Isso não é certo

962 Words
As palavras dela me atingem em cheio. Cada sílaba é um golpe que faz minha culpa crescer ainda mais, mas também traz uma onda de frustração que não sei como conter. O que eu estava tentando provar? Que não sou meu irmão? Que ela não pode me tratar como uma extensão dele? Mas, olhando para ela, vejo mais do que raiva. Há algo mais profundo por trás daquele olhar. É dor. Uma dor que se mistura com a minha, criando uma tensão insuportável entre nós. Eu solto seu pulso, lentamente, como se o ato de deixá-la ir fosse um pequeno gesto de penitência. — Jéssica... — Tento falar, mas ela ergue a mão, me silenciando. — E se Jake está morto hoje, é por sua causa! Você que insistiu para ele ir naquela maldita festa em Londres! As palavras dela são como uma lâmina fria atravessando meu peito. Sinto o sangue fugir do meu rosto no mesmo instante. A sensação é sufocante, como se o chão tivesse desaparecido sob meus pés. É terrível ser acusado de algo que eu não consigo me lembrar. Respiro fundo, tentando manter o controle, mas meu corpo inteiro parece paralisado. Não digo nada. Não há nada a ser dito. Não tenho lembranças para me defender, apenas um vazio doloroso onde deveria haver respostas. Qualquer palavra que eu diga agora seria inútil. O mundo ao meu redor parece c******r. Cada sílaba dela ecoa como um martelo, esmagando-me um pouco mais. O peso da acusação é insuportável, mas não consigo desviar o olhar. Nos olhos dela, vejo mais do que fúria: vejo dor. Uma dor tão crua e devastadora que me atinge como um golpe direto no estômago. E, pior, sei que compartilho dessa dor, mas não tenho ideia de como aliviá-la. — Jéssica... — Minha voz sai baixa, quase um sussurro. As palavras parecem presas na minha garganta, mas forço-me a continuar. — Não precisa jogar isso na minha cara. Eu já me sinto culpado o suficiente, sem que você precise me lembrar disso. Ela me encara, inabalável. Há algo em seus olhos que parece intransponível, um muro construído de raiva, mágoa e algo mais profundo, algo que talvez nunca entenda. Eu tento novamente, reunindo palavras que soam frágeis até mesmo para mim. — Se eu pudesse prever que algo assim fosse acontecer... que essa tragédia fosse nos atingir... — Minha voz vacila, mas não consigo parar. — Tanto eu, quanto ele, teríamos evitado ir. Faço uma pausa, minha respiração falha enquanto tento conter o nó que cresce em minha garganta. O silêncio entre nós é tão denso que parece impossível atravessá-lo. — Você acha que eu não me culpo todos os dias? — acrescento, minha voz mais firme agora, mas ainda carregada de dor. — Eu revivo essa dor toda vez que penso nele. Os olhos dela brilham, e por um momento penso ver algo vacilar em sua expressão. Mas, antes que eu possa dizer mais alguma coisa, o cansaço emocional me toma. — Vou pegar as malas. — Murmuro, mais para cortar o momento do que porque realmente quero sair. Viro-me, tentando deixar o peso do momento para trás, mas as palavras dela continuam ecoando dentro de mim, reverberando como um golpe interminável: "É por sua causa." Enquanto caminho para fora do chalé, sinto uma pressão esmagadora no peito. A culpa, a dor e o vazio se misturam em uma tempestade que quase me sufoca. Mesmo assim, algo dentro de mim sabe que essa conversa está longe de acabar. De repente, sinto a mão dela agarrar meu braço. O toque é firme, mas há uma fragilidade subjacente que me faz parar no mesmo instante. É como um freio brusco, cortando meu caminho. Quando me viro, o que vejo me atinge como um soco. Seus olhos verdes, normalmente tão vivos, agora estão afogados em angústia. Lágrimas escorrem por sua pele de porcelana, marcada por delicadas sardas que parecem ainda mais evidentes sob o brilho suave da luz. Seus lábios, carnudos e trêmulos, revelam a profundidade de sua dor, e cada movimento deles parece abrir um buraco ainda maior dentro de mim. Luto contra o impulso avassalador de beijá-los, de apagar sua dor e, de algum jeito egoísta, apagar a minha também. Mas não posso. Não devo. Minhas mãos começam a tremer levemente, enquanto uma carga elétrica percorre meu corpo. É como se cada célula minha estivesse dolorosamente consciente dela — do calor que emana, do peso de seu olhar, da proximidade de sua presença. — Jason... — Sua voz é entrecortada, quase sufocada. — Me perdoe. Meu Deus, me perdoe. Ela solta o ar em um soluço, e algo dentro de mim quebra ao ouvir. — Foi uma fatalidade. Claro que você nunca imaginou que essa tragédia fosse acontecer. As palavras dela são como um bálsamo, mas também como um golpe. Sua sinceridade me atinge com uma força que quase me derruba. Não há mais acusação, apenas arrependimento cru, exposto, que reflete o que há em mim. Fico ali, imóvel, tentando processar tudo o que sinto. O conflito entre o alívio e a dor é tão intenso que m*l consigo respirar. Seus olhos estão fixos nos meus, carregados de algo que me puxa como uma corrente. Aquele verde-alaranjado, hipnotizante e único, é uma armadilha da qual não consigo escapar. Por segundos que parecem uma eternidade, o mundo inteiro deixa de existir. Só há ela. Meu coração bate desordenadamente, cada pulsação ecoando a intensidade do momento. Eu esqueço de respirar, de pensar, de existir fora daquele instante. Mas então, como uma onda gelada, a realidade me atinge. Isso não é certo. A dor, o peso de tudo isso, ainda está muito fresco. Se eu ceder agora, não será o que ela precisa. Nem o que eu preciso.
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