Ele pediu que os guardas o retirassem de lá e assim fizeram. Fiquei digerindo tudo que ele havia dito. Não me levantei, não pedi para ele ficar... só observei ele se debater com as correntes e gritar para que alguém o tirasse de lá.
Na hora do almoço, fui até o refeitório de funcionários. Fernanda estava conversando um homem. Peguei minha comida e me sentei com eles.
Fernanda: Ah, então... — colocou o cabelo atrás da orelha — sou muito fã de golfe.
Não, ela não é.
: Mesmo? Eu também sou. — sorriu e olhou para mim — Tu é a Alícia?
Eu: Isso. — estendi a mão para cumprimentá-lo — E tu?
: Marcelo. Sou residente daqui.
Olhei para a Fernanda e vi seus lábios movimentarem e palavra "gostoso". Foi inevitável rir. O homem ficou todo desesperado tentando entender o porquê da minha risada estridente. Coloquei a mão na boca e tentei segurá-la.
Fernanda: Minha amiga é louca. — colocou a mão sobre a dele — Conta mais sobre seus torneios de golfe. Amo golfe.
Depois do almoço, fomos até as salas de estágio. No caminho, resolvi quebrar os argumentos da minha colega:
Eu: Tu odeia golfe, Fernanda. — afirmei — Sabe do que tu gosta? Vodca pura.
Fernanda: Mas ele era tãaaaaao — frisou — gato, que eu precisei mentir. Bom, não é mentira, vai. Se for pra assistir aquele deus jogar, eu vou numa boa.
Diretor: Ivanov e... — enroscou — Voltolini, né?
Fernanda: Sim, senhor.
Diretor: Posso ter um minuto com a Alícia?
Fernanda assentiu com a cabeça e se retirou. O velho colocou o braço em volta dos meus ombros e me guiou até outro lugar. Andamos por quase dez minutos de hospital a dentro. Já não aguentava mais o peso gordo de seu braço flácido e nem o cheiro podre de suas axilas.
Diretor: Pronto, é aqui. — sorriu de orelha a orelha — O quarto do Eduardo Hosten.
Eu: Por que o senhor me trouxe aqui?
Diretor: Ah, é um mimo... — deu risada — um mimo para a minha nova amiga. Entre... coma com ele.
Eu: Já almocei.
Diretor: Tudo bem. E fique tranquila que os surtos não vão se repetir.
Assim que a porta se abriu, um guarda se posicionou do lado de fora. Entrei no quarto e vi o diretor acenar para mim e ajeitar o suspensório. A porta se fechou e eu fui até ele, que estava sentado em uma poltrona de costas.
Eu: Não desisto fácil. — brinquei — O que está comendo?
Quando me aproximei dele, vi os hematomas em seu rosto. Eduardo me abriu um sorriso com os dentes cheios de sangue e apontou a cadeira à sua frente. Me sentei.
Eu: O que fizeram contigo? — sussurrei.
Eduardo: Bom, — ajeitou-se na poltrona — o que fazem com gente que não se comporta. Nas primeiras vezes você acha r**m, mas depois acaba gostando. — mordeu o lábio inferior — Então, o que vai ser? Trepada ou terapia?
Balancei a cabeça negativamente e retirei a caderneta da bolsa. Ele ficou imóvel, observando cada movimento meu.
Eu: Podemos continuar seu jogo.
Eduardo: Ah... — desviou o olhar de mim — já enjoei. Ou posso reconsiderar se... — arregalou os olhos para mim — se me contar o que quer comigo!
Eu: Quero o que todos querem. — dei risada — Estudar você.
Eduardo: Mentira sua! — bateu na mesa e derrubou o prato de comida — Quer encontrar seu irmão... Pedro. Pedro Ivanov. Acha que eu não sei? — sorriu. Meu coração disparou — Apostou que ele estava em São Paulo, não é? Sua família descordou. Claro. Um drogadinho feito ele poderia estar em qualquer lugar, mas você não desistiu da ideia. Quando me conheceu, depositou suas fichas em mim...
A adrenalina de suas palavras me dominaram. Coloquei a mão no rosto e chorei. Ele sempre sabe. Soube desde o momento em que eu o encontrei pela primeira vez. O que eu tenho com ele é pessoal.
Eu: Só quero enterrar o corpo dele... — solucei — tu tem que dizer pra mim.
Eduardo: Acho que não. Veja bem, doutora. — sorriu — Você trabalhou duro pra chegar até aqui. E eu não vou te dar o que você quer. A vida é injusta, não é? Não se pode ganhar todas! Peça ao diretor. — afirmou sarcástico — Quem sabe ele traz pra você.
Eu: Tudo bem, Eduardo. — espalmei as mãos no ar — Tu já entendeu a minha. Qual é a tua? — limpei as lágrimas — Quer o quê para me dizer?
Eduardo: Nada. Curto a vida que eu levo aqui.
Eu: Me fala o seu preço. — ríspida — Tu teve um preço a vida toda. Mudou de ideia por quê? Se converteu à Cristo?
O assassino riu. Riu tão alto, que o guarda espreitou pela janelinha de vidro da porta. Fiz a pior expressão do mundo e o encarei.
Eduardo: Durona. — constatou — Gosto assim... são as que se debatem mais.
Eu: Maluco de merda. — sussurrei.
Eduardo: Não gostei desse. Também não gosto de "Viúva-n***a", uma vez que essa aranha é uma das poucas que não mata intencionalmente o macho. — convicto — Biologia, senhorita Ivanov... as pessoas matam as aulas de biologia.
Eu: Vou embora daqui. — guardei minhas coisas na bolsa — Só vou passar ali naquele guarda e dizer que tu ameaçou me estuprar, sabe? — sorri — Aí eu vou dizer pra ele que, se ele não fizer alguma coisa bem c***l contigo, vou contar ao meu namorado... o diretor.
Eduardo: Já disse que gosto de apanhar, senhorita.
Eu: E quem falou em apanhar? — arqueei a sobrancelha — Pensei que ele poderia enfiar um cabo de vassoura nesse teu r**o magrelo. Que tal? Tu deve gostar.
Ele ficou espantado. A frieza sumiu e deu lugar ao desespero. Seus olhos rodearam toda a extensão do quarto e me fitaram novamente.
Eu: Tu não é o único que conhece os fatos.
Eduardo: Eu sabia que um dia você apareceria, Ivanov. — sério — Eu só não sabia a circunstância. O Pedro me falava muito sobre a amizade de vocês. Irmãos que não brigavam? Que exótico.
Eu: Cabo de vassoura, né? — irrefutável — Agora foi a minha vez de enjoar de você.
Eduardo: Isso é maus tratos, sabia?
Eu: Matar pessoas por diversão é o que? — cruzei os braços e aguardei resposta. Ele ficou mudo — Fui.
Eduardo: Se acontecer alguma coisa comigo, o que vai ser do Pedro? Eu mencionei que ele pode estar vivo?
Maldito.
Eu: Tudo que sai da sua boca é mentira. — larguei a bolsa em cima da mesa novamente — Tu nem conhece o meu irmão. Só deve ter visto de longe.
Eduardo: Ah, quem sabe? — sorriu — Você é boa em dedução.
Eu: Estudei muito pra te entender.
Eduardo: E tá tendo sucesso nisso? — colocou os pés em cima da mesa — Nem eu me entendo.
Eu: Sim. Não tem muitas surpresas em ti. É como todos os outros.
Eduardo: Cem vítimas pra isso? — irônico — Uma a mais faria diferença? Não quero ser como todos os outros.
O guarda bateu na porta, anunciando o término da minha visita. Meus nervos queimaram dentro do meu corpo. Tive vontade de gritar e esmurrar aquele infeliz até saber o que eu preciso.
Eu: Outro dia, então. — sorri — Até mais.
Eduardo: Fui valioso, senhorita Ivanov. Nada de cabo de vassoura pra mim.
Eu: Vou pensar no teu caso. — aproximei-me dele — Se contar alguma coisa sobre o meu irmão, eu mato você. Juro que não me importo em fazer isso e alegar que foi legítima defesa. — beijei seu rosto — Tenha um bom dia, Viúva-n***a.
Coloquei a bolsa no ombro e deixei o quarto. Chorei enquanto andava naquele extenso corredor monocromático. Peguei as chaves do carro na recepção e decidi ir embora. Me sentei no banco do motorista e soquei o volante. Gritei e bati em tudo como se fosse louca. Procurei esconder o melhor possível os meus reais motivos, mas ele soube assim que me viu. Só jogou comigo. Só jogou a vida inteira com todo mundo.
Fernanda: Amiga? — apareceu na janela do carro — O que aconteceu?
Eu: Nada. — limpei as lágrimas — Fico emocionada de fazer o que eu amo.
Fernanda: Ah, Marcelo, — olhou para o lado — não te falei que ela era uma gracinha?
Marcelo: É mesmo. A gente vai?
Fernanda: Amiga, vamos tomar umas cervejas com esses dois psiquiatras legais. — afastou-se para que eu pudesse vê-los — Marcelo tu já conhece. Esse é o Otávio.
Acenei para os dois. O tal de Otávio me olhou com desejo. Provavelmente, aquilo seria um encontro em dupla. Coisa muito típica da Fernanda.