Espero que entenda meu lado um dia, mas agora ficará inexplicável porque sua devoção o cegou, e isso é irritantemente impertinente. Antes da minha parada, solicitarei perdão a quem ainda puder, só pra ter a sensação de que algo ainda me escuta..., mesmo com um falso deus, a falsa ideia de algo superior possa me escutar, mas acho que já não estou mais apto para questionar a existência deles depois de tudo isso. É f**a perceber que tudo aquilo foi ignorância da minha parte, um equívoco, uma BLASFÊMIA! Tudo alguns dias atrás faria sentido questionar, mas agora..., eu quem não tem sentido em existir. Se ele não me escuta como antes, preciso me redimir de alguma forma, mesmo que isso faça eu ir à igreja e vestir a máscara de um religioso. Caminhei até uma igreja católica nas proximidades, sentei-me em um banco qualquer e mantive minha cabeça baixa dirigindo minhas palavras, minhas súplicas a deus algum pelo que eu faria; trairia meu amigo na primeira oportunidade que surgisse, mesmo que eu tivesse que vender minha alma ao demônio, ou necessariamente a Victor. Tentarei, com unhas e dentes, realizar o acordo de nossas vidas para sairmos dessas e sair das mãos dela. É fato que ela não está ajudando como esperávamos, agora ela vem com a ideia de mexer com viagem entre mundos? Sair daqui e cruzar os dedos para cair no melhor? Isso parece mais errado do que tentar m***r alguém que nem conhecemos. Posso ser ateu-agnóstico, mas reconheço do meu jeito quando algo está m*l explicado. Victor está mais interessado nela do que em nós e isso pode ser aproveitado.
Enquanto iniciava minha oração com Ave Maria, pensava nos meus próximos passos. A partir de agora, irei mentir para meu melhor amigo para salvar nossas vidas, e nos libertar de uma mentirosa que não confiou nada em nós. Por mais que parecesse que ela iria ensinar algo, sempre vinha uma causa maior que fazia ela mudar de ideia. Apertava e amaciava minhas mãos, cada vez, expondo minha fúria e indignação por tudo aquilo. Ao terminar minha oração, olhei por cada canto na igreja, ainda fazia e escura, sendo iluminada somente pela luz do sol que escapava por algumas janelas e brechas, tornando o local sombrio e melancólico para um pecador clamar por atenção e perdão, na verdade suplicar até que não aja mais como suplicar. Olhei para baixo novamente e rezei como condenado em busca de salvação, mas logo fui interrompido por alguns passos calmos e um perfume que se alastrava conforme os passos se aproximara de onde eu estava. O cheiro era agradável, mas enjoativo também e tirava minha atenção. O intrometido se sentou no mesmo lugar que eu estava quase colado em mim e logo apoiou-se no banco a frente para rezar também. Seus sapatos eram bonitos, pareciam caros o suficiente para gritar com alguém, caso pisem. Olhei para frente de novo e continuei minha oração com aquele perfume brega e desejando que ele saísse – minhas preces repentinamente mudaram.
Quando finalmente terminei, outra pessoa se sentou do outro lado e pediu desculpa. Quando ia dizer tudo bem e o fitar com minha cara de poucos amigos, reconheci o indigente e sua faceta de quase morto; era ele... Os Olhos Mortos, O Victor diante de mim com aquele sorriso cínico. Por mais assustado que eu estivesse, apenas o fitei enquanto um de seus lacaios segurava meu braço com muita força, para certificar que minha fuga fracassaria. Victor não estava tão aborrecido como daquela vez e estava convencido daquela situação, dessa vez. Ele tirou seus olhos de mim por alguns segundos para sinalizar ao seu lacaio para soltar-me, mas ele não o fez. A criatura pressionou ainda meu braço e ficou tremula, Victor olhou mais uma vez para ela e disse com um pouco mais de autoridade:
- Solta... AGORA! Ou soterro você nas paredes para arranhar todos os dias, desesperadamente, clamando por ajuda.
A criatura tremeu mais um pouco, mais logo soltou, fazendo um som estranho com sua respiração. Parecia que seus pulmões estavam cheio de secreção, o ruido sair conforme respirava e ficava pior quando respirava fundo. Victor sorriu novamente e disse, educadamente:
- Sente-se, cavalheiro – e assim fizemos, eu ainda desconfiado, sentei-me lentamente, enquanto fitava aquela criatura com a boca costurada e olhos negros lacrimejando sangue, que por nenhum momento, nem milésimo, tirava seus olhos de mim – encontrar pessoas como você na igreja é quase um “fim da linha”, e reconheço pessoas que não fogem das coisas como são.
- Reconhece levando-as daqui com menos sofrimento? – respondi um pouco titubeante.
Victor gargalhou tão alto que olhei imediatamente para trás com medo de alguém ouvir, depois o fitei e questionei incomodado:
- Não entendi a graça.
- Você ou..., vocês são hilários! Você ouviu o que ele disse ou..., d***a, esqueci seu nome. Mas sei que é um Caçador, disso eu sei. – Victor o fitou novamente, um pouco constrangido dessa vez e prosseguiu: olha isso..., limpe essas lágrimas, vai, tá uma sujeira. Enfim, acho que você não entenderia mesmo. Uma pena. Sofrimento, sôfrego, tristura, morte, dor, tormento, isso que deve querer dizer, não é?
- Encare como quiser.
- Engraçado que seus amigos não estão aqui. O trio se desfez assim – disse enquanto estalava seus dedos –, em um passe de mágica? Engraçado, muito engraçado..., ou você está pronto para ir ou tem algo que talvez eu queira.
Contemplei Jesus crucificado no altar da igreja, enquanto mergulhava nas palavras do Victor e nos meus pensamentos. Reconheço a genialidade do desgraçado, ele sabia que meu descuidado estava relacionado com algo, e era a negociação. Respirei fundo para lapidar cada palavra minha e realizar a proposta, talvez mais desumana que já fiz na vida, mas seria o necessário para reconquistar minha paz. Mantive meu olhar firme nos olhos de Victor e disse com um só golpe:
- Posso ajudar você a ter Cecília, mas quero que livre eu e meu amigo disso tudo e devolva nossas vidas.
- Uau, isso é justo mesmo? Uma no preço de duas? Isso está equilibrado mesmo? – seu ar de deboche incomodava, fazia eu me sentir um i****a, que nem quando Cecília apresentava alguma informação que eu desconhecia e eu questionava como uma criança s*******o da realidade. Bradei um pouco mais agressivo para que levasse ainda mais a sério meu esforço sobre a captura:
- Sei o quanto quer ela e que não valemos nada, comparados à ela. Pode se fazer de difícil ou aceitar meu trabalho.
- Sabe..., não sei se dou tanta credibilidade, você parecia determinado a deter-me, em nosso último encontro.
- Deve porque fui capaz de derrubar você e ainda fugir.
- E agora? – disse com uma expressão um pouco mais desafiadora.
- Estou desarmado, só e demonstrando minha lealdade temporária. Isso mesmo: estou a venda!
- Nossa... Palavras fortes, cachorrinho. Vocês são engraçados..., que seja. Acredito que esteja falando a verdade e muito sério, mas quero garantia. Sabe que a casa da bruxa é selada, e nada passa por lá.
Soltei um sorriso de alívio enquanto mandava minha mão para o bolso para retirar um dos selos que removi da casa:
- Esse é um deles, acho que deve haver alguma brecha que possibilita sua entrada, eu acredito.
- Você é mais esperto que eu imaginava ser – Victor pegou o selo que estava na minha mão e observou-o atentamente – ela usa os selos do meu grimório, então. São fortes, por isso não consegui rastrear.
- E como garante que eu não serei enganado por você?
Victor aproximou o rosto domado com sua ira por duvidar de sua palavra, ele segurou e puxou com muita força minha argola e retrucou:
- Posso ser um maldito aproveitador, mas jamais falto com minha palavra! E outra coisa – Victor cheirou o selo que estava na sua mão e o pôs dentro do paletó que trajava –, não concordei com sua proposta, mas..., agora está feito. Aceito sua oferenda em troca de Cecília, mas com uma condição.
Victor cochichou suavemente as palavras que esclareciam tudo aquilo: os problemas, esses mundos e essa perseguição aparentemente gratuitos. Tudo estava explicado e os verdadeiros vilões e tormento de tudo..., minha nossa, quero refazer agora meus passos e ter pensado nesse acordo o mais cedo possível! Entendi muito mais o que Victor falou do que Cecília e suas palavras vagas inexplicadas até agora. Engoli a seco e apenas retruquei “aceito”, assim selamos nosso acordo. Victor sorriu e até bateu palmas, e novamente fitou seu lacaio que estava ofegante e disse:
- Você me enoja, sabe? Me envergonhando na frente dos outros. Passarei um trabalho para você e logo irá desaparecer da minha frente, Caçador. Caio, essa atitude... – em seguida, segurou minhas mãos e começou a me bajular, enchendo-me de pompa – é reconhecida por mim, e acredite: ninguém fez algo igual – depois soltou e prosseguiu. Não quero exigir muito de você, mas..., não faço ideia de onde ela está. Sabe o que poderia dizer exatamente a localização?
- Você pôde me encontrar, qual a diferença entre mim e ela?
- Ela usa selos, e eu perdi seu rastro assim que partiu. Na verdade, meus Farejadores auxiliam nessa parte.
Ainda desconfiado, apenas retruquei o que vi, naquele momento:
- Eles dobraram na direita, direção oposto ao bar. Ela disse que era por perto, então não deve ser longe mesmo. E se vasculhássemos a casa dela?
- Está dizendo pra eu entrar em uma casa cheia de selos? Deixo isso com você, aliás, não fui eu quem fez o acordo de entregar Cecília em troca da sua vida. Posso ajudar apenas com isso – Victor retirou um fragmento estranho, e disse que era melhor que uma chave e seria útil.
Fiquei calado pela resposta, mas aceitei seu golpe deferido de bom grado como um lembrete, assim como o presente. Levantei-me do banco e disse que iria procurar qualquer informação que fosse útil para localizar ela, e assim que tivesse, voltaria pra igreja. Saí de lá um pouco mais feliz e esperançoso até a casa de Cecília, caminhei rapidamente para chegar até lá e agilizar minha busca. O portão estava trancado, como de se esperar, então pulei e fui até a porta – que também estava trancada. Pensei se devia jogar uma pedra e inventar uma desculpa qualquer, mas de fato ela notaria, então pensei em comprar clips, mas não tinha dinheiro, entretanto, lembrei da chave estranha que ele me deu. Sua textura era estranha, era macia e parecia pele e osso. Apenas encaixei na fechadura e escutei alguns ruídos e murmúrios vindo da fechadura, mas ignorei. A porta abriu e iniciei minhas buscas pela casa repletas de falcatruas, mistério e manipulação. Sondei tudo, revirei do papel ao sofá, até encontrar qualquer coisa que apontasse sua localização de agora, e fiz isso às pressas para que não me pegassem em flagrante. Até explicar, me crucificariam, e tenho certeza de que Marcos seria o primeiro. Não me dei por vencido, nunca! JAMAIS se deitaria sem esgotar minhas forças, foi dentro desse pequeno colapso de empenho e desespero que lembrei quando Cecília mencionou suas anotações. Revirei seu quarto cuidadosamente, inspecionei cada parte do cômodo, mas não estava tão escondido. Lá eu encontrei um pequeno caderno, mas não li. Arrumei exatamente do jeito que estava e saí correndo até à igreja. Gritei seu nome enquanto rodava pela igreja, até o desgraçado aparecer. Em meio ao meu desespero, ele surgiu na minha frente do nada, com seus olhos mortos e uma feição alegre. Apenas mostrei o caderninho e estendi para que ele pegasse