Renê Narrando
O sol tava nascendo por trás das vielas do Vidigal, e eu, sentado na varanda da minha cobertura, tragava meu charuto cubano enquanto olhava pro morro que era meu reino. Cinquenta e poucos anos na cara, e ainda mandava nessa p***a toda como se fosse moleque. Não foi sorte, não, foi sangue, suor e muito corre. Ninguém me deu nada de graça. Eu conquistei essa p***a no tapa, na bala e na estratégia.
Lembro como se fosse ontem quando cheguei aqui. Era um zé-ninguém, vendendo bagulho em sacolinha, mas sempre de olho no topo. Sabia que o bagulho ia virar se eu jogasse certo, e joguei. Fui passando por cima de um por um, mas sem vacilar com os aliados. Jogo sujo? Só se fosse contra quem merecia. Comigo era lealdade acima de tudo.
Olhando agora, com meu cordão de ouro pesando no pescoço e a Rolex brilhando no pulso, até parece fácil. Mas, mano, foi um corre do c*****o. Até minha mulher, Dona Solange, que sempre foi linha dura, sabia que eu não era qualquer um. Casamos quando eu tava começando, e ela segurou muita bronca. Hoje, ela é a primeira-dama, mas, cá entre nós, minha vida não se resume a ela.
Eu sempre fui bom de papo, e as novinhas adoram. Dou camarote pras mina, p**o silicone, encho elas de mimo. Já levei umas pra Europa, Dubai, Cancun. Mulher gosta de ostentação, e eu gosto de ver elas felizes. Mas não se engane, não. Solange sabe de tudo. Ela não é burra, só prefere fingir que acredita nas desculpas. Quem sempre me salvou dessas tretas foi o Arcanjo.
– Pô, Renê, tu vai meter essa de novo? – ele dizia, rindo, quando eu jogava a culpa em cima dele. – Tua mulher já deve tá sabendo que sou eu quem tá cobrindo teu r**o, mano!
Arcanjo, meu moleque. Desde que vi aquele pivete pela primeira vez, sabia que ele tinha estrela. Moleque esperto, ligeiro, daqueles que aprende só de olhar. Pegava visão de tudo. Ainda era menor quando começou a colar comigo. Ficava no cantinho, só ouvindo, não falava nada. Mas quando abria a boca, era pra soltar uma ideia que fazia a gente pensar. Ele sempre foi do tipo que não larga o osso por nada, se ele bota na cabeça aquilo ali, ninguém tira meu parceiro, ninguém.
– Esse moleque vai longe – falei pro Mingau, que era meu braço direito na época. – Ele tem futuro no bagulho.
E tinha mesmo. Passei o tempo moldando ele, ensinando como o jogo funcionava. Arcanjo aprendeu rápido. Sabia conversar com todo mundo, da tia do boteco até o chefe da boca rival. E o principal: sabia me proteger. Foi ele quem me livrou da maior treta com Solange.
Era uma tarde quente, e Solange apareceu na boca com o celular na mão.
– Que p***a é essa, Renê? Quem é essa p*****a? – ela gritou, jogando o aparelho em cima da mesa.
Puta que pariu! Eu esqueci meu outro celular em casa, como que eu dei esse mole? A foto era comprometedora. A novinha, minha namoradinha me mandando uma foto que tinha acabado de pagar uma viagem pra Cancun pra ela. Fiquei sem reação, mas Arcanjo tava lá e não pensou duas vezes.
– Dona Solange, calma aí – ele disse, se colocando na frente dela. – Essa mina aí tava comigo. O Renê não tem nada a ver com isso. É que esse celular ai é da boca, então a gente da todos os contatos. Desculpa
Solange olhou pra ele, depois pra mim, e suspirou.
– Tá bom, Arcanjo. Mas vê se não mete meu marido nas tuas confusões, tá?
Foi nesse dia que percebi: Arcanjo era mais que um aliado. Ele era o filho que eu nunca tive.
– Renê, tu confia demais nesse moleque – Mingau reclamava, ciumento.
– Confio, p***a – eu respondia. – O Arcanjo tem mais lealdade que muito marmanjo por aí. E ele é esperto. Não mete os pés pelas mãos.
E foi por isso que, quando decidi que não dava mais pra ficar na linha de frente, botei ele pra comandar. Hoje, o moleque segura o Vidigal pra mim. Ele cuida de tudo: boca, armas, grana. Eu só fico no topo, curtindo o que conquistei.
Minha vida agora é luxo. Cobertura na Barra, carrão importado, festa todo final de semana. Só não saí do morro porque aqui é meu lugar. Não troco isso por nada.
Ontem mesmo, tava no meu camarote no baile, cercado de mina, com uma garrafa de whisky de vinte mil na mão, pensando em como a vida mudou. De pivete que não tinha nem chinelo, virei o dono do Vidigal. A galera me respeita. Sou tipo um rei.
– Tá pensativo, Renê? – uma das novinhas perguntou, sentando no meu colo.
– Só lembrando de onde eu vim, gata – respondi, dando um gole no whisky. – Essa p***a aqui não caiu no meu colo, não. Foi um corre do c*****o.
Ela riu, sem entender muito bem, mas também não precisava. O importante era que tava ali comigo, aproveitando.
Arcanjo chegou mais tarde no baile, daquele jeito dele, tranquilo, mas com presença. Ele é f**a. Toda vez que aparece, parece que o lugar para. As mina olham, os cara respeitam.
– Fala, meu velho! – ele cumprimentou, me dando um abraço.
– Fala tu, moleque! Tá mandando bem?
– Sempre, né? – ele respondeu, rindo.
Enquanto a gente trocava ideia, olhei pra ele e pensei no quanto tava orgulhoso. O moleque virou homem, e um homem f**a. Se um dia eu cair, sei que o Vidigal tá em boas mãos.
– Tá ligado que tu é tipo um filho pra mim, né, Arcanjo? – soltei, meio do nada.
Ele ficou sem graça, mas deu um sorriso.
– Sei, Renê. E cê é tipo um pai pra mim também.
A gente não precisa falar muito pra se entender. A conexão tá ali, na lealdade, no respeito, no corre que a gente fez junto.
A noite continuou, o baile ficou ainda mais pesado, mas eu fiquei na minha, observando. Minha vida é um filme, e eu sou o protagonista. E sabe de uma coisa? Não mudaria nada. Se fosse pra começar tudo de novo, faria igualzinho. Porque, no fim, o que importa é isso aqui: poder, respeito e liberdade.
E, enquanto eu estiver vivo, o Vidigal vai continuar sendo meu.