- Aqui – disse ofegante por correr durante todo o percurso.
- Noooossa, você é surpreendente, como pude subestimar você, hein? – Victor inspecionou o caderno, cheiro como se estivesse tragando-o da forma mais estranha possível, mas o mais bizarro foi quando ele passou sua língua com muita vontade pelo caderno, se tremeu como se tivesse ficado arrepiado e ficou calmo. Em seguida, recostou sua cabeça nele e disse:
- Você..., é..., TUDO! Você..., é..., mágico. Pode sentir? – A veia de seu pescoço soltou, ficando em destaque assim como as demais. Victor ficou pálido e seus olhos lacrimejaram sangue.
Contemplei aquilo estarrecido, olhando ao meu redor tentando compreender tudo isso, até temi minha vida, parecia que algo estava agindo dentro dele ou absorvido algum poder oculto do qual não entendi. Após toda essa cerimonia, ele agradeceu e disse “achei vocês”, logo me preocupei e questionei:
- Espera, mas lembre-se que Marcos está fora disso!
- Calma..., está tudo..., sob..., controle. CAÇADOOOR, FAÇA SEU TRABALHO! – bradou Victor, depois começou a gargalhar dispersando e deixando eles abertos.
Tudo que pude interpretar, era que ele havia encontrado e talvez tivesse feliz, mas sua comemoração era no mínimo estranha. Ele se aproximou de mim e disse aliviado:
- Isso é um grande trabalho em equipe. Fez o que não podemos fazer, e sou grato. Em breve, se capturarmos ela, terá sua parte do acordo, Caio. Por que não vai para casa e relaxa um pouco? Acho que você merece..., ou prefere se juntar a nós no outro lado? Até que é bom, você pode enxergar melhor.
Pensei por alguns segundos e acenei com a cabeça dizendo sim, Victor sorriu e não disse mais nada, deixando aquele momento na minha cabeça e oficializado que minha alma foi comprada.
Quando a criatura disse aquilo, o quarto começou inundar, as águas escorriam de todo lugar, trazendo corpos dilacerados, sangue e um odor terrível de putrefação. A criatura desapareceu e largou Sombra machucado, quase não aguentando rastejar até a parede. Cecília foi correndo até ele para carregá-lo enquanto eu corria para pegar a bolsa, mas a água estava escorrendo rápido demais, formando até mesmo correntezas. Não consegui avistar antes que a correnteza levasse nossos acessórios para exploração do Seteálem, nessa altura, fui auxiliar Cecília carregar seu amigo. O caminho seria longo e devíamos repetir os mesmos passos, quando Cecília indagou, me senti pressionado e não souber ser específico quantos aos caminhos. Antes que ela bradasse, expurgando toda sua ira e fazendo decaí-la tudo sobre mim, Sombra com extrema dificuldade começou disse:
- Os caminhos abrem..., e..., fecham..., nunca é a mesma..., mesma coisa.
- Diga rápido, tudo está inundando! – retruquei ansioso.
Sombra apenas apontava a direção e íamos, e foi assim durante todo o percurso. O caminho parecia mais longo, para piorar tudo, ficávamos lentos a cada minuto que andávamos. Carregá-lo também nos deixava lentos, mas nada morreria por nossa causa, ninguém ficaria para trás por causa de nossos pecados. Caminhamos até voltarmos para onde devíamos, mas ficava com medo conforme ele apontava. A água estava no nosso tronco e a velocidade parecia aumentar mais! O odor piorava e tropeçávamos em corpos ou partes dele. Quando finalmente encontramos a saída, enxergamos a criatura sobrevoando nossa possível saída. Por mais que Victor não estivesse aqui, sabíamos quem estava por trás de tudo. A criatura tremia sem parar, olhava para cima fixamente enquanto fazia pequenos sons, no intervalo de 10 segundos – que era quando acelerava as inundações, aumentava a intensidade das correntezas e piorava mais o odor. Cecília fitou curiosamente tudo ao redor e caminhou às pressas dizendo:
- Vamos logo, não temos tempo!
- Como assim?
- Ele está prestes a afundar isso tudo, temos que aproveitar cada segundo!
- Mas e a bolsa?
- Não podemos! Vamos logo!
Corremos o mais rápido que podíamos e encontramos uma pequena plataforma cilíndrica, que parecia levar para o esgoto. Alguém tinha que passar para o outro lado e puxar Sombra e ajudar o outro se fosse necessário. Cecília foi a primeira subir e eu a ajudei levar Sombra pra cima, quando eu estava prestes a pular, encontrei a bolsa logo a frente aparentemente cheia. Estava certo de que tinha coisas lá ainda, por mais que não fosse tudo, e estava perto. Corri até com muito esforço e rapidez, Cecília gritou desesperada e confusa:
- QUÊ? O que está fazendo, Marcos?! Volta aqui!
- A bolsa está ali, posso pegar ainda!
- Não, não pode! Volta logo!
- PEGUEI – quando segurei a bolsa, a Criatura se tremeu ainda mais e fez um barulho agudo, Cecília bradou:
- Não temos tempo, vamos logo!
Quando corri até lá, a parede ao meu lado explodiu derrubando-me naquele lamaçal de vísceras, deixando-me atordoado. Escutei o grito de Cecília clamando meu nome, quando finalmente levantei, estava inundando mais rápido, tinha sido somente a explosão que sinalizara algo maior. Tentei alcançar a plataforma, mas por via das dúvidas, disse A Cecília:
- Vão na frente! Conseguirei subir sozinho.
- VOCÊ É LOUCO! Esperarei você lá...
- Estarei lá!
- Promete? – indagou Cecília um pouco insegura com nossa situação, mas não fiquei intimidado e estava determinado a cumprir aquela promessa, custe o que custar. Precisava dela, tanto no começo quanto no fim disso tudo.
- Prometo!
Cecília saiu com Sombra às pressas, ela ainda olhou rapidamente para trás, mas depois seguiu compelida em ir um pouco, mas ainda sim mantendo sua inabalável determinação e acreditando em mim. Corri sem olhar para trás atracado com a bolsa, banhado de sangue, sendo arrastado pela correnteza. Depois de muito sacrifício, apreciei todo aquele lugar destruído pela última vez e me preparei para subir, felizmente a água me ajudaria, mas quando pulei, senti algo preso em meu pé puxando-me ainda mais. Quanto mais eu chutava, mas eu sentia essa força me puxar. Tentei desprezar isso e pulei novamente, segurei ainda a plataforma, mas fui puxado com mais intensidade a ponto de enfraquecer-me. De relance, olhei o que seria e para meu espanto, eram várias mãos me puxando e só vinham mais. Tentei várias vezes subir, a ponto de ferir minhas mãos, só que quanto mais olhava para baixo, mais mãos me puxavam. Só pude pensar, “não aguento mais”, enquanto forçava até não aguentar mais, porém foi apenas uma tentativa falha fantasiada de esperança. Fui puxado rapidamente, e só pude debater-me contra essas mãos que só cessaram quando a criatura tremeu mais uma vez. Ela ficou em posição fetal, ainda no ar, emitindo um agudo. Depois ela esticou por completo e emitiu o som pela última vez, tive o desprazer de escutar só isso antes de tudo explodir com aquela fossa, inundando todo aquele lugar em segundos! Fui arremessado contra parede, atingindo em cheio minha cabeça. Desacordei assim que senti o impacto, e o flash que tive foi minha falha tentativa ainda de proteger-me conta o impacto que só piorou a situação quando acertou minha cabeça..., enquanto estava entre desmaiado e acordado, vi inúmeros corpos e uma pequena luz dando vida a toda aquela poça avermelhada. Depois só afundei..., afundei..., e não parei de afundar. Em baixo, imaginei que aquelas mãos estavam ansiando que eu chegasse até o final e finalmente desse um fim a toda aquela cansativa jornada, caçada entre os mortos e os vivos. Aos poucos meus olhos fechavam aos sons de alguns cochichos indistinguíveis, o único que ouvi foi “afunde” quando meus olhos finalmente fecharam.
Amedrontado, com o coração disparado, acordei completamente confuso procurando tudo a minha volta no meio de um breu. Estava nevando em um céu sem luar, sem estrela e nada. O local era vazio, tão vazio que aquilo me tocava como a música que me marcou naquela tarde, durante minha viagem. Corri por todo local gritando o nome de Cecília e Caio, corri gritando por horas, talvez? Minutos? Nada parecia ajudar ter noção do tempo, tudo era igual: somente uma escuridão sem fim com a sensação de vazio. Estava esfalfado, abatido e completamente perdido, e não importa o quanto eu caminhasse por aí, nada mudava..., eram os mesmos caminhos. Derrotado pelo cansaço, frustrado por senti que tudo que fiz foi em vão, recostei sobre o chão nevado, olhando o céu vazio e escuro enquanto respirava profundamente, questionando o motivo de estar ali. Estava farto de tudo isso..., meus olhos estavam tão pesados quanto o clima de tudo aquilo, não demorou muito para apagar novamente. Quando acordei, vi alguém sem olhos fitando com um sorriso cínico com roupas simples. Era pálido também, mas não era como aquelas criaturas que Victor enviava para nos atacar. Seus olhos simplesmente não existiam, mas ele ainda me olhava como se fosse alguma novidade de estar ali. Ele estendeu sua mão e disse:
- Eu te ajudo.
Desconfiado como estava, não quis apertar sua mão e decidi me levantar sozinho. Havia uma capela quase na minha frente, algumas casas ao redor, mas eram pouquíssimas, e as pessoas estavam no lado de fora ajoelhada, murmurando baixinho alguma coisa, não fiquei atraído o suficiente para escutar e sim fiquei com medo de seguir em frente e fazer alguma coisa errada. O homem ainda sorria e insistia em conversar:
- Você realmente devia estar aqui? Parece tão perdido.
- Talvez esteja – retruquei rispidamente.
- Nossa..., você é tão seco.
Ignorei ele e caminhei até a capela, que era a única que estava sem alguém ou coisa na frente lamentando. Ela estava vazia, sem vida, somente com um homem em frente ao altar murmurando também. Me aproximei dele e me posicionei o suficiente para escutá-lo, ver seu rasto pálido sem vida suplicando “me desculpe, por favor..., me desculpe..., não foi minha culpa”, depois recuei para o banco mais próximo para mergulhar em meus pensamentos e entender do que se tratava tudo isso. O mesmo homem se aproximou de mim e juntou-se a mim, em silêncio, entendendo minha confusão sobre tudo aquilo, mas o silêncio desse ser inquieto era quase impossível. Não demorou muito para o indigente profanar com suas palavras em meu silêncio:
- Você deve tá se perguntando sobre todas essas pessoas ajoelhadas que não param de choramingar, né?
Continuei calado pensando, e ele falando:
- Essas pessoas estão sempre lamentando seus crimes hediondos movidos a ira, a cobiça, vingança. É deprimente, mas tudo que restou é lamentar aqui, sem parar. Esse carinha aí fez uma coisa terrível que nem a vida aqui pode pagar. Todos estão sedentos aqui e condenados a lamentar. Sentem dores, cansaço, fome, mas nunca podem saciar essas vontades. Aqui tudo é mórbido e a mesma coisa, só vem mais pessoas querendo pagar seus pegados. É tão chato...
- Então..., só os mortos estão aqui? – questionei assustado.
- Nammmm, relaxa, pelo menos podemos conversar, não?
- Desculpe, mas não estou determinado a ficar aqui – levantei-me do banco e fui em direção a saída da capela.
- Espera! – O homem me segurou desesperado, impedindo com que eu saísse – Acha que eu não tentei? Acha que isso é suficiente? Escutar todos os dias, se é que isso existe aqui, choramingo, sofrimento, arrependimento? Pense!
- Você já aceitou isso, me solta!
O homem me soltou, ficou cabisbaixo e disse com a voz domada de raiva:
- Você..., é tão mesquinho. Acha que tudo gira em torno de você? Seu lugar é aqui: condenado a ficar chorando e se arrependendo!
O homem avançou até mim e me puxou violentamente para capela, eu soquei seu rosto para ganhar tempo e sair correndo daquele lugar. Assim que fiz isso, todos que estavam murmurando levantaram-se agora e apontavam seus dedos para minha face, chorando e gritando “mesquinho”. Corri para fora daquele lugar, mas senti alguns tremores enquanto eu corria. Meu arrependimento foi ainda maior que aqueles tremores ao olhar para trás e me deparar com uma criatura parecida com uma aranha, correndo em minha direção com uma voz distorcida. A criatura era h******l, babava como se estivesse sedenta. Ainda pude escutá-la berrar:
- VOLTE AQUI E FALE COMIGO, NÃO SEJA MESQUINHO..., NÃO SEJA MESQUINHO! VOLTE AQUI E SEJA MEU AMIGO!
Miseravelmente, ainda cansado tanto mentalmente como fisicamente, corri ainda mais, tentei impulsionar meus passos mais que já estavam, apressei domado pelo medo a ponto de afugentar aquele sentimento vazio. Não demorou muito pra eu sentir o cansaço chegar mais rápido e permitir que aquela coisa asquerosa chegasse. d***a, maldição que vivo por cair de forma viciada em infernos diferentes, tão inconveniente. É como se estivesse destinado e aprisionada a tudo isso: nunca..., nunca..., NUNCA ACABA! Quando penso que estamos quase lá, nada avança, é sempre a mesma coisa com os mesmos motivos. A peste finalmente me alcançou e apanhou como se fosse seu brinquedinho. Apenas aceitei e disse
- Faça logo o que tiver de fazer, acabe com isso! Já estava cansado.