Eric VII

2701 Words
Já fazem duas semanas desde que Mia chegou a cidade e a essa altura imaginei que ela estaria mais a vontade e sociável conosco ou ao menos com seu pai. Mas ela se mantém distante. As únicas pessoas com quem a vejo conversar de fora relaxada são Jane e Andy, mas já esperava que ela não resistiria ao encantos do garotinho por muito tempo e Jane é garota e garotas geralmente se dão bem umas com as outras. Até mesmo Dylan consegue tirar algumas risadas dela com suas piadas bobas. Já a mim ela ignora solenemente. Por mais que tente ser legal ela sempre me trata com certa indiferença ou dá respostas atravessadas. Não entendo porque ela age assim comigo. A sua perna está quase completamente recuperada. No início dessa semana abandonou a tala e ontem aposentou a segunda muleta. Ainda manca um pouco quando anda, mas acho que é normal. Com a sua recuperação nossas caronas até a escola foram suspensas. A partir dessa segunda-feira nós vamos caminhando até o colégio. _ Ainda vai dormir ou acabou de acordar? - Meu pai pergunta ao entrar na cozinha me despertando dos meus pensamentos. _ A segunda opção. - Respondo fechando a minha garrafinha de água. - Vou correr. Preciso estar em forma para a competição mesmo que o treinador insista em me deixar na reserva. _ Está chateado com isso? - Questiona se inclinando sobre a bancada da ilha. _ Não tem como não ficar chateado. - Suspiro me apoiando na pia. - Se essa posição fosse pelo fato de eu não ser um bom nadador eu até aceitaria. Mas sei que parte dessa sua decisão de não me deixar competir é a minha asma. _ Ele apenas não quer que se esforce muito e acabe se sentindo m*l. - Ele tenta justificar para levantar um pouco o meu ânimo. _ Não é isso. - Falo negando com a cabeça. - Mas não quero falar sobre isso. Preciso sair agora ou vou perder a manhã. - Digo de forma evasiva encerrando o assunto. Antes de sair lhe dou um meio abraço. É uma manhã fria de sábado o que é apenas um sinal de que o inverno se aproxima. A pior estação do ano para mim. Nessa época do ano costumo ter algumas crises severas que na maioria das vezes me obrigam a ir ao hospital para tomar uma injeção que me fazem melhorar. E com o inverno chegando não terei manhãs como essas para me exercitar. Ajusto o relógio que tenho no pulso, dou play na música que começa a tocar em meu fone e só então começo a corrida. Faço os exercícios de respiração que o meu médico me ensinou quando o ar encontra dificuldade para entrar nos pulmões e diminuo o ritmo. Falta apenas mais uma volta no quarteirão para completar a minha rotina de exercícios quando vejo Mia em uma caminhada lenta com passos agora mais firmes. _ Bom dia. - A cumprimento reduzindo a corrida a uma caminhada para acompanhá-la. _ Bom dia. - Responde aí da concentrada em suas passadas que ficam mais apressadas. _ Calma aí. - Falo quando sua perna direita vacila e a envolvo pela cintura evitando a sua queda. _ Droga! - Pragueja em uma careta de dor. _ Vamos sentar um pouco. - Sugiro indicando a calçada ao seu lado. _ Não. - Diz tomando fôlego. - Preciso terminar o percurso. - Fala se afastando dos meus braços. _ Mas está com dor. - Pontuo quando ela recomeça a andar lentamente. - Não deveria forçar muito a perna. - Argumento enquanto a sigo. _ Acredite. Essa dor não é nada perto do insuportável. - Responde focada no caminho a nossa frente. _ Você quase caiu. - A lembro. _ Porque pisei errado quando tentei aumentar o ritmo. - Diz dando de ombros ainda caminhando. _ Você tem que tomar cuidado. Ainda não está cem por cento. _ Por que não termina a sua corrida e me deixa em paz? - Pergunta hostil. _ Porque prefiro caminhar ao seu lado. - Respondo com um meio sorriso que parece irrita-la e gosto disso. _ Faça o que quiser desde que fique calado. - Passo um zíper imaginário nos lábios a fazendo revirar os olhos. Seguimos todo o resto do trajeto silêncio. Quando chegamos ao final ela manca um pouco, mas não fraqueja. Nos despedimos com um aceno em frente as nossas casas antes de entrarmos. O resto do meu sábado passo desenhando em meu quarto já que mamãe precisou ir ao buffet com tia Chloe porque um casal marcou de fazer uma degustação para selecionar o cardápio do casamento que o buffet vai organizar no próximo mês e papai esteve trancado no escritório terminando um projeto que tem que apresentar amanhã no trabalho. O domingo por outro lado foi inteiro voltado para a nossa família. Em dias assim penso em como seria bom ter um irmão ou irmã. Mia não sabe como tem sorte em ter o Andy como irmão. Lembro de pedir um irmãozinho a minha mãe quando Andy nasceu, mas ela desconversou. Só quando estava mais crescido foi que ela e meu pai contaram que depois que eu nasci ela teve algumas complicações e agora não pode ter mais filhos. Levantei a hipótese de adoção uma vez e eles prometeram pensar, mas já fazem três anos e eles não voltaram a tocar no assunto. Acordo cedo e animado na manhã seguinte. Depois de um banho rápido me visto para um dia chuvoso e frio. Quando desço para o café de manhã meus pais já estão sentados a mesa. _ Bom dia. - Os cumprimento de forma geral ao sentar no meu lugar de costume. _ Bom dia. - Respondem juntos. - Como passou a noite? - Mamãe emenda a pergunta. _ Bem. - Digo dando de ombros enquanto me sirvo de um pouco de leite e pego uma torrada. _ Filho, gostaria de perguntar algo a você. - Papai diz depois de trocar um olhar cúmplice com mamãe. _ Pode perguntar. - Falo ainda mastigando um pedaço de torrada. _ Seu pai e eu estivemos pensando em algo e gostaríamos de saber a sua opinião. - Mamãe fala com um sorriso nervoso nos lábios. _ O que foi, gente? - Pergunto ansioso. _ O que acha de ter um irmãozinho ou irmãzinha? - Ele pergunta me deixando paralisado por um tempo, mas logo a alegria toma todo o meu peito e abro um imenso sorriso. _ Sério isso? - Pergunto extasiado. _ Sim. Seu pai e eu estivemos conversando e acho que chegou o momento de aumentarmos a família. _ E como não podemos ter mais filhos pelos meios naturais nós decidimos seguir um concelho que nos deu a três anos atrás e vamos adotar. - Papai completa com um largo sorriso segurando sua mão sobre a mesa. _ E quando vão começar os trâmites? _ Nós já começamos. Demos entrada em nossa inscrição na nossa inscrição para o sistema de adoção e hoje a tarde, depois do seu treino, passamos na escola e nós vamos juntos visitar um orfanato. - Mamãe responde também com um largo sorriso. _ Que maravilha. - Digo eufórico. - Mas e quanto a Mia? - Pergunto preocupado. _ Não se preocupe com ela. A sua tia Chloe vai buscá-la quando for buscar o Andy. - Papai responde. - E falando nela. Acho que você deveria se apressar já que vão sozinhos hoje e não podem se atrasar. Assinto bebendo todo o copo de leite num só gole e pego uma maçã na fruteira para comer no caminho antes de sair apressado. Quando bato na porta da casa ao lado é Mia quem vem atender com cara de poucos amigos. Todos já saíram e espero que ela feche a porta antes de seguirmos caminhando em um ritmo confortável para nós dois. Assim ela não fica com dor e eu não irrito meus pulmões. Ficar doente hoje está fora de cogitação. Não conversamos muito durante todo o caminho, mas eu não esperava nada diferente disso. Na escola seguimos a nossa rotina no colégio e quando tenho um momento sozinho com Dylan lhe conto sobre a novidade do crescimento da família e ele fica tão feliz quanto eu com a novidade e se compromete em ser o tio legal do garoto ou garota que vamos adotar. No treino estou tão feliz e ansioso com a aproximação da hora de irmos ao orfanato conhecer as crianças e quem sabe uma delas seja a nova integrante da família que não dei a mínima para as brincadeiras e zombarias dos colegas de equipe ou o fato de continuar sendo mantido no banco. Depois de uma longa sequência de exercícios dentro e fora da piscina somos liberados para irmos ao vestiário. Tomo uma ducha quente, visto a minha roupa seca e passo as mãos nos cabelos molhados os jogando para trás fechando meu pequeno armário. Sou o primeiro a deixar o vestiário e estou no meio do corredor que fica na parte dos fundos da escola quando recebo uma mensagem do meu pai avisando que estou na frente da escola me esperando. Torno a guardar o celular no bolso da calça e estou prestes a seguir meu caminho quando vejo Jane e Mia no campo usando uma bola e tenho que admitir que Mia parece levar jeito para a coisa mesmo ainda não tendo tanta mobilidade. Uma nova mensagem me desperta do transe daquela imagem. Não preciso ver o celular para saber que é mais uma mensagem dos meus pais. Assim como eu, eles também estão bastante ansiosos. Procuramos falar de outros assuntos durante o caminho até o orfanato, mas uma súbita tensão nos atinge assim que paramos em frente a construção colonial. Por fora o lugar parece ser apenas um casarão com um grande jardim na frente. Imagino que o jardim seja a parte que as crianças mais gostam de brincar, mas está chovendo e não tem ninguém além do segurança que nós recepciona e logo somos encaminhados para falar com a diretora do lugar. Como agora é a parte em que ela interroga meus pais fico os esperando em uma anti-sala um pouco escura e talvez macabra para um lugar cheio de crianças. Ouço o som de crianças rindo e conversando pelos corredores atiçando ainda mais a minha curiosidade e cansado de esperar pelos adultos decido explorar por conta própria. Como não conheço bem o orfanato caminho pelo corredor comprido com algumas portas fechadas buscando algum tipo de sala de jogos ou espaço de convivência das crianças. Encontro uma única porta entreaberta, mas quando entro vejo que se trata de uma salinha de estudos vazia. Estava a ponto de sair para continuar com a minha busca quando ouço um soluçar de choro abafado em alguma parte do lugar. Procuro saber de onde vem o som e encontro uma menininha de longos cabelos loiros chorando abraçada aos joelhos escondida atrás de uma estante estreita com alguns livros enfileirados. Julgando por seu tamanho não deve ter mais que quatro ou cinco anos. _ Oi. - Digo fazendo a garotinha saltar assustada. - Calma. Não vou te machucar. - Parece que tenho o dom de assustar garotas. Abaixo para ficar da sua altura. - Me chamo Eric. Qual o seu nome? - Pergunto, mas ela continua calada a me olhar. - Se não quiser falar tudo bem. Podemos fazer alguma coisa diferente. - Sugiro e ela me olha atenta. Os olhinhos verdes estão vermelhos, mas não tem mais lágrimas. - Mas o que podemos fazer? - Questiono e ela dá de ombros. Dou uma olhada em volta e vejo alguns materiais deixados de lado. - Já sei! Pego um caderno e um lápis de escrever com borracha, sento no chão e começo a desenhar uma borboleta e depois uma joaninha que a deixam encantada. Quando termino lhe estendo o caderno para que também desenhe e até que ela leva jeito. _ Aí está você! - Mamãe exclama assustando a minha nova amiguinha que larga o que tem nas mãos e se encolhe tente a parede. - Perdão. - Diz em um tom calmo e suave. - Não queria te assustar. _ Tudo bem. - Garanto a menina que me olha em uma espécie de pedido de proteção e isso é forte. - São os meus pais. Lina e Kevin. - Falo apontando os dois que lhe acenam. - Pai e mãe, essa é a minha amiguinha que não sei o nome, mas que desenha muito bem. _ Como assim? - Papai pergunta se aproximando de onde estamos sentados. _ Ela não disse. _ Acharia estranho se ela falasse. - Comenta a diretora. - Olivia não disse uma única palavra desde que chegou. - Fala nós revelando o nome da menina. _ Te achei, Olivia. - Uma moça fala ao entrar também na sala, que agora cheia parece ser bem pequena. - Está na hora do banho. - Chama e a menina me abraça antes de correr junto com a moça. _ Isso foi incrível! - A diretora exclama e parece realmente chocada. _ O que é incrível? - Mamãe pergunta quando papai e eu nos juntamos a elas. _ Já fazem quatro meses desde que Olivia veio para cá e nunca a tinha visto abraçar ninguém e muito menos ficar tão próxima de algum visitante. _ Como ela chegou ao orfanato? - Pergunto curioso. _ Ela foi trazida para cá depois que o pai morreu vítima de um acidente de trabalho. _ E quanto a mãe? - Mamãe questiona abraçada a papai. _ Não a encontraram em nenhuma parte. É muito provável que tenha morrido ou abandonado a família. A única pessoa que pode nos contar é a própria Olivia. _ Sabem porque ela não fala? - Papai pergunta quando começamos a deixar a sala de estudos. _ Ao que parece é algo de fundo emocional. Pelo menos foi isso que a psicóloga do orfanato nos disse. Encerramos o assunto quando chegamos ao espaço de convivência das crianças. Algumas estão brincando entre si, outras nos olham curiosas e ainda tem aquelas que nos olham com indiferença. Socializamos com algumas e também conhecemos o berçário, mas não senti com eles a mesma conexão que tive com a pequena Olivia e acho que o mesmo acontece com meus pais. Ao final do pequeno tuor nós voltamos para a sala da diretora. _ Então, se interessaram por alguma criança? - Pergunta a sentando em sua cadeira atrás da mesa. _ São todas encantadoras, mas acredito que todos nós sentimos algo especial pela pequena Olivia. - Papai fala depois de trocar um olhar com a minha mãe. _ Nós a queremos como nossa filha e irmã para o Eric. - Completa mamãe me sorrindo. _ Olivia é de fato uma garotinha encantadora. - A diretora fala nos sorrindo. - Vou dar entrada nos papéis da adoção. _ E quanto tempo até podermos a levar conosco? - Pergunto ansioso. _ Não dá para dizer com precisão. - Responde cruzando os dedos sobre a mesa. - Primeiro vou emviar o pedido de vocês para análise e se forem aprovados um assistente social vai até a casa de vocês para avaliar as suas condições. Depois dessa visita e de um aval positivo do assistente social vocês receberão a guarda provisória e também mais algumas visitas para ver como anda a adaptação de todos com a adoção. E por fim um juíz assina o papel de guarda permanente e Olivia passa a ser legalmente de vocês. _ É realmente um processo bastante demorado. - Papai fala passando a mão no cabelo o colocando para trás. _ Mas enquanto tudo não se conclui podemos vir visitá-la? - Pergunta mamãe. _ Apenas no horário apropriado. Não queremos ter problemas com as outras crianças. - Pontua e mamãe concorda com um movimento de cabeça. Esperamos que a mulher termine de organizar toda a papelada e então vamos embora cheios de esperança. Antes de irmos para casa paramos em um restaurante para jantarmos e passamos todo o tempo fazendo planos para quando tivermos a Olivia conosco e m*l posso esperar para que isso aconteça.
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