Lívia
Livia Narrando
O cheiro de maresia sempre foi minha primeira memória quando penso na minha casa. Bem, chamar o lugar onde eu moro de "casa" é quase um insulto. É uma cobertura absurda de grande, com vista panorâmica para a praia do Leblon. De manhã, o sol entra direto pela varanda e ilumina tudo como se fosse um cenário de novela. Mas essa não é minha única realidade. É só uma das muitas facetas da minha vida que, por fora, parece perfeita.
Meu pai, Álvaro D’Avila, é o dono de uma das maiores empresas de estaleiros do Brasil. O homem é um monstro nos negócios.Todo mundo na Zona Sul conhece o nome dele. Meu sobrenome é quase uma grife. Mas não me entendam errado, eu não sou só “a filhinha do papai”. Longe disso. Eu corri atrás do meu próprio corre, construí meu império do zero e hoje sou dona de uma rede de lojas que tá bombando.
— E aí, Lívia, como é que você conseguiu montar isso tudo? — perguntam as pessoas quando me veem. A resposta é simples:
ralação, determinação e, claro, um pouquinho de esperteza. Tá achando que é moleza? Não é, não.
A vida aqui na Zona Sul é assim: todo mundo é bonito, todo mundo tem dinheiro e todo mundo quer mostrar que tem mais do que o outro. É um desfile sem fim de carrões, roupas de grife e ostentação. Eu jogo o jogo, mas não me perco nele. A real é que, apesar de todo esse luxo, eu sei que o mundo não é feito só de gente vestida de branco na virada do ano, brindando champanhe na areia. Tem muito mais acontecendo por trás do brilho.
Meu pai sempre fez questão de oferecer tudo do bom e do melhor pra mim, ja que sou a filha unica do papai. Não só aqui, mas em todas as outras casas que temos. Tem uma mansão na Barra, outra em Angra e, claro, a fazenda no interior, que é gigante. Só que eu nunca quis ser mais uma patricinha acomodada, que só vive da grana do papai. Desde cedo, eu quis o meu próprio espaço.
Foi aí que nasceu a ideia das lojas. Comecei com uma unidade no Shopping Leblon, vendendo roupas que eu mesma desenhava. O início foi f**a. Apesar do nome da família ajudar, ninguém acreditava muito em mim. Falavam:
— Ih, lá vai a riquinha brincar de empresária.
Maluco, como isso me irritava!
Mas eu calei a boca de todo mundo. O negócio deu certo, e hoje tenho sete filiais espalhadas pelo Rio. E deixa eu te contar: não tem nada mais gostoso do que saber que seu dinheiro vem do seu próprio suor.
Mas não se engane, a vida aqui na cobertura é outro nível. O apartamento é tão grande que dá pra se perder lá dentro. Tem uma sala com pé direito alto que parece até sala de hotel de Dubai. A cozinha é coisa de revista, e a piscina na varanda... Ah, a piscina! Às vezes eu acho que passo mais tempo nela do que na cama.
Agora, deixa eu ser bem clara. O fato de eu morar aqui, dirigir um Audi Q5 branco e ter as roupas mais caras, viver viajando pra fora do país não significa que eu não saiba o que tá rolando fora dessa bolha. Eu vejo as notícias, ouço as histórias. Tem gente que acha que a gente da Zona Sul vive numa redoma. Alguns vivem mesmo. Mas eu, não. Eu sei que a vida lá do outro lado da ponte é dura.
Meu pai, por outro lado, não gosta muito que eu me envolva nessas conversas. Ele é mais conservador, quer que eu viva na minha bolha e ponto. Já rolou até briga:
— Lívia, você acha que precisa sair por aí se preocupando com coisas que não são do seu mundo? — ele fala, estressado, quase todo jantar.
— Meu mundo, pai? E qual é o meu mundo? Só esse aqui? — eu retruco, cansada dessa conversa furada.
O que ele não entende é que eu tenho meu próprio jeito de enxergar as coisas. Minhas lojas, por exemplo, empregam muita gente. Tem costureira, vendedora, gerente. Eu faço questão de dar oportunidades pra quem realmente precisa, mesmo que o currículo delas não seja perfeito. Não é caridade, não, é justiça.
Agora, se eu sou sincera, eu tenho uma amiga que me puxa um pouco mais pro lado “vida loka” das coisas. Letícia. Ah, a Letícia! Aquela maluca me arrasta pras maiores roubadas. E eu, b***a, vou junto. Ela vive falando que eu devia me soltar mais, viver menos preocupada com o que as pessoas pensam.
— Pô, Lívia, tu parece uma véia às vezes. Vai curtir, c*****o! — ela diz, rindo.
— E tu parece uma irresponsável, Letícia! Não posso sair largando tudo assim, c****e! — respondo, mas no fundo sei que ela tem razão.
Minha vida, por mais glamourosa que pareça, às vezes pesa. É muita pressão, muita expectativa. Eu sei que tem gente que olha pra mim e pensa: “Ah, coitadinha da rica, reclamando da vida boa.” Mas deixa eu te dizer: cada um carrega seu próprio tipo de fardo. O meu é provar que eu não sou só uma cara bonita com sobrenome famoso.
Olhei pra piscina na varanda, refletindo o azul do céu, e me peguei pensando que essa vista valia mais do que qualquer terapia. Pelo menos ajudava a esfriar a cabeça depois de um sonho r**m com o maldito do André.
Sim, aquele André. Filho de Maurício Vasconcellos, empresário cheio de grana e amigo do meu pai. O tipo de homem que enche a boca pra dizer que veio de baixo, mas nasceu com o cu virado pra lua. O André foi um erro que eu prefiro esquecer, mas o desgraçado faz questão de me lembrar da existência dele todo santo dia.
Ficar perto daquele babaca nunca foi bom pra minha saúde mental. Ele adorava bancar o perfeito, o príncipe encantado, cheio de presentes caros: bolsas da Chanel, sapatos da Louboutin, jóias que ele escolhia como se estivesse comprando um carro de luxo. E no começo, eu confesso, foi até interessante. Que mulher não gosta de se sentir mimada? Mas com o tempo, os presentes começaram a ter preço. Um preço que eu não tava disposta a pagar.
— Você vai usar esse vestido? Tá curto demais. — ele reclamava, sempre com aquele ar de superioridade.
— Vou sim. Se você não gosta, problema é teu, não meu. — retrucava, já cheia daquilo.
O ápice foi quando ele começou a querer controlar até os meus horários no trabalho. Ele simplesmente não aceitava que eu tivesse mais coisa pra fazer além de me preocupar com ele. Uma vez, chegou a aparecer de surpresa na loja.
— Que p***a você tá fazendo aqui, André? — perguntei, enquanto ele desfilava pelo meu escritório como se fosse o dono do lugar.
— Só vim te ver. Não posso? — respondeu, cínico.
O cara tinha a audácia de me questionar quando eu ficava até tarde resolvendo os problemas das minhas lojas. Como se meu corre fosse menos importante que os jantares bregas que ele gostava de marcar em restaurantes caríssimos só pra mostrar que podia pagar. Eu terminei na hora. Não sou mulher de ser controlada, muito menos por um babaca que acha que o mundo gira em torno dele.
O problema? O miserável não aceitou. E teve o cúmulo da ousadia de me pedir os presentes de volta. Isso mesmo, pediu TUDO de volta. Que tipo de homem faz isso?
— Sério isso, André? — eu perguntei, incrédula.
— Sério, sim. Se você não me quer, também não precisa ficar com as coisas que te dei. — respondeu, com a cara mais lavada do mundo.
— Beleza. Espera sentado, então. Vou te devolver TUDO. — falei, antes de desligar o telefone com a raiva subindo pela garganta.
Eu queria mesmo era ter vendido aquelas porras todas e doado o dinheiro. Mas, pra acabar com o papo, fiz questão de mandar tudo de volta na portaria do prédio dele. Cada bolsa, cada sapato, até as joias. Enfiei numa caixa e escrevi na tampa: "Toma, seu filho da puta." Ele merecia.
Ainda assim, o desgraçado continua me perturbando, como se fosse um fantasma que não sabe a hora de sumir.. Eu vou me arrumar pra ir trabalhar que eu ganho muito mais.