21. Lívia

1435 Words
Lívia Narrando Cheguei em casa depois de um dia exausto. Passei em todas as minhas lojas pra garantir que as coisas tão nos trinques antes do final de ano. Eu tava pilhada com a ideia da festa na lancha e, ao mesmo tempo, querendo que as vendas continuassem bombando. A noite tinha um clima gostoso, a cobertura iluminada, o som distante das ondas e um cheirinho delicioso vindo da cozinha. O chef que meu pai contratou já tava preparando algo chique, como sempre. — Cheguei, pai! — anunciei, largando a bolsa na poltrona do hall de entrada e seguindo direto pra sala de jantar. Ele tava sentado à mesa, analisando uns papéis com a cara concentrada. Quando me viu, abriu um sorriso. — Lívia! Finalmente. Achei que ia dormir sem te ver hoje. — Que isso, pai? Jamais. — me aproximei, dando um beijo no rosto dele antes de sentar. — O chef fez o quê hoje? Esse cheiro tá bom pra c*****o. Ele revirou os olhos, rindo do meu palavrão. — Lívia, modera essa boca, por favor — brincou, apontando pro meu prato vazio. — Hoje tem risoto de cogumelos trufados com filé mignon. Satisfeita? — p***a, filé mignon e trufas? Tu não brinca em serviço, hein? — ergui a sobrancelha, satisfeita. Ele apenas deu um sorrisinho convencido, chamando o chef com um gesto pra começar a servir. Sentamos, as velas acesas, a mesa arrumada do jeito mais sofisticado possível. Linho no guardanapo, taça de cristal. Aquilo era a minha vida desde sempre, mas não vou mentir: eu amo essa parte. Enquanto o chef servia, senti meu pai me observar. Ele tava diferente, parecia mais leve. — Tudo certo nas lojas, filha? — ele perguntou, enquanto erguia a taça de vinho, analisando a cor antes de dar um gole. — Tudo certo, pai. Vendas ótimas, as meninas animadas. — dei um sorriso maroto. — Aliás, tô organizando uma festa de final de ano pra gente comemorar. Vai ser na lancha que aluguei. Ele quase engasgou com o vinho, rindo. — Lancha? Lívia, você não existe mesmo. Festa na lancha pras vendedoras? — Ah, pai, elas merecem. Trabalham duro o ano inteiro, a gente bate meta todo mês, por que não dar um agrado digno? — dei de ombros. — A galera é humilde, mas adora viver o momento. Vai ser divertido demais. Ele soltou um suspiro satisfeito. — Fico feliz de te ver assim. Empolgada com a equipe, valorizando quem tá contigo. Você já é uma empresária forte, mas com essa sensibilidade, vai mais longe ainda. E sempre se lembre, que quem levanta a loja são os funcionários. Eles que estão ali todos os dias — Valeu, pai. — sorri, cortando um pedaço do filé. — E você, alguma novidade? Tem essa cara de quem tá com coisa pra contar. Ele deu um riso contido, como se estivesse pensando em como falar. — Bom... já que perguntou, sim. Conheci uma pessoa. Meu garfo parou no meio do caminho. — Que pessoa, pai? O senhor tá namorando e não me contou? — Calma, Lívia, não é namoro. Só tô conhecendo. Ela trabalha na minha empresa. Simples, esforçada, não é dessa gente que só quer luxo. Tem um papo muito interessante. Ergui a sobrancelha, curiosa. — Da empresa? Tá falando de alguém do escritório? Quem é essa mulher, pai? Ele deu um sorrisinho, apoiando o cotovelo na mesa e inclinando o corpo levemente. — Não vou dizer o nome ainda. Mas posso dizer que gostei do papo dela. Não fica só falando de ostentação, de gastar dinheiro com bobagens. Ela falou de futuro, de conquistas pessoais, de ajudar a família... me chamou atenção. — Hum... — bebi um gole do vinho, estudando a expressão dele. Meu pai não é de se impressionar fácil. — Então a mulher é simples? — Simples, mas não simplória. Ela tem conteúdo. Pra você ter ideia, convidei ela pra almoçar num restaurante caro, chique, mas sabe o que ela sugeriu? — Ele deu uma risada gostosa, lembrando da cena. — Ela perguntou se a gente podia almoçar na praça de alimentação do shopping, no “Boteco do Manolo”, porque lá tem música ao vivo às vezes, uns petiscos, chopp gelado. Acredita nisso, Lívia? Cai na gargalhada. Minha visão do meu pai indo pra Boteco do Manolo era impagável. — Tá de s*******m! O senhor no Boteco do Manolo? Sério? E como foi? Ele ergueu a mão, ainda rindo. — Não fui ainda. Mas vou. Por que não? Achei engraçado. Enquanto muita gente tenta me impressionar com nomes de restaurantes caros, ela me convidou pra um lugar comum, alegre, onde o povo se diverte de verdade. Isso é diferente. — Isso é bem diferente mesmo. — concordei, ainda rindo, mas um pouco admirada. — Pai, você merece gente assim perto. Alguém que não liga se você é o dono de meio mundo, mas sim pelo papo que rola. Ele deu mais um gole no vinho, satisfeito. — Você entendeu perfeitamente. Depois de tanto tempo lidando com gente que só quer puxar saco, é refrescante encontrar alguém que é pé no chão. Sei que você também preza isso, não à toa tá fazendo festa pras suas vendedoras, né? — É, acho que aprendi isso com você, né pai? — pisquei, meio carinhosa. — Mas, calma lá, já tá pensando longe com essa mulher ou só conhecendo mesmo? — Só conhecendo. Não vou botar a carroça na frente dos bois. — Ele encolheu os ombros. — Mas tô achando bom. E não esperava me sentir assim, meio ansioso pra ver uma pessoa simples, sem esse brilho todo de joias e marcas, só o brilho dela mesma. Aquilo me deu um quentinho no coração. Meu pai, sempre acostumado com o topo, agora encantado por alguém normal. Era lindo de ver. — Pai, tô orgulhosa de você. Às vezes, quem a gente precisa tá lá no Boteco do Manolo, não no Fasano, né? Ele gargalhou alto, batendo a mão na mesa. — Isso mesmo. Quem diria que um dia iria ouvir isso de você, minha filha tão exigente? — Exigente? Eu? — coloquei a mão no peito, fingindo indignação. — Bom, nem tanto. Também tô querendo encontrar alguém que não seja só um rostinho bonito com grana. Mas isso é complicado. A maioria só quer falar de carrão, viajar pro exterior e comprar roupa de marca. — Calma, Lívia. A vida surpreende a gente nas horas mais estranhas. Você vai ver. Talvez nesse teu passeio de lancha apareça alguém interessante, vai saber. Dei um sorrisinho de lado. Se ele soubesse o que tava por vir... lancha, equipe da loja, possivelmente uns amigos da Letícia, quem sabe até algum convidado esquisito. — É, vai saber. Vou ficar de olho. Quem sabe eu encontre um cara firmeza no meio dessa festa. — Isso mesmo. Aproveita o momento. — Ele levantou a taça, brindando comigo. — A gente tem que curtir quando a vida nos dá chance de conhecer gente de verdade. Brindamos e continuamos jantando, entre risadas e comentários sobre o ano que passou. Eu falava da festa, das meninas escolhendo biquíni, dos petiscos que ia servir, e meu pai ria, achando graça da minha empolgação. Ele me perguntava sobre a Lívia da loja, eu corrigia dizendo que a Lívia da qual falei era eu mesma, a dona da loja. A gente se entendia com as confusões de nomes e risadas. — É bom te ver assim, filha. — ele falou, no final do jantar. — Fazendo algo pelos outros e também acreditando que pode surgir gente boa por aí. Quem sabe você não se surpreende mais cedo do que imagina. — Tomara, pai. Tomara. — respondi, passando a mão na taça vazia, pensativa. A vida do meu pai parecia estar tomando um rumo diferente, abrindo espaço pra um tipo de gente que não tava no nosso círculo habitual. Isso me inspirava. Talvez eu também devesse ficar aberta a novas possibilidades. Talvez, na minha festa, no meio daquele povo todo, aparecesse um cara bacana, alguém fora da minha bolha. Enquanto o chef recolhia os pratos, me levantei e dei um beijo na testa do meu pai. — Boa noite, pai. Dorme bem. E vai lá conhecer a moça do Boteco do Manolo, quero saber todos os detalhes depois. Ele balançou a cabeça, rindo. — Pode deixar, filha. Boa noite pra você também. E prepara o coração pra essa festa na lancha, hein. Sinto que vai rolar altas emoções. Subi pro meu quarto pensando na última frase dele. Altas emoções. Ele nem sonhava o quanto estava certo.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD