O pecado é um ótimo guia turístico

2069 Words
Ao ouvir aquilo, não consegui conter o riso. Apesar de não entender nada além do "você", o semblante dele deixava claro que estava irritado. Não sei vocês, mas eu tenho uma dificuldade imensa de me manter séria em momentos em que definitivamente não deveria rir. — Stai ridendo di me, ragazza? (Você está rindo de mim, menina?) — O homem me olhou em um misto de confusão e irritação, como se fosse um absurdo eu rir dele. Pela roupa e a postura, era óbvio que ele era um empresário ou alguém de poder. O terno que vestia parecia caríssimo. m*l pisei na Itália e já derrubei café na roupa de alguém importante? Seria isso um aviso? — Desculpa, eu não entendo o que você está falando, mas posso pagar a lavanderia e o café que acabei de derramar? — Ofereci, puxando a mão dele em direção ao balcão. Para minha surpresa, ele não protestou e me acompanhou. O atendente me olhava assustado, como se tivesse visto um fantasma. Será que eu disse algo errado? Ou é raro esbarrar nas pessoas aqui? Não sabia. — Quero dois desses aqui! — falei, apontando para o resto de café que o homem segurava. — Non ho capito. (Não entendi) — O atendente respondeu, olhando confuso para o homem atrás de mim. Por um momento, cheguei a pensar que estava sendo paquerada pelo atendente, mas talvez ele fosse tímido demais para demonstrar. Eu estava me sentindo irresistível. Será que ele pagaria meu café? Em filmes, isso sempre acontece. — Ha ordinato due caffè identici a quello che avevo ordinato in precedenza. (Ela pediu dois cafés iguais ao que eu pedi anteriormente) — O homem de terno disse, e o atendente confirmou com a cabeça. Eu estava completamente perdida na conversa. — Sono quattro euro, qualcos'altro, signorina? (São quatro euros, mais alguma coisa, senhorita?) — O atendente disse, me olhando novamente. Olhei para o homem, para o monitor à minha frente, e conclui que ele estava dizendo o valor do café. Meu sonho de ganhar um café ao ser paquerada teve que ser adiado. Abri minha bolsa e tirei uma nota de cinco reais, entregando-a ao atendente, que balançou a cabeça, rejeitando meu dinheiro com a mão. — Accettiamo solo euro. (Só aceitamos euro) — O atendente devolveu a nota. — Mas você disse que era quatro! Aqui no monitor também diz quatro. Não estou entendendo. — Olhei para a nota, sem saber o que havia de errado. Além de iludida, estava sendo rejeitada? — Estamos na Itália. Você não pode pagar com real. Terá que usar euro. — O homem atrás de mim respondeu, entregando o dinheiro ao atendente, que imediatamente se virou para preparar os cafés. Para minha surpresa, eu havia entendido tudo que ele disse. — Estou curioso. O que uma mulher linda que não entende italiano, e sequer tem euro na carteira, está fazendo na Itália, derramando café em estranhos? — Você fala português? Meu italiano é tão bom quanto meu conhecimento de mundo. Eu esqueci de trocar o dinheiro. — Não que eu tivesse mais do que vinte reais na carteira. No máximo, conseguiria pagar os cafés. Começamos bem. — Acho que estou te devendo agora três cafés, não é? — Como a senhorita se chama? — O homem tinha olhos claros, cabelos lisos e uma barba perfeitamente arrumada. Seu sorriso era encantador. Se o pecado da luxúria tivesse um rosto, certamente seria o dele, ainda mais com aquele sotaque que fazia meu coração acelerar. — Eu me chamo Jenny. E você? — Perguntei enquanto recebia o café das mãos do atendente. — Sou Andréa. Você realmente não é daqui. Está a passeio? Se separou do seu grupo? — Andréa devolveu a pergunta enquanto eu entregava um dos copos de café a ele. — Na verdade, não. Estou aqui para procurar uma pessoa. Preciso chegar a este endereço. Meu celular está descarregado, então vim aqui tentar carregar um pouco antes de sair à procura. — Expliquei, mostrando o endereço que estava no envelope. — Eu conheço esse lugar. Não fica longe daqui. Estou indo naquela direção. Se quiser uma carona, posso te ajudar. Talvez não seja seguro você andar por aí sem dinheiro ou sem falar italiano. Uma bella ragazza deve ser cuidadosa ao andar por essas ruas. Embora seja uma cidade santa, também há pessoas assustadoras que podem se aproveitar de uma ragazza como você. Dizem que, assim como aqui é abençoado, também tem o lado amaldiçoado, onde fica o Submundo mais perigoso do mundo. — Andréa parecia extremamente simpático. Aceitar uma carona de um desconhecido parecia uma péssima ideia. — Eu adoraria, se não for incômodo para você. — Nunca fui muito boa em ser cuidadosa. Além disso, seria perigoso com ou sem ele. Eu estaria andando por ruas desconhecidas, sem a menor noção do que estava fazendo. — Só para confirmar, você não é um assassino, louco, sequestrador, vendedor de órgãos ou traficante s****l, não é? Dizem que não é bom andar com esse tipo de gente. — Acho que se eu fosse alguma dessas opções, não iria te responder com sinceridade. — Andréa gargalhou com minha piada, que tinha seu fundo de verdade. Não custava tentar, não é? — Eu imaginei. Se você for algum desses, poderia tirar folga por hoje e ser meu guia turístico. Cheguei hoje à Itália. Nasci aqui, mas vivi boa parte da minha vida no Brasil. Para ser sincera, tenho poucas lembranças do lugar e até mesmo da língua. — Falei, juntando todo o dinheiro que eu tinha na carteira, incluindo os cinco reais que havia sido rejeitado. — Posso te pagar 20 reais por isso. O que acha? Era uma loucura aceitar que aquele homem desconhecido me guiasse, mas sempre gostei de apostar nos meus instintos. Tinha a leve sensação de que ele era a solução dos meus problemas. m*l sabia eu que Andréa era a própria definição de problema. Eu descobriria tarde demais em que tinha me metido. — Vinte reais? Desculpe, sou mais caro que isso. Que tal um almoço? Não gosto de comer sozinho. A companhia de uma bella ragazza cairia bem. Se você me acompanhar, serei seu guia durante todo o tempo que estiver na Itália. E pode deixar que o almoço ficará por minha conta. — Andréa sugeriu. Pareceu muito melhor do que a encomenda, afinal, eu iria economizar dinheiro e ainda almoçaria. — Combinado. — Concordei, sem esconder que estava morrendo de fome. No avião, comi como um passarinho e não tinha dinheiro suficiente para um lanche no aeroporto. Um almoço naquele momento seria perfeito. — Vamos ao meu restaurante favorito. Enquanto isso, te mostro um pouco das redondezas. O lugar fica aqui perto, uma pequena caminhada. Aproveito e te apresento o que há de melhor. Ninguém conhece essas ruas como eu. — Andréa tinha um sorriso tão encantador que me senti ligeiramente hipnotizada. O sotaque dele era o toque final, me deixando completamente encantada. Será que ele tinha saído de um filme? — Quando você quiser. — Concordei, sorrindo. Um homem lindo, em uma cidade belíssima, prestes a pagar meu almoço? Quem não iria sorrir? Pensei que o restaurante fosse vizinho, mas estava enganada. Andamos alguns minutos. No caminho, Andréa cumpria bem sua função como guia, explicando os lugares, contando a história e curiosidades. Era impossível não se encantar com a arquitetura ao nosso redor: fachadas ornamentadas, janelas emolduradas por hera e portais magníficos que pareciam nos transportar para um filme. Enquanto caminhávamos pelas calçadas de paralelepípedos, éramos envolvidos pela rica história e beleza arquitetônica dessa área pitoresca. Andréa estava empolgado com sua nova função. — Bem-vinda à Via Santa Cecília, um tesouro escondido na encantadora cidade de Florença. Esta rua, nomeada em homenagem à padroeira dos músicos, é repleta de história e curiosidades fascinantes. Ao longo dos séculos, a Via Santa Cecília testemunhou os altos e baixos da história florentina, remontando ao período medieval, quando poderosas famílias nobres disputavam o controle político e econômico. Hoje, suas antigas construções de pedra ainda ecoam a Renascença, uma época de esplendor artístico e intelectual. — Andréa me surpreendeu com sua explicação. — Parece que você é muito mais que um sorriso bonito e um corpo gostoso. — Brinquei, mas logo me toquei do exagero e baixei a cabeça, um pouco envergonhada. Tinha certeza de que minhas bochechas estavam vermelhas. Nunca fui boa em paquera. Viver em um orfanato só para mulheres e estudar em uma instituição apenas para garotas não ajudou muito. No fim, minha única experiência amorosa era com um menino da igreja. — Muito bom saber disso, ragazza. Pode ter certeza de que não vou esquecer o que disse. Voltando à minha nova função temporária... — Andréa tinha um tom de voz satisfeito. Pelo menos ajudei a elevar o ego dele. Melhor ficar quieta e passar menos vergonha. — Mas não é apenas a beleza arquitetônica que torna a Via Santa Cecília tão especial. Esta rua também abriga curiosidades únicas. Por exemplo, o antigo Palazzo Santa Cecília, que agora é uma pousada de luxo, onde se diz que o famoso artista renascentista Leonardo da Vinci encontrou inspiração para algumas de suas obras-primas. Hoje você não encontra o Leonardo lá, mas sempre pode me encontrar quando precisar de um bom guia. — Então você trabalha na pousada. Isso explica porque fala português tão bem. — Fiquei um pouco aliviada ao saber onde ele trabalhava; parecia apenas um funcionário dedicado. Ao menos, foi o que eu pensei. — Podemos pensar dessa forma. — Andréa disse com um sorriso. — À nossa direita, avistamos o imponente Palazzo della Cecilia, um palácio renascentista que domina a paisagem urbana. Sua fachada ornamentada e janelas adornadas nos fazem imaginar a vida na Florença dos séculos passados. Hoje, funciona como um edifício de escritórios. Continuando nosso passeio, chegamos à deslumbrante Igreja de Santa Cecília, dedicada à padroeira dos músicos. Seu interior ricamente decorado e sua atmosfera serena nos convidam a contemplar a arte sacra e a história religiosa da cidade. Por alguma razão, ao ver a igreja, baixei a cabeça, temendo ser reconhecida ou que Camille me visse. Como explicaria meu passeio com aquele homem desconhecido? Ele tinha tudo, menos cara de guia de turismo. Continuei andando, querendo evitar que meu guia parasse ali para me contar a história do lugar. — Vejo que você não é do tipo religiosa. A maioria das pessoas fica empolgada para entrar e ver a igreja por dentro. — Andréa parecia surpreso, m*l sabia ele que eu teoricamente estava na Itália para me tornar freira e não ia demorar muito para conhecer aquela igreja como a palma da minha mão. — Aqui é a Osteria Renascentista, um refúgio acolhedor que nos convida a saborear pratos tradicionais da culinária toscana, acompanhados de vinhos locais selecionados. E será aqui que iremos comer. Entramos no restaurante. Andréa acenou, e um garçom veio até nós, nos conduzindo até uma mesa. Antes que eu pudesse me sentar, Andréa puxou a cadeira para mim. Não vou negar, me senti como uma princesa. Sentamos em uma mesa de madeira mais reservada. Todos que estavam no restaurante olhavam assustados, e me perguntei o que estava acontecendo. Ao redor, todos cochichavam em italiano. Não havia como entender. Andréa pediu algo ao garçom, que saiu e voltou com um vinho. Antes que eu pudesse dizer algo, o homem serviu as duas taças na mesa. — Você acredita em destino, Jenny? — Andréa perguntou, segurando a taça. — Não muito. Afinal, como posso acreditar em destino se todos os dias ele muda a partir das decisões que tomo? — Respondi, olhando para a taça de vinho que me encarava. — Eu também não acreditava, mas conhecer você me fez mudar totalmente de ideia. Um brinde ao meu terno destruído pelo café. — André sorriu, erguendo sua taça em minha direção. Para ser sincera, eu nunca havia bebido. Mesmo saindo escondido todas as noites, tinha medo de ser pega na volta com cheiro de álcool e acabar expulsa do orfanato. Loucura tinha limite, não é? Entretanto, não havia nada de errado em uma taça de vinho enquanto aproveito a companhia daquele homem misterioso, não é? O que poderia dar errado? — Um brinde ao meu recomeço. — Brindei, jurando que não havia risco em tomar uma taça de vinho. m*l sabia eu que o vinho jogaria o pouco de sanidade que eu tinha no lixo.
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