- Ela é completamente pura. - O meu avô falou animado, enquanto terminamos o jantar. - Homem nenhum nunca encostou mais que dez segundos na pele dela. - A forma que ele estava falando de mim, na minha presença, fazia com que eu me sentisse o maior lixo do mundo.
- Vejo que ela é versada em todos os nossos costumes. - Eu não abri a boca, o homem não tinha ouvido a minha voz ainda, e se dependesse de mim, não ouviria.
- Ela sabe se portar, tem familiaridade com punições e cuida de uma casa com a mesma eficiência de uma governanta. - O Stefano sorriu para mim e eu respirei fundo pela 34ª vez.
- E quando quer resolver o contrato? - O meu avô sorriu.
- Podemos definir os termos agora mesmo, depois do jantar. No sábado, assinamos e celebraremos o casamento no domingo. - 7 dias era o prazo que o meu avô precisava para mudar a minha vida para sempre. - Você pode mudar no próprio sábado, ou se preferir no domingo.
- Ficaremos aqui então? - Ele perguntou, me olhando com cobiça de novo.
- Prefere outro lugar? - Bebi um longo gole de água.
- Pelo menos nas núpcias, a menina merece privacidade. - O meu avô gargalhou alto, antes de concordar.
- Podem usar o Campo, que fica a poucos quilômetros daqui, use pelo tempo que precisar. - O meu avô virou na minha direção, e se dirigiu a mim pela primeira vez, desde que aquela palhaçada começou. Ele apontou o dedo, fechou a expressão e disse com seriedade:
- E você trate de voltar com um bisneto homem para mim, na minha barriga! - E ali estava, o meu maior limite. O copo transbordou e eu estava a segundos de cair no choro.
- Dom, desculpe. - A Teresa surgiu. - Devo servir o café aqui ou no escritório? - Felizmente o meu avô não se sentiu desrespeitado, e respondeu animado.
- Nos sirva no escritório, e traga um bourbon também, Teresa. Devemos brindar! - Os dois levantaram e caminharam lado a lado, conversando sobre o melhor Whisky, enquanto eu ficava ali, vendo a minha vida desmoronar, sem poder fazer nada.
- Vá dar uma volta. Você precisa de ar, princesa! - A Teresa falou baixinho, ao passar por mim. - O meu carro está no mesmo lugar. - Eu não esperei ela insistir, eu quase corri para o quarto.
Arranquei o vestido do meu corpo e vesti roupas quentes e confortáveis.
Eu sabia exatamente para onde eu iria.
Desci com a bota nas mãos, um passo depois do outro, em direção a cozinha. A Teresa fingiu não me ver quando eu passei por ela, e corri para a garagem.
Eu só me permiti chorar quando entrei na avenida Beira Rio, que circundava todo o rio San Leonardo. E não foi um choro comum. Foi intenso, doloroso e definitivo. Eu não chorei assim nem mesmo quando o meu pai vendeu o Monet. Nem mesmo depois das inúmeras punições que eu sofri.
Aquele jantar me deixou enojada em um nível sufocante.
Depois que parei na parte terrosa eu ainda fiquei um tempo dentro do carro, tentando controlar a minha respiração e os meus nervos, mas não consegui parar de chorar. Subi a touca da blusa e desci para a noite fria.
Caminhei para dentro do terreno, me acostumando com o som da água que caía bem perto. A luz da lua estava forte, o que me assegurou uma caminhada tranquila, em meio às lágrimas. E assim que me deparei com a cachoeira, finalmente senti que poderia respirar de novo.
A vista era de tirar o fôlego. O lugar parecia mágico e era impossível não pensar na lenda daquela queda.
‘Um casal de amantes viviam um amor proibido. Depois que eles foram descobertos eles fugiram para as margens do rio San Leonardo e contra tudo e todos decidiram que ficariam juntos. Alguns diziam que eles se amaram nas margens do rio até a vida se esvair dos corpos deles, outros dizem que eles se mataram… Eu sempre preferi acreditar na primeira versão.
O resultado desse sacrifício foi a Cascata delle Due Rocche, que na minha opinião é o lugar mais lindo de toda a Corleone.’
E a queda dividida, com duas saídas simbolizava, como a lenda dizia, uma queda para cada coração apaixonado.
Eu era cética o suficiente para saber que aquela lenda não era mais do que isso, uma lenda.
Mas, vendo o cenário completo, depois daquela noite insuportável, a água brilhando com o reflexo da lua, eu quis que fosse verdade. Eu quase acreditei que aquilo fosse verdade. Que um amor assim era possível.
Mas, não para mim. Nunca para mim.
Sentei em uma das pedras e deixei as emoções fluírem pelos meus olhos, tentando desesperadamente aliviar toda aquela dor. Pode ter passado 10 minutos ou uma hora, mas eu ainda sentia que estava sufocando, e a necessidade de diminuir essa angústia me fez ter uma ideia.
Eu sabia nadar, e a água deveria estar intensamente fria. Isso me faria esquecer das dores emocionais que eu sentiria. Não demorei para me mover, tirando primeiro o casaco e as botas em seguida.
- O que você pensa que vai fazer? - O meu corpo entrou em estado de alerta ao ouvir aquela voz. - Eu ficaria decepcionado em te ver nua, pouco antes de te ver morta.