Arcanjo narrando
Cheguei no pagode já avisando com o motor da moto roncando alto. Todo mundo sabia que era eu só pelo barulho. Era só a moto parar e o tempo fechava. Desci com o fuzil atravessado no peito, camisa preta colada no corpo, o cordão de ouro brilhando e o olhar já mapeando a roda. O Vidigal tava lotado, como sempre. Só mulher gostosa e a roda do pagode animando o coração do morro.
Andei devagar, olhando cada rosto, cada movimento. Não era paranoia, era sobrevivência. No jogo, se não anda ligeiro, dança feio. Quando avistei a Letícia, ela tava rindo com o Guga, aquele filho da p**a. Eu me aproximei deles e ele só me viu e ja soltou:
— E aí, Arcanjo! Tá na área né? Mas tu perdeu, hein? A riquinha amiga da Letícia, mas quando ela viu a tropa chegando ela vazou voada. Correu mais que ladrão no Leblon!
Ele e a Letícia caíram na gargalhada, fazendo aquele estardalhaço que só eles sabiam fazer. Fingi que não me importei, mas fiquei com aquilo na cabeça. Qual era dessa riquinha? A Letícia nunca traz gente assim pro nosso lado, porque sabe que não combina.
— p***a, Leticia Tá de s*******m, né? — respondi, entrando na resenha. — Deixa a riquinha viver no mundinho dela. Essa ladeira aqui não é pra qualquer um, irmão.
— Relaxa, Arcanjo. A Lívia é super de boa, ela só não é acostumada com isso, o mundo dela é outro. — Letícia comentou, sorrindo. — Ela não tá pronta pra esse mundo, não.
Dei de ombros, peguei uma longneck de cerveja no balde da mesa deles. Tinha coisa mais importante pra cuidar, tipo aproveitar o pagode. Por que aqui no morro, o unico lazer de vagabundo é baile e os pagodes que rolam aqui. Passei pela roda, cumprimentando a rapaziada, trocando ideia com os parceiros, até encontrar uma mesa livre. Pedi uma garrafa de vodka e umas latas de rebdull porque hoje a noite ia ser longa.
A música tava comendo solta. A galera do pagode mandava ver, com as mãos batendo nas mesas de plástico e o coro cantando alto. As meninas dançavam como se isso aqui fosse campeonato de quem dança mais, rodopiando os vestidos curtos, e os caras encostados, analisando a movimentação. Meu mundo, minha zona.
No meio do pagode, avistei a Kelly, uma das meninas que sempre dava ideia em mim. Ela tava com um vestido vermelho colado no corpo, sorriso provocante e os cabelos soltos balançando no ritmo da música. Não resisti.
— Que isso em bêbê, tá de maldade hoje, né? — chamei, com aquele tom de quem já sabia a resposta.
— Sempre, Arcanjo. Cê sabe que eu só fico de boa quando cê tá por perto — ela respondeu, passando a mão no cabelo e me olhando de um jeito que só ela sabia fazer.
— Então chega mais, porque hoje eu tô animado.
Ela sentou do meu lado, colou no meu ombro e já puxou um copo e foi fazendo um copão de vodka, sem cerimônia. Gosto de mulher assim, que não pede permissão. A gente foi trocando ideia enquanto a festa fervia ao nosso redor.
De repente, Guga apareceu de novo, já meio alto. Ele nunca sabia a hora de parar, já cansei de falar essa p***a com ele.
— Arcanjo, bora subir pra lá depois, tô com uns esquemas bons pra gente desenrolar. Vai rolar um fluxo semana que vem, o patrão avisou ai
— Guga, meu parceiro, esquema comigo não é conversa de pagode. Tu sabe que eu não misturo lazer com trabalho. Vai no sapatinho que amanhã a gente troca essa ideia.
Ele riu, deu uns tapas no meu ombro e saiu, indo encher o copo de novo. A Kelly olhou pra ele e soltou:
— E a gente? Vamos dormir onde hoje?
— Na tua casa, mais tarde
Ela sorriu, e a gente continuou no clima. Os moleques do bonde passavam de vez em quando, me cumprimentando com respeito, trazendo notícias do movimento. Tudo tranquilo, sem novidades. No final das contas, era isso que eu gostava. Uma noite sem tiro, sem treta, só música e diversão.
A madrugada avançava, e a roda do pagode só ficava mais cheia. Peguei Kelly pela mão e levei ela pro canto, longe do barulho, onde a gente podia ficar mais à vontade. Ela me puxou pela camisa, olhando nos meus olhos.
— Sabe o que eu gosto em você, Arcanjo?
— Fala aí, tô curioso.
— Você tem aquele jeito de quem manda em tudo, mas sabe fazer a gente se sentir única.
Sorri de canto, puxando ela pra mais perto.
— É mesmo?
Ela riu, e eu beijei ela ali mesmo. Eu alisei o corpo dela inteiro, apertava a b***a dela com vontade a gente se perdeu no momento. O cheiro de cerveja misturado com o perfume dela, o calor da noite e a adrenalina do morro... Tudo fazia parte do jogo.
Quando voltei pra mesa, os caras já tavam soltando piada.
— Aí, Arcanjo, a Kelly te deixou sem fôlego, hein? — gritou um deles, levantando a garrafa de cachaça.
— Cala a boca, Zé! Tu queria tá no meu lugar, né? — devolvi, entrando na zoeira.
A noite seguiu nesse ritmo, com risadas, música e resenhas intermináveis.
O Vidigal, com todas as suas luzes piscando e o som ecoando pelas vielas, era o meu mundo. E, por mais que eu soubesse que cada risada podia ser a última, cada gole podia ser fatal, eu vivia cada momento como se fosse o único.
Porque no final das contas, no jogo do morro, só vive quem se arrisca. E eu tava mais vivo do que nunca.