Serena Narrando
Há um tempo, o Zeca trouxe para a gente um garoto. Ele veio atrás de trampo aqui no morro. E o meu pai, que gosta de ter tudo sob controle, colocou um garoto para trabalhar com a gente antes de eu assumir o comando. Ele nunca me passou confiança nenhuma. Estou sempre por perto para ver e esperando um vacilo para dar o bote.
O meu irmão sempre diz que não tem nada a ver, que eu tô viajando, mas se tem uma coisa que eu aprendi nessa vida é que a gente confia desconfiando, e eu desconfio de tudo e de todos.
— Onde está o Tony? — perguntei para o meu irmão, colocando minhas duas mãos em cima da mesa e encarando-o.
— Sei lá, não sou babá de marmanjo — ele respondeu sorrindo, querendo gastar com a minha cara.
Avaré sabe que, quando o assunto é o comando, eu sou muito cautelosa. E esse garoto não me inspira confiança. Quando ele está por perto, sinto que fica me observando, mesmo que tente disfarçar. Eu não sou boba.
Eu estava mergulhada no meu trampo, meu irmão já tinha saído para cumprir a missão que eu lhe dei, quando alguém bateu na porta com um ritmo insistente. Fui até lá e olhei pela pequena janela da porta. Era o Tony.
Quando eu abri a porta, nossos olhos se encontraram e, instantaneamente, um frio percorreu minha espinha. Eu o encarei, tentando ler suas intenções.
— O que você quer? — perguntei, sem disfarçar a irritação.
Tony parecia relaxado demais, como se tivesse todo o tempo do mundo. Ele respondeu com um sorriso que eu não consegui entender muito bem.
— Eu queria falar com a Senhora.
— continue olhando para ele, esperando ele terminar de falar — Quero trabalhar direto com a Senhora.
Eu franzi a testa. Aquela conversa estava me soando mais como uma cantada do que uma proposta séria. O Tony começou a soltar um monte de elogios sobre mim, como se isso fosse me fazer baixar a guarda. No fundo, eu sei que ele não está aqui para ser um aliado de verdade. Meu pai sempre dizia para manter os inimigos por perto, e, sinceramente, eu sinto que esse garoto é qualquer coisa menos meu aliado, não sei se posso considerar meu inimigo, só o tempo vai me dizer.
— Tá bom — concordei, tentando manter a calma. — Você vai ser meu segurança pessoal.
O sorriso de Tony se alargou, com um cantinho da boca subindo de um jeito que só me deixou mais desconfiada. Eu não ia deixar ele brincar de faz-de-conta na minha sala.
— Agora, sai da minha sala. — Eu o olhei nos olhos com firmeza. — E não se atreva a me desobedecer.
Ele deu um último sorriso e se virou, saindo da sala sem mais palavras. Eu fechei a porta atrás dele e respirei fundo. Se tinha algo que eu aprendi nessa vida, é que o jogo nunca é o que parece, e eu estou mais do que pronta para jogar.
Voltei a fazer o que estava fazendo. Na hora do almoço, fechei a minha sala e, quando cheguei na frente do QG, o Tony já estava me esperando, junto com outro segurança que faz a minha proteção. Na verdade, eu me protejo sozinha; só ando com alguns seguranças por desencargo de consciência, para deixar meus pais e avós tranquilos.
Hoje a gente vai almoçar na casa da minha avó Yara. Subi na minha moto e pilotei na frente, com os seguranças atrás de mim, até a casa da vó Yara. Assim que o portão abriu, olhei pelo retrovisor e vi que o Tony estava me encarando. Babaca.
Entrei e eles ficaram na frente. Minha avó não se importa que os seguranças entrem na casa dela, mas quando meu pai está por aqui, ninguém entra. Ele não gosta e não deixa.
— Vó — já entrei na sala gritando, chamando por ela.
Minha voz veio da cozinha. Ela já sorria, me abraçou e encheu meu rosto de beijos. Ela me chama de Minha Serena, e eu amo isso.
Minha mãe chegou logo em seguida com meu pai. Abracei minha rainha. Esses dias, minha mãe tem trabalhado muito e a gente m*l tem tempo para conversar.
Mas agora, com meu avô doente, minha mãe prometeu se dedicar mais para ajudar a cuidar dele. Mesmo minha avó não abrindo mão dos remédios medicinais, dos seus cantos e das nossas meditações, mandando boa energia para meu avô e intercedendo pela sua saúde.
— O que o Tony está fazendo aqui na frente, Serena? Não era para ele estar cuidando de alguma boca? — meu pai perguntou, me encarando.
Respirei fundo, olhando dentro dos olhos dele. Se tem uma coisa que o velho índio detesta é quem desvia o olhar enquanto fala com ele.
— Ele veio atrás de mim hoje de manhã e pediu para trabalhar diretamente comigo. Disse que queria estar por perto. Então, eu falei para ele ser meu segurança pessoal. Algum problema? — perguntei, e minha mãe abriu um sorriso meio duvidoso.
Meu pai encarou ela e voltou a olhar para mim.
— Problema nenhum. Você é chefe, deve saber o que está fazendo, mas eu vou bater um papo com esse garoto. Mesmo você sendo chefe, eu ainda sou seu pai.
Meu pai sempre é muito cuidadoso. Meus tios, meu irmão e meus primos chegaram. Apesar de ter uma prima, a Maísa, com quem cresci, não somos amigas. Ela é bem patricinha, totalmente diferente da tia Betina e do tio Mic. É o tipo de pessoa que eu não suporto, que só fala de futilidade e não batalha para conquistar nada.
Meu pai e meu tio ajudaram meu avô a chegar na mesa. Quando ele me viu, piscou o olho, como sempre faz, e eu já abri um sorriso, me levantei da cadeira e dei um beijo em seu rosto.
Almoçamos, O almoço dos Vapores foi servido na Casinha de apoio, fiquei um tempo com a minha família e quando sai, meu pai veio atrás de mim, e Chamou o Tony.