- Não vá ainda. - Assim que alcancei o mirante e avistei o carro da Teresa, eu ouvi ele me chamar.
Eu sentia o meu coração bater violentamente no peit0 e o meu rosto queimava. Eu estava sentindo correr nas minhas veias uma raiva quase primitiva e tudo o que eu queria era me afastar dali, me afastar dele.
- Desculpe. - A voz dele me encontrou de novo ao mesmo tempo que ele me segurou pelo braço.
Eu me virei com força, me desprendendo dele e encarei a expressão confusa dele.
- Desculpar pelo quê exatamente? Por dizer que vai me matar ou por não faze-lo? - Eu subi o tom com ele. - Ou por ter crescido tão mimado na sua posição de privilégio de macho e não conseguir pensar por um segundo que o que fizeram de mim não foi porque eu deixei, foi porque eu NUNCA conseguiria impedir! - A tensão nos meus músculos me fizeram fincar os pés no chão e as lágrimas correram pelo meu rosto violentamente.
- Eu deveria ter imaginado, fui ingênuo, desculpe! - O olhar dele se suavizou ao ver eu perder completamente a cabeça, como eu nunca fiz na vida.
Respirei fundo e tapei o rosto, sentindo a raiva ferver a minha pele, concentrada em acalmar as batidas do meu coração e tentando controlar a minha respiração, que estava longe de ser saudável.
Ele apoiou as mãos nos meus ombros, com calma. Dessa vez eu não lutei para me afastar, ao contrário. O calor que emanava das palmas dele foi como um bálsamo na loucura que acontecia dentro da minha cabeça.
E como um vulcão em erupção, tudo explodiu e eu virei um caos de lágrimas e soluços, de novo.
Em algum momento eu senti os braços dele envolta de mim, e enterrei o rosto no ombro dele, enquanto ele me mantinha de pé.
Em algum nível, por baixo daquele amontoado de dor e mágoa, eu me senti grata por ele me segurar naquele momento, caso contrário, era certo que eu desabaria no chão, de tão fracas que estavam as minhas pernas.
- Eu não imaginava… - Ele começou a falar e se calou. - Desculpe mesmo. - A culpa tingiu a voz dele e eu assenti, com o rosto enterrado contra ele, me deixando envolver pelo cheiro acolhedor dele.
Quando eu comecei a ter controle dos meus nervos eu me afastei, mas não pude ir longe, ele manteve os braços firmes ao meu redor. Levantei a cabeça e olhei para o rosto dele.
Os olhos pretos se destacavam dentro dos cílios longos, o nariz reto dava uma imagem quase metida a expressão dele, o queixo era forte e a boca dele, que eu sabia ser deliciosa, estava fechada em uma linha firme. Ele era lindo de muitas formas, e a expressão misteriosa dele tornava tudo mais intenso.
Ele secou uma lágrima minha, depois outra e eu estremeci ao toque no meu rosto.
- Você parece ter o dobro de sardas quando chora. - Ele constatou. - Fica ainda mais linda.
- Obriga-daa. - Eu solucei.
- Agora me conte, além de chibatadas e fingir estar morta, o que mais fizeram com você? - Ele achava pouco, era visível, mas também sabia que a minha angústia vinha de outros lugares, de coisas mais recentes.
- Não é nada com o que eu não possa conviver. - Eu me afastei mais, e dessa vez ele me soltou.
- Você estava considerando morrer. - Ele falou com firmeza. - Não é algo que você considere conviver. - Eu bufei pela percepção dele, porque eu realmente cogitei aceitar a morte de braços abertos ao invés de me entregar ao Stefano.
Eu estremeci com o pensamento e ele me envolveu nos braços de novo.
- Você é diferente do que me contaram. - Eu deixei escapar e ele levantou as sobrancelhas.
- Hum… E o que te contaram. - Eu terminei de secar as lágrimas.
- Honestamente? - Ele assentiu. - Que o demônio era um fofo perto de você. - Esperei ele rir, mas ele se manteve sério. - Que você já fez coisas terríveis e que nunca, ninguém, deixou de fazer o que você queria. - Foi a vez dele respirar fundo.
- De fato. - Ele afastou uma mecha de cabelo que estava dentro da minha jaqueta. - Eu costumo ser bastante intolerante.
- Não vejo isso. - Os olhos deles deslizaram pelo meu rosto, e pararam na minha boca. - Você foi bastante gentil comigo. - Ele parecia confuso, mas manteve o olhar fixo nos meus lábios, como se estivesse hipnotizado. A expressão dele me dizia que ele também estava tentando entender o que mudou, porque ele agiu assim comigo.
A pergunta que espreitava os meus pensamentos era uma só: Porque ele ainda não me matou?
- Você não me conhece. - Eu ouvi ele falar, me tirando dos meus pensamentos. Em seguida ele passou o dedo com cuidado, pelo meu lábio inferior e algo dentro de mim acordou, e eu voltei para a noite passada, enquanto imaginei a boca dele percorrendo o meu corpo. Senti o meu rosto queimar de novo.
Tentei lembrar o que estava falando, mas não consegui. A minha cabeça estava completamente concentrada no movimento do dedo dele, que estava contornando a minha boca com ternura. Ele apoiou a mão no meu rosto e eu ergui o olhar e nossos olhos se encontraram.
Havia ali uma linha que nos conectava de alguma forma, e a ânsia por entender mais aquilo me atingiu. Eu entendia a curiosidade dele em relação a mim, era a mesma coisa que eu sentia. E mesmo sabendo tudo o que ele representava e odiando intensamente isso, a ponto de ter raiva dele, a curiosidade era como um doce na ponta da minha língua, o tipo de doce que você quer saborear até o fim.
Dessa vez o movimento não me surpreendeu, tampouco foi menos intenso, quando ele abaixou a cabeça e encostou os lábios nos meus. Ele fez com a língua o mesmo movimento que tinha feito com o dedo, desenhando o caminho, memorizando o formato da minha boca.
E uma onda correu por mim, como uma brisa fresca em meio ao verão escaldante.
Eu abri a boca e ele não demorou para tomar para si os meus lábios, misturando os nossos gostos e respirações. O beijo foi diferente dessa vez, foi cuidadoso e calmo, como se ele estivesse me pedindo autorização para avançar.
Eu reproduzi o mesmo movimento que ele fez, prendendo com cuidado o lábio dele entre os dentes e recebendo de volta o movimento do corpo dele, grudando mais no meu. Eu envolvi ele pela cintura e ele manteve a mão no meu rosto, conduzindo os nossos movimentos.
O som ao nosso redor era composto pela queda d’água e das nossas respirações ofegantes. Eu sabia que se ele tentasse tirar mais alguma coisa de mim, além do beijo, eu estaria perdida. Estávamos em um lugar deserto e ele era muito mais forte que eu; e eu deveria temer por isso.
Mas não tive medo.
Naquele momento, eu me permiti sentir tudo o que ele estava me fazendo sentir. Pela primeira vez, em muito tempo, eu me sentia como dona das minhas escolhas. E eu escolhi beijar Victor Romano, o homem que eu naturalmente deveria odiar.