Lara
Eu quase não dormi, e assim que o dia nasceu, eu me troquei, arrumei o cabelo no coque habitual e desci para tomar café. A Teresa estava na cozinha, organizando tudo e assim que me viu sorriu tímida. Ela prometeu ir me ver quando eu voltasse do baile, mas não apareceu. Isso me fez pensar o quão ocupado ela manteve o meu pai.
- Como está princesa? - Ela era o mais perto do que eu tinha de figura materna e eu a amava de todo o meu coração. Ela me ensinou muito do que eu sei, e o pouco que eu vivi foi com a ajuda dela.
- Com sono. - Ela me deu uma piscada.
- Insônia? - A forma que ela pronunciou a palavra sugeria que ela estava perguntando outra coisa, se eu tinha me divertido. Como eu contaria para ela o que aconteceu?
- Um pouco. - A minha resposta claramente não era a que eu esperava, mas eu dei de ombro. Eu teria um tempo até contar, logo os homens viriam tomar café e seria arriscado demais falar sobre a noite passada aqui. Mais tarde, quando fossemos arrumar o jardim, eu contaria a ela.
Ficamos em silêncio enquanto eu montava a mesa e ajudava ela com os bacons. E logo estávamos com tudo pronto para o café. O meu avô foi o primeiro a descer.
- Olá. - Ele falou e eu respondi.
- Bom dia. - Eu fiz uma reverência e foi isso. O meu avô era um homem fiel às regras mais antigas da Corleone, que inclui a interação com as mulheres, nós, segundo a regra, só podíamos falar quando um homem falava conosco. Salvo apenas com nossos maridos ou pais em particular. Tirando esses casos, a mulher deveria guardar a sua voz e as suas ideias para outras mulheres e para si mesma.
Ele se sentou à mesa e a Teresa correu para servi-lo. Meu pai desceu em seguida. O meu pai era muito parecido com o meu avô em fisionomia e ideais, a diferença entre eles vinha apenas da cor dos olhos. O do meu pai eram azuis como os meus, enquanto o do meu avô era de um verde quase cinza.
- Bom dia filha, Teresa. - Nós duas fizemos uma reverência e eu pude ver o olhar do meu pai correr para o decote discreto dela. Eu devia uma para ela, com certeza.
Nos sentamos e comemos em silêncio por um tempo, até que o meu avô abordou, como todos os dias, o assunto de casamento com o meu pai.
- Junior, sábado terá um evento na cidade. - Ele cortou o bacon fazendo ruído. - Seria de bom tom você apresentar uma mulher ao seu lado. - Eu consegui ver quando o meu pai lutou para não revirar os olhos.
- Pai, falamos sobre isso todos os dias. - O velho era teimoso, mas o meu pai conseguia ser mais. - Eu não vou me casar de novo.
- E o legado Bellanova vai morrer com você! - O meu avô cuspiu as palavras.
- Assim como o legado Vitale morreu com a Julie e os pais. - A voz do meu pai embargava todas as vezes que a minha mãe era citada, em qualquer conversa.
Quando eu fiz um ano, uma guerra aconteceu entre duas facções mafiosas. A Vitale, a família da minha mãe, explodiu uma safra inteira de uvas dos Romanos. Meu pai jura que foram os próprios Romanos que causaram a explosão, para terem motivos para se vingar.
A história inteira é confusa, e até hoje eu sei apenas fragmentos, mas o resultado foi trágico.
Invadiram a casa dos meus avós paternos e mataram todas as pessoas, e naquela noite, a minha mãe estava comigo lá. Eu sobrevivi graças a Teresa, que ainda jovem, me embalou em um lençol e se escondeu embaixo da cama comigo. Entre familiares, funcionários e hóspedes, 18 pessoas foram assassinadas.
Marco Romano foi julgado pelo crime, mas foi punido apenas com 5 chibatadas, tendo recebido razão por parte do tribunal Corleone. Desde então, o meu pai me escondeu. Segundo ele, o Dom Romano pode vir atrás de mim, para finalizar a sua vingança. Durante as investigações eu fui dada como desaparecida pelo tribunal e por fim, eles concluíram, que eu morri também. Faz 22 anos.
- O legado Vitale morreu porque você insiste em não casar essa menina. - O meu avô rebateu, socando a mesa.
- Ela está morta para toda a Corleone. - Um arrepio subiu pelo meu corpo.
- Sem corpo, sem morte. Você pode pedir perdão de joelhos ao tribunal por esconder a sua filha, com o meu apoio, não deve sofrer represálias.
- Eu não vou colocar a Lara no mundo, para que um Romano qualquer a tome apenas para matá-la! - O meu pai levantou a voz. - Eu já perdi a mãe dela. - Benditos criadores da máfia, que inventaram essa regra de merd¢, onde a minha vida era discutida, e eu não podia participar.
A Teresa colocou um copo grande de chá gelado na minha frente, um sinal que dizia “estou aqui, você não está sozinha!”
Ela foi a mãe que eu nunca tive, mesmo não sendo a minha mãe. E eu gostava de acreditar que de onde a minha mãe estava ela aprovava a presença da Teresa. Tanto o que ela fazia por mim quanto pelo meu pai, mesmo que para ele fossem apenas favores carnais.
- Alessandro Belladona Junior, se você não providenciar um bom contrato de casamento para essa menina, eu farei isso. - O meu avô ficou de pé. - Ou vou mandá-la para o convento. A escolha é sua.
Senti os meus olhos arregalaram antes que eu pudesse controlar, e um súbito desespero tomou conta da minha existência. Convento? Não, não, não. Deus que me perdoe, mas eu preferia morrer nas mãos de um Romano.
- Se acostume com a ideia. - O meu pai ordenou, deixando claro que a escolha dele estava feita. Ele levantou e saiu, me deixando perplexa. Eu suspirei e a Teresa colocou a mão no meu ombro.
- Vou falar com ele. - Era exatamente o tipo de coisa que eu gostaria de ouvir da minha mãe.
- Ele não vai mudar de ideia. - Olhei para ela, sentindo os olhos arderem. - Eu preciso ir embora, Tete.
Ela suspirou, mas dessa vez, não discutiu. Eu já tinha dito aquilo em outros momentos, depois de uma punição ou humilhação, e ela sempre argumentou que eu deveria ficar. Só que dessa vez ela se calou, e consegui ver nos olhos dela que se eu quisesse fugir, ela não me impediria.