Condenada

1064 Words
Lara Eu ainda estou tentando me livrar da sensação que ele pode entrar aqui a qualquer momento. E eu deveria temer. Eu deveria ter denunciado ele, pelo menos para a Teresa. Só que esse medo que não existe se torna uma esperança em vão. Ele não me matou, e hoje eu preciso encarar o que a vida me reservou. O sol nem nasceu, e eu me preparo para um dos dias mais longos da minha vida. E mais tristes também. Eu pensei em dar fim na minha vida várias vezes nos últimos dias… Só que isso não é justo. Eu deveria lutar para sobreviver. Eu deveria fugir! Afundo na banheira, pela terceira vez, e seguro o ar até os meus pulmões queimarem intensamente de desespero, em busca de ar. Subo e puxo o ar com força, tentando acalmar os meus nervos. Eu não tive coragem, não tive forças e nem queria de verdade acabar com a minha vida. E esse era um favor que eu esperei que o Victor me fizesse. - Já tomou banho? - A Teresa já me esperava no quarto, com um sorriso triste no rosto. - Sim. Não conseguia dormir mais. - Ela se aproximou, e me colocou sentada de frente para a penteadeira e começou a desembaraçar as mechas do meu cabelo. Ficamos em silêncio nos primeiros minutos, enquanto ela trabalhava e um suspiro dela me tirou dos meus pensamentos. - Deveria ser um dia inesquecível! - A tristeza na voz dela era nítida. - Será um dia inesquecivel. - Eu forcei um sorriso para ela. - Pelos motivos errados. - Ela me encarou pelo espelho. - Eu deveria ter dado um jeito de te tirar daqui. - Ela não era a minha mãe, nunca foi tratada como tal, nem por mim e nem por ninguém. Só que ela agia assim nas pequenas coisas. Eu gostava de acreditar que a minha mãe, se estivesse viva, seria muito como a Teresa era. Uma parceira, uma cúmplice, uma amiga. Mesmo que no mundo que vivemos isso não fosse muito para os homens que nos rodeiam, ainda assim, seria tudo para mim. A Teresa era tudo para mim. - Ninguém pode fazer nada. - Ela abaixou os olhos, começando a trançar o meu cabelo. - Nem você, nem ninguém. Vou subir naquele altar, falar sim para aquele homem e torcer para que o meu destino não seja tão aterrorizante quanto eu imagino que seja. - Eu terminei, com a voz muito mais confiante do que eu de fato me sentia. Ficamos em silêncio de novo, enquanto as lágrimas escorriam dos nossos rostos. Um silêncio quase enlutado, pelo que seria a minha vida! Uma vida que nunca foi minha. - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Encarei o espelho com pesar, o meu coração martelando forte, enquanto eu me via pronta. Eu estava linda, e isso era muito triste. Triste porque eu não escolhi nada disso, triste porque eu estava indo de encontro com um destino que facilmente eu descartaria sem pensar duas vezes. Eu resolvi desligar as minhas emoções para conseguir seguir com aquilo. Pensar o que poderia ter sido ou não seria o meu fim, e eu já estava abalada demais para isso. Então entre sair de casa até chegar nas portas da igreja, eu me desconectei do mundo. Eu deveria estar morta. O som dos meus passos ecoava como uma sentença de morte. Cada passo, um peso insuportável. O vestido, que eu não escolhi, arranhava minha pele como um lembrete cru£l de tudo que eu estava perdendo. Quando as portas da igreja abriram, o meu único pensamento foi: eu deveria ter fugido. Mas fui covarde demais. Vivendo escondida por 23 anos, quando todos pensam que você está morta, o seu destino não é seu. E agora, aqui estava eu, caminhando para o fim da minha liberdade, rumo ao altar. Não que um dia eu tenha conhecido o gosto da liberdade. Mas, eu sempre fingi muito bem. Nos pequenos momentos roubados que eu tive, no anonimato enquanto ia na feira ou até nas horas que passei nadando na cachoeira. Eu fui de alguma forma livre. - Filha, você está linda. - O meu pai diz com uma frieza que corta mais fundo que qualquer faca. Não agradeci. A igreja estava quase vazia. Não deveria ser um evento grandioso. Afinal, a noiva deveria estar morta. E eu, Lara Belladona Vitale, sobrevivente do m******e que tirou a vida da minha mãe e de toda a sua família, pelas mãos dos Romanos. E o meu destino estava bem na minha frente. Um casamento arranjado para salvar um nome que já deveria ter morrido. Ele poderia ter acabado com isso, e escolheu não fazer. Pensar no Victor agora é uma péssima ideia, mas eu preciso culpar alguém da minha desgraça. Eu estava quase no altar agora, e o meu coração estava sangrando; eu não tinha forças para encarar o homem que me esperava ali. O meu pai estendeu a minha mão para ele pegar… Um estrondo ecoou pela igreja, quebrando o silêncio e eu tremi. E de um segundo para o outro homens armados entram por cada espaço, disparando contra os seguranças do meu avô. No meio do caos, um homem se destaca, atravessando as portas com os olhos fixos em mim, e como se algo me atraísse para ele, eu soltei a mão que segurava firme a minha, e levantei o queixo, para encará-lo. Ele entrou pela porta com uma calma que parecia absurda em meio ao caos. A sua presença dominava o ambiente, como se o próprio inferno tivesse se materializado ali. Os olhos dele negr¢s, profundos, congelaram em mim. Eu senti o pânico se espalhar pelo meu corpo. Ele veio terminar o que o avô dele começou. Ele veio me matar! O desespero correu nas minhas veias a ponto de me petrificar, e em seguida o aliviou me dominou. Ele veio me matar! - Foi o pensamento feliz que eu tive, antes de finalmente me ver livre daquele inferno.
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