A morte seria bem-vinda

1158 Words
Lara Ele sabia quem eu era e o que eu representava. Era estranho que a coisa que eu mais temia durante toda a minha vida, agora que aconteceu, ser descoberta, não me assustava. Eu cresci ouvindo que se um Romano soubesse que existia uma herdeira viva da família Vitale a guerra recomeçaria, e que eu não sobreviveria a ela. E de alguma forma essa afirmação não me colocou em pânico imediato e nem me deu o impulso de fugir. Na verdade, eu acolhi essa opção como se ela tivesse consequências menores do que as demais. Casar com um velho nojento e ser forçada a fazer todo o tipo de coisa com ele? Ir para um convento e servir aos desejos de Deus, sem ter o mínimo de vocação? Ou morrer pelas mãos daquele que me odeia? Pensando assim, morrer realmente parecia o melhor. - Posso te pedir uma coisa? - Acho que a minha voz se perdeu, porque eu falei muito baixo. - Se eu puder ajudar… - Ele não parecia com o homem frio que era descrito pelas servas. Na verdade, associar as atitudes maldosas que ele tinha à imagem do homem que estava sentado ao meu lado, quase me fazia rir. - Quando me matar, faça de forma que doa pouco, por favor. - Eu forcei um sorriso, afinal, era um pedido minimamente honesto e eu senti orgulho de mim mesma. - Você não dá valor à sua própria vida? - Ele apertou os olhos, me encarando. - Não. - Admiti. - Uma vida como a minha não passa nenhum valor. - Ele abriu a boca, e eu interrompi, seja lá o que ele rebater. - Promete fazer rápido e sem dor? - Acho que ele ficou surpreso, porque ele riu. Uma risada leve que se tornou uma gargalhada forte. A vergonha tingiu a minha visão e eu considerei me jogar no lago. Ele precisou de um tempo para se recuperar, e eu mantive os olhos fixos nele. - Desculpe o meu descontrole. - Pisquei, sentindo a confusão. - Eu ainda não sei o que fazer com você, admito. - Ahhhhhhh. - Então o que ainda faz aqui, se não pretende me matar essa noite? - Ele assumiu uma expressão que eu ainda não tinha visto naquele lindo rosto. Uma máscara de frieza puxou toda a pele, tornando o rosto dele sem expressões. Ele endureceu a boca em uma linha fina e piscou lentamente. - Está aí uma pergunta que eu não consigo te responder. - Ele falou, por fim. - Curiosidade, talvez? Foi a minha vez de rir, mesmo que eu tenha rido mais timidamente. Ele sorriu para a minha reação. - Sabe qual foi o meu primeiro pensamento, quando vi você parado me olhando ontem? Na hora do quadro? - Os cílios dele se moveram para baixo, e percebi ele olhando para a minha boca. - No quanto eu sou viciante? - Neguei com a cabeça, e olhei para frente quando ficou insuportável olhar para ele. - Pensei sobre a forma que você me olhava… Como se eu fosse um quebra-cabeça a ser montado. - É assim que te olho? - Eu entortei a boca, e olhei para ele de novo. - Não o tempo todo, e de todo modo, nos vimos poucas vezes para que eu tenha uma opinião formada. O fato é que a sua curiosidade está me mantendo viva, pelo menos. - Eu pude assistir ele respirar fundo e depois olhar para cima, buscando uma resposta dos céus, talvez? - Não é só a minha curiosidade. - Ele falou. - Desde que desconfiei que você era você eu continuo pensando que podemos enfim acabar com a guerra entre as nossas famílias. - Eu mordi a minha bochecha por dentro, absorvendo as palavras dele. - Simples assim? - Consegui perguntar. - Simples assim. - Ele sorriu, o que fez os olhos dele brilharem mais. - As coisas não são tão simples assim, não sei que mundo você vive, mas com certeza não é o mesmo mundo que eu vivo. - O sorriso dele sumiu ao ouvir o meu tom. - E que tipo de mundo você vive? Essa era uma pergunta ampla demais para que eu pudesse responder com facilidade ou até com palavras. Me coloquei de pé e ele acompanhou o meu movimento. Tirei a jaqueta e virei de costas. - Calma, está mesmo tirando a roupa? - Ele falou rindo quando eu puxei a camiseta para cima. - Esse é o tipo de mundo que eu vivo, Victor! - E assim que eu mostrei para ele as minhas costas, ele parou de rir, e o ar pareceu congelar. - O que é isso? - A voz dele engrossou. - Lara? Abaixei a camiseta, escondendo as cicatrizes. O que eu responderia? Que todas as vezes que tentei tomar o controle da minha vida, desde da escolha do vestido que eu usaria, até usar meu nome verdadeiro na escola, ou ter amigos, eu era punida? Vesti o casaco enquanto ele ainda me olhava petrificado. Ele não estava com pena de mim, o olhar dele mostrava outra coisa. Ele estava com raiva. Parei de frente para ele e respirei fundo, antes de falar. - Eu vivo em mundo que eu apanho a ponto de marcar a minha pele se eu fizer qualquer coisa que o meu pai ou meu avô não aprovem. - Ele abriu a boca, mas não disse nada. - Imagine o que podem fazer comigo caso eu tenha a brilhante ideia de me aliar com a família que assassinou a minha mãe? - O meu pai também morreu! - Eu vi os olhos dele perderem o brilho. Eu conhecia aquela dor, eu sabia exatamente o tipo de estrago que esse tipo de perda fazia com a gente. - Eu sinto muito por isso. - E eu realmente sentia. - E não quero disputar com você quem é o mais coitadinho. - Ele ficou de pé e eu sustentei o olhar dele. - Você foi açoitada, obviamente você é a mais coitadinha! - O nojo nas palavras dele me magoou mais do que eu queria admitir. - Porque permitiu isso? A pergunta de um homem, que foi favorecido a vida inteira pela máfia. Que sempre foi condicionado a assumir um posto de poder e fazer a sua vontade valer nos 4 cantos do mundo. - Sugiro que você pergunte para alguma mulher próxima a você, caso você nem imagine porque eu deixei isso acontecer comigo. - Ele deu um passo para trás com as minhas palavras. - E como você não pretende mesmo me matar essa noite, eu vou para casa! - Dei as costas para ele e caminhei com força em direção ao carro, sentindo todo o desespero que eu senti nos minutos anteriores virar raiva, forte e potente. Odiar um Romano estava no meu DNA, e finalmente o ódio despontou. Era claro que isso não ia demorar para acontecer.
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