Continuação
Arcanjo Narrando
.. Guga abriu mais uma cerveja.
— Ah, Arcanjo, tu tá numa missão suicida, hein. Essa mina fala até outras línguas, manja de outro país. Tu não vai dizer nem um “hello” direito.
— Hello eu sei, viado. Sei até “good morning”. Se precisar, mando um “bonjour” que ouvi um dia desses ai. — Dei de ombros, rindo. — O que não falta é coragem.
— Coragem não é problema. O problema é tu lembrar tudo isso na hora, com a cabeça cheia de champanhe. — Letícia advertiu, séria. — Arcanjo, não bebe muito. Se ficar bêbado, vai soltar palavrão e estragar tudo.
— Pode deixar, vou ficar suave. Só um gole aqui e outro ali. — Prometi, erguendo a mão como se fizesse um juramento. — Vou chegar na mina sereno, falar manso, elogiando. Vou dizer que trabalho com produção de eventos, que curto conhecer gente interessante. Vou perguntar o que ela acha da festa, sorrir, olhar nos olhos…
— Isso, olhar nos olhos é importante. — Letícia sorriu, satisfeita com meu empenho. — Mas sem encarar como se fosse intimidar, tá? Olha com leveza, dá uns sorrisos de canto. Mostra interesse genuíno.
— Leveza, sorrisos de canto, interesse o que? — balancei a cabeça, repetindo feito um papagaio. — Ai, c*****o, tô nervoso já.
— Nervoso agora? Imagina lá. — Guga gargalhou, quase derramando cerveja. — Vai ser hilário.
— Não vai ser hilário se tu ficar me zoando na frente dela. — Apontei o dedo pro Guga de novo. — Tu não vai falar que eu sou traficante, nem nada do morro, ouviu?
— Relaxa, Arcanjo. Sou doido, mas não burro. — Guga deu de ombros. — Vou fingir que nem te conheço, se quiser.
— Não precisa exagerar. Diz só que me conhece de vista, sei lá. Deixa que a Letícia me apresente pra Lívia. Assim parece mais natural.
Letícia mecheu a cabeça, concordando.
— É, eu digo que você é um amigo que eu convidei de última hora, um cara gente boa que trabalha com eventos. Nada muito detalhado, pra não te encurralar depois.
— Isso, perfeito. E se ela perguntar do meu sobrenome, dou qual? Não posso dizer meu vulgo, né?
— Inventa um. Sei lá, fala Silva, Santos, Rocha, qualquer coisa comum. Não dá pra tu inventar um sobrenome gringo, ela vai achar estranho. Não me venha falar que teu nome é Arcanjo não em, como custume — Letícia deu uma risadinha.
— Fechado, vou ser Gabriel Fernandes. — Comentei, rindo junto. — Meu nome não tem como mentir, por que depois ela pode me chamar por um nome falso e eu esquecer. Ela não vai pesquisar sobre mim na internet, ou vai?
— Já pensou? ela abrir a pagina policial e tua cara ta lá? — Guga riu tanto que quase se engasgou.
— Cala a boca, Guga. — falei, mas rindo também. — O importante é que funcione.
Levantando da cadeira, bati as mãos nas coxas, satisfeito com a pequena aula que tive.
— Valeu mesmo, Letícia. Tu salvou minha vida. Agora pelo menos tenho um roteiro na cabeça.
Ela se aproximou, dando um tapinha no meu ombro.
— Vai dar tudo certo, Arcanjo. Só lembra: menos gíria, nada de contar vantagem do morro, e muito menos do tráfico. Seja simples, elegante e curioso sobre a vida dela.
— Pode deixar. Vou ensaiar em casa, olhando pro espelho. — Pisquei, brincando.
Guga se espreguiçou, bocejando alto.
— Chega de papo, tô com sono. Amanhã é outro dia, e tu ainda vai ter que decorar essa p***a toda sem errar.
— Beleza, já tô indo. — Virei pra Letícia uma última vez. — Obrigado, de verdade. Tu é parceira pra c*****o.
— Tô fazendo isso só ver minha amiga feliz um pouco, ela precisa se divertir de verdade — Ela riu, me empurrando de leve em direção à porta.
Saí da casa do Guga com a cabeça rodando de tanta informação. Eu, Arcanjo Silva, produtor de eventos imaginário, fã de MPB e espumante, indo encarar uma patricinha do Leblon num rolê de lancha no Flamengo. p***a, isso vai ser épico. Agora é esperar o dia chegar e ver se eu consigo bancar essa peça sem entregar meu verdadeiro lado bandido.