Acusação

1037 Words
Lara De todas as formas que eu imaginei como a minha vida acabaria, essa era a mais convidativa. Ele estava aqui; um monstro invadindo a minha privacidade e jogando a minha segurança pela janela, literalmente. Trancar a porta foi mais um ato de covardia do que de inteligência. Se ele ia me matar, então que ele tivesse tempo de fugir. Eu nem queria pensar se alguém o flagrasse aqui e eu ainda estivesse viva. - Se não veio me matar… - Tirei o que restou de bom senso do fundo do meu ser, e por fim, consegui perguntar. - Então, o que está fazendo aqui Victor? O sorriso dele vacilou por meio segundo, antes que ele respirasse fundo. - Você está noiva? - Eu senti o choque cortar o meu rosto e a minha pele queimar. - De todas as perguntas do mundo, essa era a última que eu esperava ouvir. - Admiti. - E a única que me importa. - Ele deu um passo na minha direção. - Não sei se lembra, mas estamos bastante íntimos. - Aquilo foi um momento de insanidade. - E mesmo que o meu instinto mandasse eu recuar, quando ele deu mais um passo, eu continuei congelada no lugar. - Eu adoro insanidades, e você tem sido o motivo de todas as minhas. - Senti algo tremer dentro de mim ouvindo aquilo. - Então você vai mesmo casar? - Eu respirei fundo. Eu não tinha razões para negar. - É algum acordo do meu avô. O meu único papel é estar na igreja sabado. - Os olhos dele brilharam, com estranheza. - Sábado agora? - Eu assenti. - A quanto tempo você está noiva? - Ele perguntou, de certo tentando fechar a conta. - O suficiente. - Eu consegui me mover, quando me dei conta que ele estava perto demais. - E o seu noivo… - Ele parecia lutar com as palavras, acompanhando os meus movimentos pelo quarto, enquanto eu sentava na poltrona de frente com a lareira. - Você o ama? - Eu deixei uma risada seca escapar. - Eu o odeio com todas as minhas forças. Tenho nojo, raiva e muitos outros sentimentos insuportavelmente horrendos para uma mulher sentir. - Eu evitava pensar como o casamento seria consumado, evitada pensar naquele velho me tocando e se deleitando com o meu corpo. - Então porque firmou um acordo de casamento? - Outra risada descontrolada saiu da minha garganta. - Eu não firmei nada. Não sei se você sabe, mas eu não sou dona da minha vida. Era isso ou um convento. - Eu senti a raiva borbulhar pelo meu corpo. - Você acha mesmo que eu escolheria algo assim? - As minhas palavras foram tingidas de sarcasmo. - Do seu castelo de poder você não consegue mesmo ver que uma princesa da máfia não tem nenhuma escolha própria? Não passamos dessa fase, Victor? - Se o seu plano for levantar a sua família, por que não? - Ele questionou, como se não tivesse ouvido uma única palavra que eu falei. Eu só processei a minha reação quando ela estava feita. Eu atirei o livro nele com toda a força que eu consegui, e ele segurou no ar antes que o atingisse em cheio na cara. - Eu não me importo com esse tipo de coisa. Eu sou apenas uma marionete nas mãos dos homens, de todos vocês. - Eu parei de controlar o tom da minha voz. - Você veio até aqui para me acusar de algo? Acuse e me mate, Deus sabe que é exatamente isso que eu preciso, me ver de livre de cada homem de merd4 que me rodeia! - Eu me arrependi das palavras no momento que elas saíram da minha boca. O homem parado no meu quarto, me encarando incrédulo demais para reagir, não era um homem que ouviria as minhas súplicas e me daria o que eu precisava. Não. Ele veio até aqui apenas para ouvir de mim a confirmação das suspeitas que ele já tinha. Que eu ia casar para reerguer o nome da minha família, e desafiá-lo, talvez até buscar vingança, que é o que eu deveria realmente fazer. Ele não veio ouvir a minha parte da história e acreditar nela. Ele veio apenas ter um motivo real para atacar a minha família. Ele não era diferente do meu avô, do Stefano ou até do meu pai. Ele era pior. Por baixo dos carinhos e olhos cheios de boas intenções, tinha um lobo, faminto e pronto para atacar. - A sua falta de respeito com a sua própria vida me assusta. E poucas coisas me assustam! - Ele colocou o livro em cima da minha cama e deu um passo na minha direção, possivelmente processando o meu ataque de raiva. - O que fizeram com você, para que a sua preferência seja a morte? Eu fugi completamente da sensação de repulsa que correu pela minha pele ao lembrar do meu avô me examinando. Depois me batendo, para depois me trancar no quarto até o casamento. Eu não consegui nem pedir ajuda ao meu pai. Segundo a Teresa, ele não teve muita escolha, senão ceder a ordem do meu avô. - Não importa o que fizeram comigo. Isso não te diz respeito. - Eu retruquei e percebi a luta interna que ele travava, entre se aproximar mais ou não. - Vá embora, é o melhor que faz, já que não vai me matar. - Eu forcei os braços contra o meu corpo, como tantas vezes eu fiz, quando queria sentir a sensação de proteção que tanto me faltava na vida, e fechei os olhos com força, para conseguir respirar. Eu o senti perto antes de ele me tocar. A mão dele afastou o meu cabelo do rosto, vendo o hematoma que estava amarelado a essa altura. Eu pude ouvir ele trincando os dentes, ao colocar o meu cabelo atrás da orelha. O dedo dele circulou a parte dolorida e eu senti o meu corpo flutuar por um segundo, absorvendo o calor da pele dele na minha. O dedo áspero criando um atrito reconfortante na minha pele sensível. E então acabou. Ele se foi, e levou com ele a minha chance de fugir daquilo.
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