Mia VI

2681 Words
Pensei que o primeiro dia de aula seria terrível, principalmente porque Eric, o vigia do Logan, estava decidido a não sair do meu pé. Mas conhecer Jane e o seu carisma e proximidade me fizeram relaxar um pouco e no final ela ainda me emprestou o caderno com suas anotações para que eu pegue os assuntos que estão estudando aqui. O único momento chato foi quando tive que assistir todo mundo fazenso educação física e não poder participar. Na hora da saída é Chloe que está em frente a escola me esperando. Eric também vai conosco. Só que diferente da ida, em que ele e Logan conversaram o tempo todo, agora ele está calado e até parece cansado. Antes de irmos para casa fazemos uma parada rápida na escola de Andrew, que está cheio de energia e não para de falar um minuto sequer. Quando Chloe estaciona em frente a casa onde atualmente moro com eles Eric é o primeiro a sair do carro depois de se despedir de todos de um modo geral e atravessa o gramado que separa sua casa da nossa sem olhar para trás. _ Posso jogar videogame, mãe? - Andrew pede quando entramos em casa. _ Só depois de fazer a lição. - Ela responde deixando suas coisas sobre a poltrona. - Você sabe muito bem as regras. Dever primeiro e diversão depois. - Ele assente com os ombros caídos e olhos tristonhos de quem teve o pedido negado. - Nada de fazer essa carinha. _ É que hoje tem lição de matemática e não vou acabar nunca. - Responde se jogando no sofá. _ Pega suas coisas que te ajudo e você acaba logo. - Ele se anima e começa a distribuir o caderno e os livros sobre a mesinha de centro. - Também precisa de ajuda com a lição, Mia? _ Não. Eu consigo me virar sozinha. - Falo olhando para ela, que faz um coque no topo da cabeça e senta no chão ao lado do garoto. - Eu vou fazer a minha lição no quarto. - Digo e ela afirma com um meio sorriso antes de voltar a sua atenção para o caderno do filho. Subir as escadas, mesmo sendo trabalhoso, já não é mais tão difícil. Quando chego no quarto me jogo na cama e um suspiro de alívio escapa dos meus lábios. Passar o dia andando de um lado para o outro nos corredores da escola com essas muleta foi mais exaustivo que uma tarde intensa de treino. Bebo um pouco de água da jarra que fica ao lado da minha cama e depois começo a fazer o dever de história, que é simples, e em seguida copio as anotações de Jane. Quando termino de escrever tudo a minha mão está doendo e já está escuro lá fora. Com um suspiro cansado guardo tudo de volta na mochila. Assim que fecho o zíper alguém bate na minha porta. De maneira inconsciente o meu corpo entra em estado de alerta, mas relaxo quando ouço a voz de Andrew do outro lado da porta. _ Pode entrar. - Digo deixando a mochila ao lado da cama. - A mamãe e o papai estão chamando para o jantar. - Fala parado na soleira da porta. _ Diz que daqui a pouco eu desço. - Ele assente e sai encostando a porta. Uso o banheiro e depois desço para encontrar com todos já sentados em torno da mesa bem posta. Sento ao lado de Andrew e então começamos a comer. Como nas outras vezes fico calada enquanto os outros interagem entre si falando apenas quando sou perguntada e de maneira monossilábica. Depois do jantar eu subo e vou direto para o banho. Opto por tomar uma ducha pela praticidade e depois visto a roupa que costumo usar para dormir, mas antes de deitar faço os exercícios que Frank me passou ignorando a dor. Como acontece desde que vim morar aqui Logan e Chloe vem me desejar boa noite antes de se recolherem. É quando a casa está escura que as coisas ficam ruins. O silêncio traz a tona as lembranças mais sombrias e o sono nunca é tranquilo e revigorante. Sempre que fecho os olhos vejo minha mãe morrendo naquela cama de hospital na minha frente e quando tento ir para longe me deparo com Bill com as roupas sujas de sangue e ele me estrangula contra a parede fria e acordo sufocada. Com medo de ficar na cama e acabar dormindo e voltando a ter pesadelos atiro as cobertas para o lado, pego as minha muletas e vou até a janela de onde consigo ver os primeiros raios de sol despontando no horizonte. Também vejo quando Eric passa correndo com fones de ouvido em frente a minha janela e logo em seguida Logan sai de casa com passos apressados, pega o carro e sai acelerando. Não demora e ouço o som de vidro quebrando na cozinha. Em completo estado de alerta deixo o quarto tentando fazer o mínimo de barulho possível. Um leve tremor domina meu corpo. O que torna a tarefa de descer as escadas sem cair uma missão impossível. O coração bate em ritmo descompassado quando alcanço o último degrau e a boca está seca pelo medo. Mas tudo se acalma quando entro na cozinha e encontro minha madrasta catando os cacos de vidro do chão. _ Tudo bem? - Pergunto a fazendo notar a minha chegada. _ Sim. - Diz jogando no lixo os cacos quem tem nas mãos. - Só toma cuidado que acabei de quebrar um copo. - Pede ao juntar os cacos menos com a vassoura e com a ajuda da pá joga fora. - Eu acordei você? - Pergunta guardando os objetos no pequeno quartinho de limpeza. _ Não. - n**o usando o balcão da ilha como apoio para sentar no banco. - Já estava acordada quando ouvi o barulho e vim ver o que tinha acontecido. - Falo omitindo os pesadelos. _ Gosta de acordar cedo? - Pergunta começando a pegar ingredientes para começar a preparar o café da manhã. _ É costume. - Respondo dando de ombros. - Vi pela janela que o Logan saiu de carro. Aconteceu alguma coisa? - Pergunto como quem não quer nada. _ Foi uma ocorrência de trabalho. - Fala forçando um sorriso que não esconde sua agitação. _ Você está nervosa. - Não é uma pergunta e sim uma constatação. _ Nunca vou me acostumar com o perigo da profissão do seu pai. - Diz me estendendo um copo com suco. - Mas ele é bom um bom profissional e sabe muito bem o que faz. - Estou a ponto de dizer que para mim tanto faz quando Andrew entra na cozinha usando o seu pijama azul com estampas de foguete enquanto coça o olho esquerdo ainda sonolento. - Caiu da cama, filho? _ Como a senhora sabe? - Pergunta com uma cara de espanto tão engraçada que não consigo segurar o riso. _ Foi apenas um palpite. - Chloe responde rindo. - Está com fome? - Ele afirma com um movimento lento de cabeça ao sentar no banco ao meu lado. _ Como foi que você caiu da cama? - Pergunto não aguentando a curiosidade. _ Eu sonhei que era paraquedista que fazia muitos saltos radicais. - Explica em tom sério. _ E quando foi dar mais um dos seus saltos encontrou o chão. - Completo para resumir a história e ele confirma com a cabeça. O café da manhã segue em um clima descontraído, mas depois precisamos correr para nós aprontar e sair ou vamos nos atrasar. Eric vai conosco novamente e pela reação de Andrew sei que essas carona só estão acontecendo por minha causa. Os dois vão brincando durante todo o caminho até a escola de Andrew. Antes de saltar do carro ele se despede do amigo com um toque elaborado, beija a minha bochecha e a da mãe. O trajeto até a North High é curto e o silêncio não incomoda muito. Eric e eu nos despedimos de Chloe com um aceno e saltamos do carro ao mesmo tempo. Ainda na entrada encontramos com Jane e Dylan que estão no meio de uma discussão para decidir qual o melhor estilo musical. Jane acha que é o POP enquanto Dylan defende o Rock. Eles pedem a nossa opinião buscando apoio, mas Eric responde de forma evasiva e faço o mesmo encerrando a discussão. Antes de irmos para a sala da primeira aula paramos nos nossos armários para guardar nossas coisas e aproveito para devolver o caderno de Jane. As aulas são até que tranquilas. Mesmo não sendo um gênio consigo entender toda a matéria. A hora do almoço é tranquila e pela segunda vez sento com um guarda grupo que interage comigo e até fantasio que sou uma garota normal. Depois do almoço vou com Jane para o treino da equipe de futebol e o cheiro do gramado me dá saudades de entrar em campo. _ Te achei! - Quase caio do banco com a chegada repentina de Eric. - Foi m*l. _ Você tá querendo me matar, garoto?! - Falo com uma mão no peito tentando acalmar as batidas alucinadas do meu coração. _ Desculpa. - Pede e sua expressão séria mostra que seu pedido de desculpas é verdadeiro. _ Tudo bem. - Digo agora um pouco mais calma. - Mas porque você estava me procurando? _ É que a tia Chloe mandou uma mensagem dizendo que está atolada de trabalho no buffet e não vai poder vir buscar a gente. E como você tem fisioterapia ela me pediu para te acompanhar. Com a correria do dia acabei esquecendo que tinha uma sessão de fisioterapia marcada agora a tarde. _ Vamos. - Chama recolhendo a minha mochila do chão e a jogando sobre seus ombros. _ Não precisa me levar. - Digo me erguendo com a ajuda das muletas. _ Não começa com esse papo outra vez. - Fala quando começamos a sair do campo. - Você ainda não conhece a cidade. Não pode andar por aí sozinha e machucada. - Diz e preciso concordar que nisso ele tem um pouco de razão. _ E como a gente vai? - Pergunto quando chegamos a parte da frente da escola. _ Pedimos um táxi. - Fala com naturalmente enquanto caminhamos até uma rua paralela mais movimentada. _ Não tenho dinheiro para pagar por um táxi. _ Eu pago e depois você me devolve. - Fala com um ar enfadonho enquanto acena para um táxi que para um pouco distante de onde estamos. Mesmo sob protestos ele me ajuda a entrar no banco de trás, coloca as muletas no meu colo antes de fechar a porta do meu lado e dar a volta se sentando junto comigo. Ele passa as mãos nos cabelos os jogando para trás e só então percebo que estão molhados. Na certa estava treinando com a equipe de atletismo ou basquete e acabou de sair do banho. _ Para onde? - O taxista pergunta e Eric dá o endereço da clínica. _ Quem vai buscar o Andrew? - Pergunto quando estamos em movimento e ele me olha confuso. - Você disse que a Chloe estava ocupada no trabalho. Então, quem foi buscar o Andrew? - Torno a perguntar sem conseguir evitar me preocupar com o garotinho. _ O motorista do buffet tem autorização para buscar o Andy quando o tio ou a tia não podem, como hoje, e leva ele para ficar com a tia lá no trabalho. _ Certo. - É tudo o que digo. O resto do caminho seguimos no mais completo silêncio. Quando o motorista para em frente a clínica Eric paga pela corrida e depois me ajuda a descer do carro. Como Frank ainda está com um paciente precisamos esperar um pouco. Assim como na primeira vez, entro sozinha. Frank tira a tala e também meus sapatos e só então começamos. Primeiro vem os movimentos de aquecimento e quase não dói. Fazemos uma pequena pausa para respirar depois de cada sequência e quando terminamos a última sequência estou exausta e completamente suada, mas muito satisfeita com o avanço. _ Estou impressionado, Mia. - Frank fala enquanto volto a colocar a tala. - Se continuar assim antes mesmo do previsto estará pronta para outra. _ Isso quer dizer que já posso parar de usar as muletas e a tala? - Pergunto animada. _ Você vai ter que aguentar a tala pelo menos até a nossa próxima sessão na semana que vem. - Diz e me desânimo um pouco. - Mas acho que já pode aposentar a sua muleta esquerda e começar a apoiar o pé no chão. _ Sério?! _ Sim. - Responde com um largo sorriso. - Mas nada de fazer extravagâncias. Lembre-se de que mesmo se recuperando um pouco mais rápido que o esperado o seu músculo ainda está lesionado. - Pontua como um bom profissional. _ Pode deixar que eu vou tomar cuidado. - Garanto usando as muletas como apoio para ficar de pé. - Já posso mesmo abandonar essa muleta? - Pergunto erguendo a muleta que está na mão esquerda. _ Só se estiver confiante para isso. - Responde e não penso duas vezes antes de lhe entregar o objeto o fazendo rir. - Você é como o seu pai. - Comenta e apenas fico calada. _ Já posso ir? - Pergunto ansiosa para sair daqui. Desesperada para não ter que falar sobre o desconhecido com quem estou morando agora. _ Claro. - Afirma com um meio sorriso. - Eu te acompanho até a recepção. - Diz e assinto. - Não precisa ter pressa. - Fala quando começo a caminhar e apenas confirmo com um movimento de cabeça. Não posso dizer que não sinto dor a cada passo que dou, mas é uma dor suportável. Chega a parecer cócegas quando comparo com a dor que sentia sempre que Bill me batia pelos motivos mais insignificantes que existe. Lágrimas se formam no canto dos meus olhos, mas logo trato de piscar e espanta-las. Não quero começar a chorar aqui e receber um olhar de pena das pessoas. Quando chego a recepção e sala de espera Eric está distraindo escrevendo ou rabiscando em um caderno que demora um pouco para me notar. Ele joga o caderno de qualquer jeito dentro da mochila e se apressa em vir me ajudar. Depois de uma rápida despedida deixamos a clínica com ele levando a muleta em uma das mãos e com uma mochila em cada ombro. _ Está muito cansada? - Pergunta quando chegamos a calçada. _ Um pouco. - Digo usando toda a minha concentração em não colocar muito peso sobre a perna machucada. _ Acha que consegue andar até o próximo quarteirão? - Pergunta arrumando melhor a sua mochila que está escorregando. _ Acho que sim. - Respondo receosa. _ Ótimo. - Ele sorri. - Por aqui. - Aponta o caminho a nossa direita. _ Para onde vamos? _ Para o trabalho da sua madrasta. - Fala franzindo o cenho em um ar engraçado. - É estranho pensar na tia Chloe como uma madrasta. Ela é muito legal para esse título pesado. - Comenta risonho. _ Mas o que nós vamos fazer no buffet? - Pergunto quando atravessamos a rua. _ Vamos pegar alguma sobremesa deliciosa na cozinha e descolar uma carona para casa. Quero perguntar mais, mas a caminhada me exige concentração e foco. Na metade do caminho decido que ter vindo foi uma péssima ideia. O quadril começa a doer e fico ainda mais cansada, mas não falo nada para Eric. Quando chegamos em frente ao pequeno prédio estou quase sem forças e aceito de bom grado quando Lina me oferece uma cadeira para sentar ao lado de Andrew que desenha em seu caderno. Logo Chloe se junta a nós e depois de uma fatia de torta de chocolate nós vamos embora. E assim que chegamos em casa subo para o meu quarto e deito na cama sem coragem para fazer mais nada além disso.
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