Gabrielli
Hugo não tirava seus olhos de mim como se fosse uma mulher preciosa ou um tipo de celebridade que ele é obcecado. Ele nos cumprimentou com cordialidade, não fez escândalo ou jogou indiretas irritantes, as crianças ficaram curiosas ao vê-lo novamente, não tiveram medo apenas olhavam para ele como se quisesse saber mais. Queria ter um tempo longe de tantas pessoas para conversar com Hugo sobre nossos filhos, eu sabia que não poderia fugir desse assunto.
Meu ex-sogro fez questão de nos levar em cada m****o, mostrava as crianças com orgulho dizendo que agora era o primeiro de todos a ser avô, Hugo acompanhava cada movimento meu disfarçadamente quando percebia que estava olhando, disfarçava sorrindo em outra direção ou tentando prestar atenção nas conversas ao seu redor. Na mesa de jantar, todos conversavam de maneira animada, Irma se sentia bem deslocada percebendo isso, eu e Marcele nos sentamos perto dela.
— Será que Adélia e João vão ficar bem? Tenho medo de serem hostilizados por minha culpa, não foi uma boa ideia vir, acho que depois do jantar, vou dispensar a dança e ir embora.
— Ótimo, se você não está se sentindo bem, vamos juntas.
É extremamente justificável o medo de Irma, apesar de ninguém ter ousado falar uma única palavra, acredito que pelo fato do meu pai estar ao seu lado, a cercando como uma espécie de gavião, sem deixá-la um momento. Ele segurava sua mão sorrindo e exibindo o anel de noivado, Maurílio olhava com tanto ódio na direção deles que é impossível não sentir a energia pesada dele.
— Agradeço a presença de todos hoje em minha casa, esse jantar foi promovido especialmente como forma de agradecimento e também para me desculpar perante cada um de vocês. Durante esses últimos cinco anos não fui o líder que deveria, negligenciei as cinco famílias e incluo todas, também a minha pois não fui o melhor dos filhos e irmão. Mesmo assim, cada m****o permaneceu fiel e cooperando para o bom andamento dos negócios, quero reiterar meu compromisso com as famílias, e dizer que estou disponível para vocês sejam homens, mulheres ou crianças. A Organização é e sempre será a minha prioridade!
Gregório levanta sua taça incentivando a todos na grande mesa a fazer o mesmo, Hugo parecia feliz por ter seu irmão ao seu lado, senhor Assis comentou que Gregório ficou muito tempo longe vivendo uma vida desenfreada agora está em processo de recuperação.
— Ao que vamos brindar?
— Vamos brindar a família e a Organização!
Todos repetiram pela família e pela Organização, logo depois o jantar foi servido, olhei na direção da mesa ao fundo onde algumas babás cuidavam das crianças que não se sentavam conosco, essa tradição é normal, um dia também fiquei sentada afastada da minha mãe, me sentia tão sozinha até que veio Marcele e depois Jorginho, meus irmãos talvez não saibam como são importantes para mim.
Confesso que senti falta do tempero daqui, por mais que queira comer muito tenho que me controlar. Minha vida alimentar não é das melhores, não quero vomitar, Margarida observa meus movimentos também não como Hugo, no entanto parece tentar procurar algo na minha expressão ou conversas. A matriarca da família Acácia comentava com entusiasmo dobre o aniversário da filha, Flora está ainda mais linda desde da última vez que a vi.
— Já estão convidadas, será na próxima semana, logo minha menininha será uma mulher oficialmente.
— Claro, estaremos lá sim. Fazer 18 anos é um marco importante na vida de uma mulher na Organização, está animada, Flora?
Ela sorriu respondendo que sim, percebi que Magalhães não tirava os olhos dela como se estivesse ansioso para que Flora fizesse 18 anos, noto a postura calma dela, como se expressa de maneira delicada. Naquele momento, a minha mente processou o que estava acontecendo, Magalhães tem interesse em Flora provavelmente irá oficializar o noivado no aniversário da garota.
— Pretendem ficar muito tempo aqui? Sabemos que não há nenhum vínculo conosco já que se divorciaram de Hugo e Gregório, imagino que estão aqui apenas para uma simples visita.
Mirela tomou um gole do seu vinho sorrindo de uma maneira arrogante, não entendo o porquê da indireta elegante que deu agora, pode ser pelo fato de estarmos com Irma e sermos amigas dela. Marcele resolve responder como se a pergunta não fosse importante, nitidamente não demonstrando importância à pergunta debochada.
— O tempo que for necessário, Mirela, nascemos e crescemos aqui, nada mais normal que ficar no meio dos nossos. Você mais do que ninguém deve nos entender, não é mesmo?
Ela ficou sem-graça pois percebeu que não poderia criar uma situação constrangedora. Como imaginei, essa mulher não é nenhuma coitadinha ou vítima de Rossio, é mentirosa e dissimulada.
— Verdade. Viver longe não é bom, nossas raízes estão aqui.
Terminamos o jantar sem mais nenhuma indireta ou pergunta i*****l, Irma foi até seus filhos se preparando para ir embora.
— Não acredito que não vamos criar uma cena para que Hugo fique com ciúmes de você, estou decepcionado.
— Pois fique, Jacó. Prometi à Irma que iríamos embora, além disso, temos que organizar nossas malas e tudo mais. Estou cansada também, novo fuso, viagem longa e também amanhã temos compromisso cedo, esqueceu?
Jacó fez a pior expressão possível, ele detesta acordar cedo, já prevejo sua cara de poucos amigos amanhã pela manhã.
— Não me esqueci. Você é muito estraga-prazeres, como não vou poder tirar Hugo dessa pose de “sou um homem maduro” também vou embora, já que amanhã tenho que acordar cedo, espero que tenha um café da manhã maravilhoso me esperando, caso contrário terá que lidar com o meu temperamento horrível.
Uma música começou a tocar à medida que os casais iam até a sala principal para dançar. Gostava de observar a interação deles, ninguém nunca me chamou para dançar provavelmente por medo do meu pai, isso me deu a oportunidade de admirar cada um dançando ao seu modo durante anos como estou fazendo agora, seja para mostrar que estão felizes ou apenas para seguir as aparências.
— Está isolada aqui por qual razão? Deveria ir dançar também.
Jacó já havia saído de perto de mim ficando ao lado de sua avó enquanto observavam também a pequena pista de dança, esperava por Marcele e Irma que foram buscar as crianças.
— Juan, nunca fui a moça da dança, e você sabe disso. Gosto de observar e admirar, por que está aqui e não dançando?
— A minha parceira de dança está ocupada dançando com seu irmão mais velho. O que acha de Flora?
Estava certa em minha suspeita, Magalhães realmente está interessado na filha mais nova da quarta família, Flora é muito bonita e doce, uma doçura que um dia também tive antes de tudo que aconteceu.
— Você é apaixonado por ela?
— Digamos que ela cumpre os requisitos esperados por mim em uma mulher. Observando sua família consigo ver que Flora dará para mim o que espero, é educada, inteligente e sabe seguir a tradição da Organização.
O mais importante ele não me respondeu, que Flora é adequada e bonita não é o mesmo que estar apaixonado. Para ser sincera não gostei da forma como pareceu tratar toda a situação com frieza.
— Não foi isso que perguntei, Magalhães, serei mais objetiva: está apaixonada ao ponto de dizer para ela que é um dominador? Que ela será sua submissa em todos os aspectos da vida a partir do momento que se tornar sua esposa? Juan, pelo amor de Deus, não faça essa cara de desentendido.
— Você mais do que ninguém sabe que somos seres doentes e deformados sexualmente falando, Flora jamais saberá quem sou de verdade, será reservado a ela apenas a função de ser minha esposa e carregar meus filhos, a mãe dela teve quatro, portanto ela também terá os herdeiros que quero.
Ele está se enganando e levando uma inocente a se enganar também. Magalhães ainda é fortemente ligado a tradição em ter herdeiros para assumir o seu lugar como ele assumiu a posição do seu pai.
— Converse com ela, não se engane, nem todos conseguem viver de aparências por toda a vida. Como pretende saciar sua necessidade de submissão? Terá amantes com certeza, não é? Magalhães, observe ao seu redor, colocar outras mulheres entre você e Flora trará sofrimento para ela que nem mesmo os filhos poderão remediar.
Se Tina não tivesse aparecido se colocando entre mim e Hugo estaríamos juntos, foi escolha dele colocar sua amante em nossas vidas e procurá-la ao invés de mim. Causou um sofrimento que poderia ter sido evitado, não me sentia amada por ser como era, por conta do que ele fez comigo, consequentemente tornando um solo fértil para dúvidas resultando na minha fuga.
— Gabi, será diferente, não sou como Hugo.
— Será? Quando não se aprende com os erros dos outros, se sofre com os próprios pecados.
Sem que percebêssemos, Hugo apareceu em minha frente com uma expressão séria, acredito que não tenha ouvido o que falamos, Hugo o cumprimentou conversando com Juan amigavelmente, quando estava me preparando para me despedir de Magalhães, meu ex-marido resolveu falar comigo ao invés de só vigiar como fez a noite inteira.
— Gabrielli, poderia me dar a honra de uma dança? Sei que está indo embora e que não costuma participar de momentos assim, mas, por favor, me dê esse prazer de dançar com você.
Fiquei totalmente sem jeito de negar aceitando sua mão estendida apenas por educação, não sei bem o que ele quer de mim depois de parecer ter evitado ficar perto de mim a noite inteira.
Hugo
— Seu perfume continua o mesmo, sempre gostei dessa fragrância doce de morango.
— Obrigada, Hugo, como você está? Parece que muito bem. Desde a última vez que nos vimos sei que ficou algo pendente entre nós.
Ela tinha razão, havia uma pendência entre nós, no momento, porém, não quero falar do passado ou do que aconteceu algumas semanas atrás. Gabrielli está aqui sem brigas, discussões ou qualquer situação que possa atrapalhar essa conversa mesmo que seja breve.
— Sim, podemos apenas aproveitar esse momento sem pensar em nossas pendências? Veja bem, durante toda minha vida quis dançar com você, e nunca tive oportunidade por isso acredito que devemos nos concentrar na música e talvez conversar sobre como o jantar estava delicioso ou alguma outra bobagem.
Somente o fato dela estar aqui já me deixa feliz, não quero pensar nos motivos de estar aqui ou falar algo que a afaste de mim apenas quero aproveitar do momento.
— A filha e a afilhada do senhor Méndez estão lindas, não é? Como o tempo passa rápido. Lembro quando minha mãe foi visitar a senhora Méndez quando Eliza foi adotada, só de pensar que estou envelhecendo fico um pouco temerosa, confesso.
— Não precisa se preocupar. Ainda continua linda como sempre, aliás, pode ter 100 anos que vai permanecer bela. Falando na família Méndez, Celeste está noiva de Rafael Acácia, logo teremos um casamento unindo duas famílias importantes, minha benção foi dada para união a deles.
Nenhum casamento acontece sem minha benção, achava isso uma besteira, mas depois que comecei a conviver verdadeiramente com a Organização entendi que isso era muito importante para as outras famílias.
— O que foi negociado para este casamento acontecer?
— O de sempre, terras, gado, dinheiro, nada de novo. No nosso meio nada muda, se não é pelo que fazemos legalmente é pelo que fazemos ilegalmente. Sei que viver no mundo fora daqui é diferente, aproveitando a brecha: o que descobriu vivendo fora do nosso convívio? Realmente estou curioso. Nenhuma mulher até então que eu conheça conseguiu sair para o mundo e as informações dos homens não são tão interessantes como esperado.
Apertei levemente sua cintura à medida que a música mudava para um tom mais dramático, queria saber sobre sua vida durante esses cinco anos pois sei que ela viveu, diferente de mim que apenas sobrevivi.
— Mulheres fora da Organização fazem faculdade, trabalham e são ativas em algumas áreas como política, por exemplo. É lógico que alguns pontos são como aqui, machismo, misoginia e feminicídio, o mundo não é um conto de fadas moderno onde tudo deu certo, muito pelo contrário, ainda há muito a se melhorar. Descobri que existem pessoas como eu que me fizeram entender que não sou um monstro, fiz terapia e até cursei uma universidade, entendi que sem dinheiro tudo seria mais difícil além disso meus filhos não precisam ter treinamentos como ser um bom atirador ou no caso de Amália como ser uma boa esposa, eles são livres para serem o que quiserem.
Nunca a tratei como um monstro, gostava do que tínhamos um com o outro, o depois que me causava incômodo, ela não dizia que me amava, entendo que seja por causa do que houve entre nós, em relação ao nosso início.
— Para mim você nunca foi um monstro. Me culpo por ter pensado assim, se serve de consolo, gostava do que tínhamos e por mim viveria o resto da vida transando com você daquela nossa maneira.
Ela ficou visivelmente incomodada com minha declaração, sei que pode ser tarde para dizer o que realmente sinto depois de todos esses anos longe, o meu problema talvez foi não demonstrar o que sentia, apenas pensei que dizer que a amava era suficiente, só que não era.
— Isso agora é passado, Hugo, realmente não me importo mais com isso e você não deve se preocupar.
Depois de tanto tempo estamos próximos mesmo que seja em uma pista de dança repleta de pessoas, só queria poder conversar com ela sem ninguém para nos atrapalhar ou sussurrar sobre o nosso divórcio. Sabia que nada poderia mudar minhas decisões ruins, Gabrielli não é mais minha, e preciso me conformar com isso. Ela encostou sua cabeça em meu peito, um gesto inesperado que me fez o homem mais feliz do mundo, Gabrielli seguiu meu ritmo com perfeição como se fosse tão certo ela comigo.
Como tudo na minha vida parece ser complicado ouço gritos de briga perto da ala reservada para as crianças, Gabrielli se afastou de mim indo na direção dos gritos, fui atrás dela encontrando Maurílio que está com o meu sobrinho nos braços enquanto Gusmão está com uma arma apontada na direção dele, Irma está chorando com todos ao redor implorando para Jorge abaixar a arma.
— ELE É MEU, IRMA, VOU LEVÁ-LO.
— NÃO, PELO AMOR DE DEUS, MAURÍLIO. SOLTE MEU FILHO, NÃO VAI LEVÁ-LO, TERÁ QUE ME MATAR ANTES DE TIRÁ-LO DE MIM.
Fiquei na frente da arma de Gusmão pedindo apenas com o olhar para abaixar, ele pareceu resistente no começo, quando percebeu que não iria sair da sua frente guardou a arma.
— Entregue o menino para Irma, Maurílio, não é assim que vamos resolver essa situação.
— Não, você não vai resolver, Hugo. Deixei que a situação ficasse aos seus cuidados e acabei me fodendo, agora vou resolver do meu jeito. Comigo é tudo ou nada!
De repente, todos os líderes das famílias estavam aqui incluindo meu pai com a pior expressão possível, Gregório está ao seu lado.
— Maurílio Rossio, devolva meu neto para minha filha e chega dessa cena, está estragando o momento de celebração da Organização por birra. Vamos, Maurílio! Não temos a noite inteira, sua esposa e filho estão esperando por você, pare de agir feito um adolescente.
— Primo, amanhã conversarmos sobre essa questão, me entregue o menino, faça o certo.
Apesar da relutância, ele me entregou o menino que chorava pela mãe, entreguei o garoto para Irma que começou a acalmar o filho, Gusmão a amparou em seus braços deixando Maurílio com mais ódio ainda. Gabrielli se juntou a Gusmão, Irma e Marcele para ir embora com as crianças, fui atrás dela.
— Gabrielli, eu...
— Está tudo bem, Hugo, agora realmente preciso ir, estamos todos muito cansados. Agradeço a dança, gostei muito.
Droga! A situação de Maurílio me atrapalhou, Gabrielli estava tão receptiva, recebi uma demonstração de doçura e a******a que jamais tive durante o tempo que estivemos juntos, volto para casa vendo a mulher que amo ir embora sem que pudesse dizer o que sinto, mais uma vez por culpa de outros.