Lara
- Princesa? - A voz da Teresa me tirou da profundidade do meu sono, e eu levei um momento para abrir os olhos. O meu corpo formigava por completo, e eu sabia que ela tinha me medicado até aliviar o máximo possível das minhas dores. - Como se sente? - Olhei para ela, enquanto ela tentava sorrir com compaixão para mim, sem sucesso.
- Péssima. - Eu falei, a minha voz nada mais que um sussurro. - Vou sobreviver. - Constatei e ela me ajudou a sentar na cama.
- Ele não quebrou nada dessa vez. - Eu me encolhi com a lembrança da dor nas costelas da vez que eu sai para nadar. - Alguns hematomas que devem sumir em dois ou três dias.
- Antes do casamento. - Ela sentou ao meu lado na cama e segurou a minha mão. - O meu pai já voltou? - Ela negou com a cabeça.
- Deve chegar amanhã, mas…
- Ele não vai impedir o casamento. - Ela suspirou, o olhar, agora sim, cheio de compaixão.
- Ele não iria contra a decisão do seu avô. - Apertei os lábios com força e senti uma dor repuxar a minha bochecha. Apoiei a mão ali. - Tem um corte leve. - Ela explicou. - não deve deixar cicatriz.
- Espero que deixe. - Ela afastou o meu cabelo do rosto e sorriu com tristeza.
- Ele sabe bater para marcar, como sabe bater sem deixar cicatrizes. - Eu fechei os olhos e respirei fundo. - Eu sinto muito por isso. Por tudo isso.
- Não sinta.
- Eu sugeri que você fosse dar uma volta, eu deveria imaginar… - Eu apertei a mão dela, atraindo o seu olhar para mim.
- Eu fui longe, eu que errei. Eu deveria ter me dado conta que ele sentiria a minha falta. - Ela respirou fundo, tentando controlar as lágrimas. - De todas as punições, essa, eu mereci. - Ela negou com a cabeça.
- Não importa o que você faça, não merece isso. - Ela falou baixo, e nós duas sabemos que era melhor assim. - Ele me fez te examinar de novo, e acredite em mim, que eu sei que é a situação mais devastadora que existe para nós, mulheres. - Ela era uma governanta que servia a cama do filho do Dom, antes disso ela deve ter se sujeitado a coisas piores. No fim a Teresa tinha um pouco de sorte de estar ali, ela estava segura, pelo o menos o quanto se podia estar, naquela casa.
- Ontem o resultado do exame poderia ter sido outro. - Eu admiti e ela arregalou os olhos. - O que teria feito? - Eu perguntei, querendo desesperadamente acreditar que ela me protegeria. Só que se ela não o fizesse eu também não a condenaria. Diferente de mim, a vida dela tinha pouco ou nenhum valor. Mentir para o Dom sobre algo assim seria punido com a vida, não com alguns solavancos e tapas.
- Eu não sei. - Ela respondeu por fim. - Agora, vendo você aqui, segura, eu mentiria. - Eu continuei por ela.
- Mas sob a ameaça dele, você temeria pela sua vida. - Ela apertou os lábios.
- Perdão… - Eu balancei a cabeça em recusa.
- Não existe o que perdoar. Graças ao mínimo de dignidade de um homem, não foi necessário mentir.
- Eu vou te ajudar a tomar um banho e você vai me contar essa história toda. Quando, onde e com quem você estava ontem. - Eu senti o meu corpo doer ao lembrar da fúria do meu avô ao dizer as mesmas palavras ontem, mas ignorei a dor, deixando ela me conduzir para fora da cama.
Enquanto eu estava na banheira, deixando a água morna relaxar os meus músculos doloridos, eu contei para ela o que aconteceu na noite do baile. A Teresa não esboçou nenhuma reação enquanto eu falava e me desculpava ao mesmo tempo, por não conseguir me manter invisível.
- Você tem uma beleza única, eu deveria ter imaginado que chamaria atenção. - Ela falou, enquanto desembaraça o meu cabelo. - Só que não foi isso que fez o rapaz ir atrás de você e depois… - Ela sussurrou no meu ouvido. - Te beijar.
- Ele estava curioso quanto a mim. - Ela deu uma risadinha tímida.
- Você recusou a investida dele. - Eu me virei para encarar ela, e ela me explicou. - Os homens que nos cercam estão acostumados a terem tudo o que querem, o tempo todo, sem fazer muito esforço. Você recusou, foi embora e depois, mesmo que ele tenha sido galante, ainda assim, você não revelou como ele poderia ter você.
- Ele não poderia. - Eu confirmei. - Não sendo quem é. - Eu deixei de fora a pequena informação sobre quem era o homem que tinha me beijado na noite do baile, eu sabia que ela entraria em pânico.
- Quem ele era? - Percebi um misto de curiosidade e animação na voz dela e suspirei fundo.
- O anfitrião do baile. - Eu falei, finalmente soltando o ar que estava preso nos meus pulmões.
A escova caiu das mãos dela e fez um estalo seco no chão. Eu encarei a Teresa e vi uma sombra se formar nos olhos dela, uma sombra cheia de medo. Medo puro, como eu nunca vi antes.
- O homem que te seguiu, que propôs te cortejar… - Ela segurou com força a cruz de madeira que levava pendurada no pescoço. - É o herdeiro dos Romano? - Ela falou o sobrenome como se fosse o nome de um demônio, e em algum nível era.
Eu assenti e ela apertou os olhos com força e levou algum tempo para se recuperar, e voltar a escovar o meu cabelo.
- Lara, pelo amor de Deus… Não me diga que o tempo que ficou fora ontem…
- Sim, eu me encontrei com ele. - Ela puxou o ar até quase gritar. - Não foi combinado. Ele me seguiu até a cachoeira, conversamos e eu perdi a noção do temp ...
- Espera. - Ela interrompeu. - Seguiu? - Percebi que deixei outro detalhe de fora. Fiquei de pé, enquanto ela montava as peças, me enrolei no roupão e tirei a escova da mão dela, enquanto o medo naqueles olhos aumentavam até se tornar pânico. - Você está me dizendo…?
Eu caminhei em direção ao quarto e esperei até ela sentar de frente para mim na cama, as lágrimas escorrendo intensamente dos olhos dela, nessa altura.
- Por favor, me diga que ele não sabe… - Eu queria desesperadamente negar, apenas para que ela pudesse se acalmar, para que ela voltasse a sorrir e que eu pudesse conversar com ela sobre as coisas que senti enquanto ele me beijou.
Só que eu sabia que isso não aconteceria, o medo que ela tinha era grande, talvez tão grande quanto o do meu pai.
- Ele me seguiu porque sabe onde eu moro, sabe de quem eu sou filha e sabe que eu estou viva. Victor Romano sabe exatamente quem eu sou.