendo que precisa me encontrar. – Preciso fazer uma ronda e ver como estão as coisas na fazenda. – Me ergo e ela faz o mesmo. – Garanto ter uma resposta até o final do dia. _ Certo. _ Nos vemos no almoço. – Digo antes de sair. Encontro com Luiz assim que chego ao estábulo. Ele está terminando de preparar o seu cavalo para a ronda. O meu já está selado apenas a minha espera. Trocamos um firme aperto de mão e o espero terminar o que precisa fazer para começarmos a nossa ronda. Seguimos primeiro para a parte leste onde parte da cerca havia sido quebrada ontem. Alguns peões estão finalizando os reparos. Eu os cumprimento e analiso todo o trabalho antes de seguir com Luiz para o lugar de ordenha. Felizmente conseguimos resolver o problema com o maquinário ontem mesmo e a produção de leite está a todo vapor. Bem como a produção do nosso queijo artesanal que é vendo para um público ainda bastante exclusivo. Mas isso é algo que faz parte da mudança que quero fazer. Fico para ajudar os cuidadores a dar a ração para o gado e transportar alguns novilhos que vão iniciar a sua interação com o resto do rebanho. Quando volto para deixar o meu cavalo no estábulo o sol está em seu ponto alto e os funcionários começam a parar para o almoço. Assim que entro na casa grande encontro com Beatriz deixando o escritório e o aroma do maravilhoso tempero de Helena faz minha barriga roncar. Como estou coberto de suor e cheirando a esterco peço licença a Beatriz para subir até o meu quarto para tomar um banho, mas a deixo livre para começar a comer se quiser. Estou saindo do banho quando ouço o meu celular começar a tocar no quarto. Com uma toalha enrolada em torno da cintura deixo o banheiro em busca do aparelho que encontro sobre o móvel ao lado da cama. O atendo assim que vejo o nome do meu pai piscando no visor. _ Oi, pai. – O cumprimento apoiando o celular entre o ombro e o ouvido para vestir a minha calça. _ Oi, filho. Liguei para saber como andam as coisas por aí. – Fala e pelo som de motor ao fundo sei que ele está no carro. _ Tudo está correndo bem. – Digo voltando a pegar o aparelho depois de fechar o zíper da calça. – Está indo buscar os meus irmãos na escola? _ Sim. Vamos aproveitar para almoçar com a mamãe. Pensei que pudesse vir nos encontrar. Seus irmãos estão com saudades. Sua mãe e eu também. _ Também estou com saudades. Mas vou ter que deixar esse almoço em família para uma outra ocasião. – Falo meio atrapalhado tentando vestir a camisa e continuar a conversa. – Tenho coisas a decisões importantes a tomar com Beatriz. Decisões que pode mudar muitas vidas de forma negativa ou positiva. – Deixo o meu corpo cair sobre a cama e começo a calçar minhas botas. _ Todas decisões tem esse poder, filho. _ Eu sei. E isso é assustador. _ Bastante assustador. Mas se quiser um conselho do seu velho pai. Siga os seus instintos. Eles vão te conduzir para o caminho correto. Ao menos é assim que acontece comigo. _ Valeu, pai. Agora preciso desligar porque estou morto de fome e o almoço já está na mesa me esperando. – E Beatriz também, completo em pensamento, mas logo me repreendo. _ Vai lá. Mas prometa que vai estar no churrasco de despedida da Maya. A sua prima e toda a família contam com a sua presença. _ É claro que estarei lá, papai. Acha mesmo que perderia um churrasco dos D’Angelo? – Brinco o fazendo rir. _ Então nos vemos lá. Beijos, filho. _ Beijos. Depois da despedida deixo o quarto e desço as escadas apressado. Em parte, por estar com fome, mas também porque não quero deixar Beatriz muito tempo sozinha sentada a mesa. Me surpreendo quando a encontro na sala a minha espera para almoçarmos juntos. _ Não precisava ter me esperado. – Digo quando ocupamos nossos lugares à mesa. _ Não foi nenhum problema esperar. – Fala dando de ombros. – Manhã agitada? _ Bastante. – Respondo enquanto aguardo Rosa terminar de servi-la e então se retirar. – Mas agora a tarde vou ficar no escritório com você acertando tudo o que é necessário para colocar em prática o meu projeto. _ Certo. – Diz com um meio sorriso. Depois do almoço seguimos direto para o escritório. Nos acomodamos no sofá de couro posicionados na lateral próximos as estantes de livro e começamos os preparativos para colocar em prática tudo o que tenho em mente. Tinha consciência de que o que queria fazer era algo complicado, mas não imaginava que precisaria resolver tantas coisas ao mesmo tempo. E que grande parte das coisas envolviam cálculos monstruosos que são o pesadelo de qualquer pessoa que detesta matemática. Sou uma dessas pessoas que não se dão bem com os números e já quero fugir para longe deles depois de duas horas inteiras cercado por eles. Mas me esforço para tentar entender e manter o foco. Ao final do dia já tinha uma reunião marcada com o meu gerente do banco, outra com possíveis investidores e um plano de ação para passar para Luiz, que é quem vai coordenar as mudanças de forma mais direta. _ Acho que por hoje chega. – Falo me erguendo do sofá e alongando as costas no processo. – Já passamos tempo demais presos aos números. _ Gosto de estar entre números e cálculos matemáticos, mas preciso admitir que estou exausta. – Beatriz responde fechando o seu notebook e também se levanta. _ Vamos jantar e descansar. Amanhã o dia vai ser ainda mais puxado. – Digo começando a deixar o escritório. – Ah! Quero que você me acompanhe nas reuniões com o gerente do banco e com os possíveis investidores. Eles, com certeza, irão querer detalhes que só você entende e consegue explicar. _ Não é necessária à minha presença. Você pode levar a planilha com gráficos e a apresentação que fiz para você e mostrar para eles. _ Sei que posso, mas a verdade é que sinto mais segurança se a minha administradores estiver comigo. – Respondo de modo simples. – Então você vai me acompanhar e não se discute mais isso. Além do mais, o banco fica no centro e você pode conhecer um pouco da cidade que está morando agora. Não é nada tão grande quanto São Paulo, mas tenho certeza que é mais bela. _ Disso não tenho dúvida. – Sorri ao arrumar o cabelo atrás da orelha. O simples gesto me deixa um tanto hipnotizado. _ Já posso servir o jantar, senhor D’Angelo? – Rosa pergunta quebrando o momento de transe em que me encontrava. _ Pode sim, Rosa. – A senhora de postura ereta assente com um movimento mínimo de cabeça antes de se retirar nos deixando sozinhos novamente. _ Vou até o meu quarto guardar o meu computador, tomar um banho e ligar para a minha mãe para que saiba que estou viva. Não demoro. _ Sem problemas. Ela passa por mim e sobe as escadas apressada. Aproveito para responder as mensagens dos meus pais, irmãos e converso um pouco com meus primos no grupo que só os mais velhos participam. Deixo o celular de lado quando ouço o som dos passos de Beatriz se aproximando. É assustador como em menos de quatro dias de convivência já conheço o ritmo de suas passadas. Ela chega à sala ao mesmo tempo em que Rosa vem anunciar que o jantar está na mesa e nos dirigimos direto para a sala de jantar. Percebo que ela insiste em colocar meu prato a cabeceira da mesa. Mas não reclamo e arrumo meu prato em meu lugar de costume e me sento de frente para Beatriz. Percebo que seus olhos carregam uma nota de tristeza. Talvez a conversa com a mãe tenha aumentado a saudade. Talvez tenha falado com algum namorado que deixou em São Paulo e o tipo fez uma cena de ciúmes por ela ainda estar hospedada aqui na casa grande comigo e não em seu apartamento como foi o acordado em contrato. Fico tentado a perguntar, mas não quero ser indiscreto ou intrometido com a vida dela. O jantar segue em sua maior parte silencioso. Com exceção do tilintar dos talheres no prato. Não sou acostumado a refeições tão silenciosas. Tem sempre uma bagunça ao meu redor. Mas não posso obrigar a moça a falar se ela quer ficar em silencio. Eu respeito a sua vontade. Diferente da noite anterior, não tem conversa na sala de estar. Apenas subimos direto para os nossos quartos. Depois de um banho e de vestir meu pijama. Me acomodo em minha cama e começo a organizar o que preciso fazer amanhã em uma lista antes que os pensamentos ruins queiram vir me assombrar. E não custa muito para que eu adormeça. Quando acordo pela manhã me sinto renovado. Tomo um bom banho, faço a minha barba e procuro vestir a minha melhor roupa. Preciso passar para o gerente do banco e investidores que, apesar de ser ainda muito jovem, tenho total capacidade para tocar um projeto como esse e fazer dar certo. E quero fazer isso sem que o sobrenome D’Angelo ou Mantovan sejam mencionados. Mesmo tendo crescido com meus pais dizendo que não devo me importar com a opinião dos outros. Não quero que as pessoas achem que só consegui o investimento por causa do poder que os sobrenomes da minha família possuem. Afinal, sou bem mais do que isso. Estudei muito para estar aqui e sempre ouvi atentamente os conselhos do vovô Theodoro. Um senhor de idade avançada, mas com bastante visão de futuro. Assim que termino de me vestir. Analiso o resultado em frente ao enorme espelho que tenho em meu closet e fico satisfeito com o que vejo. Não perdi a minha essência jovial, mas também carrego o ar de homem de negócios que quero passar. Quando deixo o meu quarto encontro com Beatriz no corredor. Ela está linda e impecável em uma calça bege cintura alta, camisa social azul clara e salto preto. Os cabelos estão presos em um coque, mas alguns fios estão soltos e desconfio de que seja proposital. Sua beleza me deixa simplesmente sem palavras.
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