05 - Anthony.

1288 Words
ANTHONY NARRANDO Eu sabia que tinha que ser discreto, não podia dar nenhum vacilo. Pedi autorização pro MC, que é o sub do Morro, pra sair. A verdade é que aqui a gente é tratado como se fosse escravo. Tudo o que a gente faz tem que comunicar, até pra respirar eles querem saber. Não dá pra negar que é sufocante, mas faz parte do jogo. Tomei cuidado pra não ser seguido, é claro. Se alguém me pega fora de onde deveria estar, a missão vai por água abaixo. Desci o morro devagar, de boa, como se não tivesse nada demais acontecendo. Fui direto pro meu apartamento. Fazia tempo que eu não pisava em casa, e a sensação foi de alívio. Liguei pra Janine logo que cheguei. A voz dela do outro lado da linha me trouxe um certo conforto, um tipo de saudade que eu nem sabia que tinha. Chamei ela pra me fazer uma visitinha. Assim que desliguei o telefone, fui pro banheiro e tomei um banho demorado. A água quente escorrendo pelo meu corpo parecia tirar parte do peso que eu carrego. Saí do banho e deitei na minha cama. Que saudade desse conforto, desse lugar que por um breve momento me faz esquecer onde estou metido. Peguei o telefone e liguei pro meu pai. Relatei tudo que consegui levantar até agora. O velho, sempre frio e calculista, me mandou trabalhar diretamente com a Serena. "Ela que tá no comando," Ele disse. Mas o que ele não entende é que não é tão fácil assim se aproximar dos cabeças. O único que eu ainda consigo chegar mais perto é o MC, porque até o moleque do guerreiro é todo desconfiado, não dá a******a pra nada. Só observa, com aquele olhar de quem já viu de tudo e mais um pouco. Janine chegou um pouco depois. O sorriso dela ao me ver foi só o começo. Transämos gostoso, e eu já tava com saudade de uma boa föda. Fazia tempo que eu não tinha isso. Me afasto das garotas do Morro porque não quero comprometer a missão. É difícil, mas consigo resistir. Não posso vacilar. Depois, pedi comida no delivery. Não queria sair de casa pra nada. Passei o dia me afundando dentro da Janine. Ela é minha ficante, e nós temos um acordo tácito. Não sou fiel e ela também não, mas sempre que a saudade bate, a gente se encontra e resolve. É simples, sem complicação, do jeito que eu gosto. — Eu tô em missão — expliquei enquanto a gente comia. — Por isso tô sumido e não tô atendendo o celular. — Que missão é essa que não pode nem me ligar? — Ela perguntou, mas sem muita insistência. Janine não é do tipo que fica se metendo. — O celular fica no apartamento — respondi, tentando manter as coisas vagas. — Tô ficando em outro lugar e não posso dar esse outro número. Ela assentiu, não fez mais perguntas. Foi melhor assim. Depois do jantar, a gente transoü de novo, como se fosse a última vez. É sempre intenso quando nos encontramos. Talvez por isso que eu gosto tanto dela, não tem cobrança, só a entrega do momento. Quando a noite caiu de vez, voltei pro morro. Aproveitei a folga que eles dão pra gente curtir como quiser. Não que tenha muita coisa pra fazer aqui, mas qualquer tempo longe das obrigações é um alívio. No entanto, minha cabeça não parava. Tudo que meu pai disse mais cedo rodava na minha mente. Não é fácil ser o filho de um cara desses, com expectativas tão altas e sem margem pra erro. O plano dele parece sempre perfeito, mas é a minha pele que tá em risco, não a dele. De manhã bem cedo, antes do sol nascer, o rádio chiou. Era o MC, passando a missão pra mim e outro vapor. Iríamos cobrar uma dívida de droga. Mais uma tarefa rotineira, mas que exige um cuidado extra. Eu sei como essas coisas podem virar do avesso rápido. "Tony, fica esperto que o cara é enrolado" "Pode deixar, tô ligado" Eu e o outro vapor, nos preparamos e descemos o morro juntos. No caminho, ele falou pouco. Era o tipo de cara que fazia o serviço sem muito papo, focado no que precisava ser feito. "A dívida é grande?" perguntei, porque preciso levantar tudo certo. "Uns cinco mil. Mas esse cara tá devendo faz tempo, já passou do limite" ele respondeu, sem desviar o olhar da estrada. Quando chegamos no local, um prédio velho, típico da periferia, o clima ficou pesado. A gente sabia que o cara podia tentar enrolar, mas não podia sair sem o dinheiro ou sem um exemplo claro do que acontece quando se brinca com o comando. — Quem tá aí? — A voz veio de dentro do apartamento, depois que bati na porta. — Viemos resolver aquele assunto — falei, mantendo a voz firme. A porta abriu devagar. O cara, um sujeito magro e com olheiras fundas, nos encarou com um misto de medo e desconfiança. — Eu já tô juntando o dinheiro, só mais um tempo — ele começou a falar, mas eu cortei logo. — Não tem mais tempo. Ou tu paga agora ou a gente leva alguma coisa de valor. E eu não tô falando de televisão — disse, olhando diretamente nos olhos dele. O cara engoliu seco e fez um gesto nervoso com a mão. — Calma, calma, vou pegar o que tenho. Ele voltou pro interior do apartamento e a gente esperou no corredor. O outro vapor olhava pros lados, atento a qualquer movimento. — Tá demorando muito — ele sussurrou, e eu concordei com um aceno de cabeça. Quando o cara voltou, trazia um maço de notas amassadas. Contamos ali mesmo, em cima da mesa. — Isso aqui não dá nem metade — falei, jogando o dinheiro de volta pra ele. — A gente vai ter que levar alguma coisa. — Eu juro que amanhã tenho o resto! — Ele implorou, quase chorando. — Tu já teve tempo demais — disse o vapor, pegando o cara pelo colarinho. Enquanto o outro segurava, dei uma olhada no apartamento. Era um buraco, sem nada que parecesse valer muito. Mas na hora, meus olhos bateram numa mochila jogada no canto. — Abre aquela mochila — ordenei. O cara foi até lá, abriu, e tirou de dentro algumas joias, talvez da mulher do cara. Ele protestou, tentou argumentar, mas não tinha mais volta. — Vamos levar isso. Amanhã, se tu não tiver o resto, o prejuízo vai ser muito maior — falei, pegando as joias e saindo. Quando voltamos pro morro, fui direto na boca. Tinha que entregar o dinheiro e as joias, e depois ia tentar falar com a Serena. Entregamos a missão para o MC e pedi para falar com a Serena. Bati na porta e esperei. Quando ela abriu, nossos olhos se encontraram pela primeira vez de verdade. Cara a cara, eu consegui ver o quanto ela é linda. Senti um aperto no peito, mas engoli seco e mantive a postura. Fui direto no assunto e Ela me olhou por um momento, avaliando. Podia ver a desconfiança nos olhos dela, mas também um certo interesse, como se quisesse saber até onde eu iria. Ela concordou, Mas devo ficar esperto com essa garota. De todos nesse morro, ela é a mais perigosa. Saí da sala dela me sentindo vitorioso. Eu sei que tinha dado um passo importante, mas ainda tenho muito chão pela frente. A Serena é a peça chave nesse jogo, e se eu conseguir pegá-la no pulo, ela vai ser meu passaporte direto pro BOPE. Agora, é só questão de tempo.
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